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Formigas e eucaliptos: uma aliança com vantagens e desafios

Andam por cá desde o período Jurássico e estima-se que sejam biliões espalhadas por todo o mundo. Nas plantações de eucaliptos, comuns em Portugal, a sua função é complexa e multifacetada, influenciando diversos aspetos da biodiversidade e da saúde florestal. Descubra mais sobre este pequeno inseto que parece insignificante, mas que desempenha um papel crucial no equilíbrio dos ecossistemas.

Altamente sociais e evoluídas, as formigas não deixam nada ao acaso. Toda a sua vida e sobrevivência baseia-se numa estrutura muito bem organizada que, quando estudada de perto, parece surpreendentemente humana.

Existem inúmeras semelhanças: movem-se como um exército, constroem cidades, coordenam comportamentos, dividem tarefas e cooperam entre grupos. Fazem guerras e simulam rebeliões, escravizam outras espécies e destroem e consomem recursos indiscriminadamente, infelizmente, de forma semelhante aos humanos. Além disso, cultivam fungos, produzem “vacinas” e cuidam dos filhos e dos doentes, num mundo estranhamente parecido com o nosso.

Esta fascinante, mas desconhecida, sociedade foi amplamente estudada e documentada pela bióloga e mirmecóloga (especialista em formigas), Susanne Foitzik em diversos estudos que foram compilados no livro “Empire of Ants: The Hidden World and Extraordinary Lives of Earth’s Tiny Conquerors”.

Mas as suas proezas não se limitam às sociedades internas. As formigas são um componente fundamental da biodiversidade, contribuindo para o funcionamento e equilíbrio dos ecossistemas. Revolvem e arejam os solos, permitindo que a água e o oxigénio cheguem às raízes das plantas e árvores. Fazem compostagem e transportam sementes. São uma parte vital deste intrincado e sensível sistema natural.

Uma verdadeira super-heroína

Para além de serem parte essencial da rede alimentar, comendo uma grande variedade de material orgânico e fornecendo alimento para muitos organismos diferentes, as formigas são insetos com características de super-herói.

Durante muito tempo, não se conseguiu estimar o número de formigas existentes no planeta, mas uma pesquisa de 2022 revela que devem ser cerca de 20 quatrilhões de formigas. Um número quase impronunciável, mas revelador da sua importância.

Pertencentes à família Formicidae, têm um corpo dividido em três partes: cabeça, tórax e abdómen e umas pernas estranhamente fortes, conhecidas por carregarem até 50 vezes o seu próprio peso. Na cabeça, possuem mandíbulas fortes, antenas segmentadas e olhos compostos. Possuem também glândulas metapleurais que segregam um fluido antibiótico que lhes permite formar uma espécie de proteção química contra as agressões. Apresentam uma notável variedade de tamanhos e cores, dependendo da espécie, e a maioria delas tem um exoesqueleto resistente.

Os formigueiros são complexas estruturas sociais compostas por diferentes castas, incluindo a rainha, os machos e as operárias. A rainha é responsável pela reprodução, pondo ovos que garantem a continuidade da colónia e de acordo com as necessidades da colónia. Ou seja, a rainha consegue escolher que tipo de ovos irá colocar, dependo se a colónia necessita de mais machos ou operárias. Os machos têm a função principal de acasalar com a rainha e, depois disso, geralmente morrem. As operárias, que são fêmeas estéreis, desempenham várias tarefas essenciais, como cuidar das larvas, construir e manter o formigueiro, procurar alimento e defender a colónia.

As colónias podem variar em tamanho, desde pequenas comunidades com algumas dezenas de formigas até vastas sociedades com milhões de indivíduos. A comunicação entre as formigas é feita principalmente através de feromonas, que são substâncias químicas que transmitem diferentes mensagens, como alertas de perigo, carreiros de comida ou identificações de membros do mesmo ninho.

As formigas e o eucaliptal

As formigas são frequentemente encontradas em plantações de eucaliptos devido à sua capacidade de adaptação a uma variedade de ambientes. Estas plantações oferecem um habitat rico em recursos alimentares, como seiva, melada (um subproduto açucarado excretado por pulgões e outros insetos), e pequenos invertebrados dos quais as formigas se alimentam.

Este tipo de plantações apresentam uma elevada taxa de variedade de formigas, superior ao que está documentado para qualquer outro tipo florestal, natural ou plantado. Uma meta-análise feita pela Universidade de Lisboa e o Instituto RAIZ identificou 25 espécies de formigas, elevando para 44 o número das que foram encontradas em plantações de eucaliptos em Portugal, ou seja, cerca de 30% do número total de espécies de formigas que existem no país.

