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Andorinhões-pretos: história de uma viagem sem pouso

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Se, ao olhar para o céu, vir um bando de aves que parecem ser andorinhas heavy metal, todas vestidas de preto e maiores que o habitual, está a observar andorinhões-pretos (Apus apus). Tal como as bandas de música, gostam de mostrar os seus agudos para que todas as ouçam, cá em baixo.

O formato não engana – quando há “foices negras” no céu, os andorinhões-pretos andam à caça. Os bandos, muitas vezes de dezenas de indivíduos, são tão ruidosos que dificilmente passam despercebidos. O seu canto característico – um chilrear agudo e estridente – é facilmente reconhecível nas tardes quentes, ecoando entre acrobacias aéreas rápidas.

Espécie estival, pode ser observada em todo o território português entre março e outubro. Algumas aves estarão apenas em trânsito para outras paragens, como os países ao Norte da Europa, mas outras ficam por cá durante os meses mais quentes.

Formam-se colónias, muitas vezes em ambientes urbanos, aproveitando fendas em edifícios e estruturas antigas para nidificar. Originalmente, estas aves utilizavam falésias e cavidades naturais, mas a proximidade das cidades trouxe-lhes novas oportunidades de abrigo.

Existência entre as nuvens

Com cerca de 16 a 17 centímetros de comprimento e uma envergadura que pode ultrapassar os 40 centímetros, o andorinhão-preto é um mestre do voo. Passa praticamente toda a sua vida no ar: alimenta-se, bebe, dorme e até acasala em pleno voo.

O seu corpo foi moldado para esse estilo de vida: asas longas e estreitas, cauda ligeiramente bifurcada e pernas e patas tão pequenas que quase não tem capacidade para pousar no chão. Razão pela qual o nome científico da sua ordem significa literalmente “sem pés”, Apodiformes. O termo inglês swift, que designa o género Apus, remete para a sua velocidade e agilidade aérea.

A dieta é composta sobretudo por pequenos insetos e aracnídeos capturados em pleno voo, um recurso essencial para controlar populações de mosquitos, moscas e outras pragas. Um único bando pode consumir milhares destes invertebrados por dia, contribuindo de forma importante para o controlo de pragas em ecossistemas urbanos e rurais.

Conscientes da relevância destas aves e do impacto que a sua presença tem na biodiversidade, a SPEA lançou a Rede Nacional de Santuários para Aves. Este projeto pretende travar o declínio de várias espécies, entre elas os andorinhões, transformando propriedades privadas em verdadeiros refúgios para a vida selvagem e promovendo uma ação coletiva em prol da conservação.

Os segredos de uma vida em grupo

Os andorinhões-pretos são extremamente sociais. Nidificam, migram e alimentam-se em grupos bastante alargados, mantendo contacto através de vocalizações variadas e linguagem corporal. São capazes de voar mais de 80 km a partir do local de nidificação para procurar alimento, adaptando a altura de voo às condições meteorológicas.

A época de reprodução decorre entre maio e julho, altura em que a fêmea põe dois a três ovos, incubados durante cerca de três semanas. Os juvenis permanecem no ninho até estarem prontos para voar, o que pode demorar entre 27 a 45 dias. Durante este período, os pais alimentam os filhotes com bolas de insetos mantidas unidas com saliva, adaptando a alimentação conforme o crescimento dos jovens.

Graças à sua habilidade aérea e escolha de locais de nidificação em superfícies verticais, evitam a maioria dos predadores naturais, como o falcão-peregrino (Falco peregrinus), o gavião (Accipiter nisus) ou o águia-de-asa-comum (Buteo buteo). A sua coloração discreta também ajuda à camuflagem, tornando-os quase invisíveis quando não estão em voo.

Rumo ao inverno africano

Com a chegada do outono, os andorinhões-pretos empreendem a sua longa migração em direção à África subsariana, desde o Zaire e Tanzânia até ao Zimbabwe e Moçambique, onde passam o inverno. O percurso exato ainda não é totalmente conhecido, mas sabe-se que podem percorrer dezenas de milhares de quilómetros por ano, mantendo-se quase permanentemente no ar.

Assim, da primavera ao verão, quando o céu português se enche de acrobacias negras e gritos metálicos, é sinal de que os andorinhões-pretos voltaram. Invisíveis em terra firme, são uma presença marcante no ar. Viajantes incansáveis que nos lembram como o mundo natural é, também ele, uma sinfonia em movimento.

Sabia que…

  • O nome científico do andorinhão-preto, Apus apus, faz referência à sua aparência semelhante à das andorinhas e às patas muito reduzidas, que dão a impressão de que a ave “não tem pés”, derivando do termo grego apous, que significa literalmente “sem pé”.
  • O andorinhão-preto é uma das poucas aves capazes de entrar numa espécie de dormência durante o voo. Este estado de repouso profundo permite-lhe desligar metade do seu cérebro e reduzir o metabolismo de modo a conservar energia durante os longos períodos em que permanece no ar. Estudos recentes indicam que esta capacidade é crucial para a sua sobrevivência durante as migrações e períodos de escassez alimentar.
  • Durante as suas impressionantes migrações, os andorinhões-pretos passam 24 horas por dia em voo durante cerca de 10 meses.
  • A adaptação dos andorinhões-pretos ao ambiente humano e urbano tem sido benéfica para a espécie, proporcionando-lhes locais seguros para a reprodução.
  • Andorinhão-preto

    Apus apus

  • Aves

  • GÉNERO

    Apus

  • FAMÍLIA

    Apodidae

  • HABITAT

    Nidifica sobretudo em cidades e vilas, aproveitando o espaço sob as telhas, fendas e cavidades de edifícios. Mais raramente, instala-se em zonas florestais, penhascos ou até em cavidades escavadas por pica-paus.

  • DISTRIBUIÇÃO

    A espécie está presente na Europa, Ásia e África, reproduzindo-se no Hemisfério Norte e migrando para África durante o inverno. Em Portugal, distribui-se por todo o território continental, sendo mais comum na região norte do país.

  • ESTADO DE CONSERVAÇÃO

    Pouco preocupante

  • ALTURA / COMPRIMENTO

    Pode atingir até 17 cm de comprimento e 42 cm de envergadura

  • LONGEVIDADE

    Cerca de 7 a 10 anos, embora alguns indivíduos possam viver mais de 20 anos na natureza.

Como protegemos a espécie?

Na primavera e no verão, o andorinhão-preto é uma das aves que pode ser observada na Quinta de São Francisco, propriedade da The Navigator Company, mentora do projeto Biodiversidade.

Para proteger esta e outras aves migratórias, são delimitadas zonas com interesse para a conservação, geridas de forma a manter ou melhorar os habitats. Estes espaços oferecem condições de alimentação, refúgio e reprodução, podendo ainda atuar como corredores ecológicos que facilitam a dispersão natural das espécies e o intercâmbio genético entre populações.

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