Biogaleria

Plantas

PAPOILA: CRONISTA DA HISTÓRIA HUMANA

Temas:

A papoila é uma flor que floresce à berma da história. Reconhecível e carismática, observa as pegadas da humanidade. Viaja com astúcia pelos campos e terrenos do mundo, espalhando o seu simbólico vermelho-vida através das sementes levadas ao sabor do vento. Venha conhecê-la melhor.

Planta de pétalas vibrantes e efémeras, floresce ao longo dos caminhos e campos abertos, como se vigiasse discretamente a passagem da humanidade. Ao longo do tempo, acompanhou os movimentos humanos, simbolizando tanto a vida como a morte em diversas culturas.

Desde a Grécia antiga que é associada ao deus do sono, Morfeu, e colocada nos túmulos para honrar os mortos. Hoje, para muitos, é símbolo da paz, dos sacrifícios vividos e dos que morreram durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1921, foi adotada pela Legião Real Britânica como emblema oficial de lembrança, através do primeiro “Dia da Papoula”. A evocação do armistício é marcada por cerimónias de homenagem, onde é tradição depositar coroas de papoilas.

São papoilas cativantes

Das seis espécies de papoilas nativas em Portugal, a papoila-vermelha ou papoila-dos-campos, é a mais comum e abundante. Planta herbácea anual, de seu nome científico Papaver rhoeas, pertence à família Papaveraceae. Encontra-se por todo o território continental e nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, crescendo de forma espontânea em bermas de estradas, terrenos incultos, searas, prados, pastagens e olivais. A sua capacidade de adaptação permite-lhe instalar-se em solos pobres e terrenos temporariamente abandonados, onde forma verdadeiros tapetes floridos.

Sendo uma presença comum em paisagens rurais, a papoila-vermelha foi acumulando uma lista extensa de nomes populares, que variam de região para região e de cultura para cultura. Papoila-brava, papoila-das-searas, papoila-rubra ou simplesmente papoula são apenas alguns exemplos. Por onde passa, deixa um rasto de cor e de significados, adaptando-se ao imaginário de cada povo.

Retrato botânico

A Papaver rhoeas cresce em tufos delicados que podem atingir cerca de 60 centímetros de altura. O caule, esguio e ligeiramente ramificado, é coberto por finos pelos rígidos. Se for quebrado, liberta um látex branco que rapidamente sela a ferida e ajuda na cicatrização.

Finas e profundamente recortadas, as folhas têm lóbulos ovados e uma penugem discreta. As folhas inferiores formam pequenos caules próprios, enquanto as superiores, chamadas sésseis, ligam-se diretamente ao caule. Na face inferior, as folhas exibem nervuras paralelas, com uma nervura central mais destacada.

As flores, solitárias e delicadas, desabrocham na primavera, entre março e julho. Cada uma nasce de um pedúnculo fino, peludo e arqueado. Antes de abrir, é protegida por duas sépalas verdes que se desprendem à medida que as pétalas se libertam. A corola é composta por quatro pétalas sobrepostas, com textura semelhante a papel de seda amarrotado. O vermelho-vivo é a cor dominante, mas há também variedades em tons de rosa e branco, com ou sem uma mancha escura na base.

O ciclo de vida da papoila é rápido e curto, o que faz com que as pétalas delicadas das flores murchem facilmente.

Estratégia de sedução e reprodução

A cor intensa das papoilas não é um mero capricho da natureza. O vermelho atrai eficazmente polinizadores de diversas espécies, que são irresistivelmente seduzidos pelo seu pólen nutritivo.

A papoila é hermafrodita e possui órgãos reprodutivos bem definidos. Os estames, correspondentes à parte masculina da flor, são numerosos, finos e de filetes avermelhados, sustentando as anteras escuras onde se forma o pólen. No centro da flor encontra-se o estigma, a parte feminina, que recebe o pólen através de um disco plano, amarelo e raiado.

Após a polinização, forma-se o fruto, uma cápsula verde-clara de superfície lisa, com cerca de 1 a 2 centímetros de comprimento. A cápsula é alongada e apresenta no topo um disco achatado com raios salientes. É através de pequenos orifícios nesse disco que as minúsculas sementes são libertadas. Extremamente resistentes, estas sementes podem permanecer adormecidas no solo durante mais de 80 anos, à espera das condições certas para germinar. Uma única planta pode gerar até 60.000 sementes.