Um dos principais benefícios da presença de formigas nas plantações de eucaliptos é o controlo biológico de pragas. Estas são predadoras naturais de muitos insetos herbívoros não produtores de melada que podem causar danos às árvores, como lagartas e outros artrópodes. Ao alimentarem-se destes insetos, as formigas ajudam a manter a saúde das árvores e a reduzir a necessidade de pesticidas químicos, promovendo um ambiente mais sustentável.

Além disso, as formigas podem melhorar a estrutura do solo. As suas atividades de escavação ajudam a arejar o solo e facilitam a infiltração de água e nutrientes. Este comportamento pode contribuir para um melhor crescimento das árvores, especialmente em solos compactados ou de baixa fertilidade.

Apesar dos seus benefícios, a presença de formigas nas plantações de eucaliptos também pode apresentar desafios e ter alguns impactos negativos. Algumas espécies de formigas tendem a proteger os pulgões e outros insetos que produzem melada, em troca deste alimento açucarado. Esta relação mutualística pode levar ao aumento das populações destes insetos, resultando em maiores danos às plantas.

Também não é benéfico quando espalham patógenos ou reduzem a abundância de outros inimigos naturais e polinizadores. As abelhas, por exemplo, evitam flores colonizadas por formigas, comprometendo o serviço de polinização. Portanto, é essencial compreender bem o seu papel nos ecossistemas e perceber que é uma aliança delicada com vantagens e desvantagens.

Sabia que…

  • As formigas são tão antigas quanto os dinossauros e ao contrário destes, conseguiram sobreviver à explosão que os extinguiu assim como à idade do gelo. Estes factos foram revelados por um estudo da Universidade de Harvard que colocou a origem destes pequenos insetos durante o período Cretáceo, há cerca de 130 milhões de anos.
  • As formigas têm seis pernas com três articulações cada e uma garra em forma de gancho. Esta garra possibilita-lhes escalar e trepar os ramos das árvores. As pernas são muito fortes, permitindo-lhes levantar e carregar entre 10 a 50 vezes o seu próprio peso.
  • O ciclo de vida da formiga tem quatro fases — ovo, larva, pupa e adulto — e a sua expectativa média de vida é de aproximadamente 40 a 60 dias.
  • As formigas comunicam através do olfato usando as antenas. Têm cinco narizes diferentes. As antenas não servem só para cheirar, mas também para poderem ter o sentido do toque e orientarem-se.
  • Apesar do seu pequeno tamanho, o abdómem da formiga tem dois estômagos. Um dos estômagos guarda comida para consumo próprio, e o segundo guarda alimentos para partilhar com as outras formigas.
  • Cada formigueiro ou ninho de formigas tem o seu próprio cheiro e variam na sua complexidade. Podem ter apenas uma entrada e uma câmara, ou ser constituídos por dezenas de ramificações com múltiplas entradas, túneis e câmaras.

Gestão sustentável e monitorização são essenciais

Para maximizar os benefícios das formigas nas plantações de eucaliptos e minimizar os impactos negativos, é essencial fazer uma gestão cuidadosa. A promoção da biodiversidade nas plantações pode ajudar a equilibrar as populações de formigas e outros insetos. Plantar uma variedade de espécies vegetais, incluindo plantas nativas, pode fornecer habitats alternativos e fontes de alimento que suportam uma gama mais ampla de fauna. As florestas geridas pela The Navigator Company seguem essa Estratégia de Conservação da Biodiversidade em todas as operações florestais que realizam diariamente, garantindo a diversidade de fauna, flora e outros valores naturais.

As formigas desempenham um papel vital nas plantações de eucaliptos, oferecendo benefícios significativos, como o controle biológico de pragas e a melhoria da estrutura do solo. No entanto, a sua presença também pode trazer desafios, especialmente quando envolvem espécies invasoras ou relações mutualísticas com insetos herbívoros. Uma gestão integrada e cuidadosa é essencial para equilibrar estes impactos, promovendo uma coexistência benéfica entre as formigas e as plantações de eucaliptos.

O estudo contínuo das interações entre formigas e eucaliptos é fundamental para desenvolver estratégias de gestão mais eficazes e sustentáveis. Ao entendermos melhor estas relações complexas, podemos melhorar a saúde das plantações e conservar a biodiversidade, garantindo a sustentabilidade a longo prazo das plantações de eucalipto em Portugal.

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