Entre o prado, os pratos e a medicina

Para além do embelezamento da paisagem, a papoila-vermelha (Papaver rhoeas) desempenha funções práticas e culturais. Na culinária, é bastante apreciada e versátil, ao contrário de algumas das suas congéneres. As jovens folhas da Papaver rhoeas, quando colhidas antes da floração, podem ser consumidas cruas em saladas ou cozinhadas em sopas.

As pétalas, ricas em antocianinas e com capacidade para conferir cor, são frequentemente aproveitadas na elaboração de infusões e também na produção de certos tipos de vinho. As sementes, com o seu sabor subtil a noz, são utilizadas em pães e bolos, conferindo-lhes textura e aroma.

Do ponto de vista medicinal, a papoila é valorizada pelas suas propriedades relaxantes, antitússicas e sedativas. As primeiras referências como medicamento datam de 3400 A.C., no Egito, onde era designada como a “planta da alegria”, pela capacidade de reduzir a dor e acalmar.

Na Antiguidade, eram feitas infusões e preparados à base desta planta para serem utilizados no alívio da ansiedade, insónias e pequenas inflamações. O óleo extraído das sementes é também bastante apreciado na cosmética, reconhecido pelos seus benefícios para a pele e o cabelo.

Assim, entre prados coloridos, receitas tradicionais e a medicina, a papoila continua a marcar presença, cruzando-se com a história e o quotidiano humano, discreta, mas memorável.

Sabia que…

  • Existe uma congénere da papoila Papaver rhoeas, chamada de papoila-do-ópio (Papaver somniferum), da mesma família (Papaveraceae) e da qual se extraí a morfina, o ópio e outros opiáceos.
  • Embora as propriedades sedativas da Papaver rhoeas sejam suaves, a planta possui nas suas folhas e caules um alcaloide com alguma toxicidade, que pode representar um risco, especialmente para animais herbívoros quando consumida em grandes quantidades.
  • O termo Papaver, proveniente do latim, remonta à palavra celta “papa” ou “pappa”, referindo-se a uma espécie de alimento para bebés, possivelmente combinado com outros ingredientes que era dado para ajudar a acalmar e adormecer as crianças. Já o epíteto específico rhoeas provém do grego “rheo”, que significa fluir ou escapar, uma alusão à facilidade com que as pétalas se soltam ao mais leve sopro de vento. Existe também a teoria de que poderá derivar de “róia”, a palavra grega para romã, numa referência ao tom vermelho intenso das suas pétalas.
  • Foi cientificamente reconhecida em 1753 pelo botânico sueco Carl Linnaeus aquando da sua publicação Species Plantarum.
  • Planta

    Papoila Papaver Rhoeas subsp. Ranunculidae

  • Género

    Papaver

  • Família

    Papaveraceae

  • Habitat

    Propensão para existir em diversos terrenos com ou sem cultivo como campos, pastos, baldios, pousios, montados, olivais e bermas de estradas. Tem geral preferência por locais nitrificados que são espaços por norma com forte cultura de pastoreio de gado ovelhas.

  • Distribuição

    É uma planta anual e cresce por vastas e diversas áreas do planeta, com destaque para o Norte de África, Macaronésia (exceto Cabo Verde), Europa, o Mediterrâneo, Centro e Oeste da Ásia, Paquistão, Japão, Norte de África e até América do Norte. É nativa em Portugal continental e nas ilhas da Madeira e nos Açores foi introduzida pelo homem e ocorre em todos os arquipélagos.

  • Estado de Conservação

    NA – Não aplicável.

  • Altura / comprimento

    Pode atingir entre os 15 a 20 cm de planta e 30 a 61 cm de linhas.

  • Longevidade

    A flor da papoila dura cerca de 10 dias.

Como protegemos a espécie?

Por ser uma espécie nativa, não invasora e abundante em Portugal, não está sujeita a proteção específica. No entanto, beneficia de medidas gerais de conservação que visam preservar áreas de interesse ecológico.

Nas propriedades da The Navigator Company, mentora do projeto Biodiversidade.com.pt, estas zonas são geridas de forma a manter ou melhorar o estado de conservação dos habitats, garantindo condições adequadas para alimentação, refúgio e reprodução. Além disso, podem atuar como corredores ecológicos, facilitando a dispersão natural das espécies e o intercâmbio genético entre populações.

Temas: