Biohistórias

Águas de Outubro

Águas de outono: as viajantes transformadoras

Com a chegada do outono e das primeiras chuvas, celebramos a preciosidade de cada gota de água e a transformação que origina na biodiversidade, nas plantas, nos animais e no Homem.

Na Via Láctea encontramos o nosso planeta, revestido de uma substância extremamente peculiar, um manto azul que ofusca o próprio sentido do nome Terra e possibilita, entre outros fatores, o florescimento de variadas espécies.

No espírito do Dia Nacional da Água, vamos descobrir a forma como, através de uma simbiose tão natural quanto fora do comum, as primeiras chuvas de outono preparam as florestas para resistir e influenciar as diferentes estações e condições do ano.

Plantas, gestoras naturais da água

A água é um verdadeiro paladino da vida. Uma substância crucial com uma forte representação científica e simbólica na Terra: percorre mares, oceanos e continentes num complexo labiríntico superficial e subterrâneo.

Movimenta-se por caminhos escondidos e armazena-se em locais difíceis de imaginar. É mutável e desdobra-se em várias formas por montanhas, céus, solos, rios, lagos e zonas geladas inabitáveis.

A água é uma guardiã do equilíbrio natural que possibilita a existência de um planeta habitável, mérito dos ecossistemas florestais, reguladores biológicos do ciclo da água.

Comecemos pelas bases: o sol, a água e o dióxido de carbono são os ingredientes-chave para a fotossíntese, uma etapa essencial ao metabolismo das plantas.

Este efeito permite que as plantas consigam gerar os seus próprios açúcares – os amidos ou hidratos de carbono.

Ao longo do seu crescimento e durante toda a sua vida, as plantas aproveitam este processo para absorver água e reter nas suas raízes largas quantidades de dióxido de carbono. Segundo a teoria da tensão-coesão-adesão, que procura compreender o movimento ascendente da seiva nas plantas por causa da evaporação de água nos estomas, acredita-se que mais de 95% da água absorvida é devolvida à atmosfera.

Isto sucede por conta da transpiração das plantas, num processo chamado evapotranspiração. A um nível microscópico, observamos nas plantas os estomas – pequenos poros ou pequenas bocas, por onde a planta respira, regulando a entrada de dióxido de carbono, e permitindo a saída de água “transpirada”.

A percentagem de água que se evapora em superfícies de lagos, rios e oceanos também é considerada no grande processo de evapotranspiração e contribui decisivamente para completar este ciclo.

Esta função opera como um sistema de segurança e é versátil porque permite às plantas a capacidade de se adaptarem aos diferentes níveis de humidade na atmosfera e no solo. Quando as temperaturas estão mais altas, se houver disponibilidade de água no solo, as plantas libertam normalmente mais água dos estomas, mas quando a água é escassa no solo, os estomas permitem regular ou até impedir temporariamente a libertação de água.

A importância das plantas, particularmente das árvores em meio urbano, não se cinge à absorção de carbono e embelezamento, elas contribuem ativamente para o arrefecimento atmosférico das cidades, através da evapotranspiração.

É por conta deste fenómeno realizado por milhões de plantas, que apelidamos as florestas de gestoras naturais da água. São também as principais responsáveis pela larga circulação de água doce na atmosfera e no solo.

Água, a viajante transformadora

Apesar da abundância de água na Terra, aquela que consideramos doce e ideal para consumo humano é apenas um dos vários tipos presentes na natureza.

A água preenche 71% da superfície e especula-se que se estenda por 1386 milhões de Km3 no planeta. Os 3% de água doce encontram-se em zonas extremamente superficiais e estão presentes em ribeiras, rios, lagoas e também na atmosfera e no solo.

A água molda a superfície da Terra através da erosão dos solos, que por sua vez desgasta as rochas mais duras e por fim fomenta a dissolução dos nutrientes presentes nas fontes hidrotermais a grande profundidade terrestre. É inclusive, capaz de influenciar o vulcanismo.

Está presente, como sabemos, em diferentes estados – gasoso, líquido e sólido. É o conceito encarnado de mutabilidade tornada real, uma eterna viajante dos quatro cantos do mundo, em constante transformação, capaz de ultrapassar variados obstáculos naturais com uma sapiência milenar. Mas como em tudo na vida, nada se faz verdadeiramente sozinho, como é o caso da sua travessia pelas florestas.

De maneira a não se evaporar e a manter-se no solo, a água aproveita a eclética vegetação ao seu redor – galhos, ramos, folhas e outros tipos de vegetação em decomposição que criam a camada da manta morta, eficaz tanto a infiltrar como a reter água. Mais tarde, quando é assimilada para o subsolo, esta mesma água percorre grandes profundidades subterrâneas até aos lençóis freáticos.

A diversidade de vegetação tem também a vantagem de atuar como barreira contra detritos naturais e substâncias tóxicas: pesticidas e herbicidas presentes na água. Muitos destes elementos ficam retidos graças a estes obstáculos naturais. O salgueiro-preto é um bom exemplo, já estando a ser utilizado em testes para a descontaminação de águas poluídas. Assim, contribui-se, na medida do possível, para que a água chegue aos rios na sua forma mais pura.

Em simultâneo, as florestas proporcionam sombra e uma enorme quantidade de oxigénio. Esta presença física, ao longo dos espaços naturais, retém grande parte do dióxido de carbono nas raízes e, além disso, impede a entrada de poeiras prejudiciais, contribuindo para um ar de maior qualidade.

Na rota das águas de outono

As árvores são especialistas no processo de absorção e transpiração.

Através das raízes ou com a ajuda das rochas naturais em proximidade, as moléculas da água que passam por estas camadas deixam retidas apenas as bactérias, contaminantes ou nutrientes em excesso.

A água é absorvida pelas raízes das árvores e plantas, e em seguida viaja pelos vasos condutores xilema – um tecido poroso à escala micrométrica – por onde passa a seiva bruta, rica em água, sais minerais e O2, e que flui das raízes para as folhas. A água nas plantas move-se sempre de acordo com o chamado potencial hídrico, ou seja, de onde há mais água (solo), para onde há menos (atmosfera).

A água dissolve também os nutrientes, sobretudo açucares, gerados pela fotossíntese, permitindo a nutrição de todas as células da planta através de outro sistema de vasos, chamado floema.

Diferentes solos retêm e distribuem água também de formas variadas.

Vejamos o exemplo: dois solos diferentes com teor de 30% de água como a areia e a argila. O solo da areia é superficial, o que faz com que a humidade seja incapaz de favorecer o crescimento das plantas por conta da fraca aeração. Já a argila, aparenta reter e fornecer água com agilidade, no entanto, por conta da sua forma e textura, impede a passagem dos níveis essenciais de água para o bem-estar da planta. Além do mais, a água move-se sempre dos espaços de maior potencial para menor.

Mais tarde, a árvore liberta a água purificada através da evapotranspiração, o principal processo que forma as nuvens – verdadeiras gerentes reguladoras dos padrões de precipitação globais. Em simultâneo, cria maior humidade no ar e ajuda no arrefecimento da atmosfera local, servindo para dinamizar e expandir a presença de água no planeta. É importante referir, no enquanto, que a grande maioria de água evapora-se de superfícies expostas, nomeadamente o oceano.

Mas a transpiração das plantas vai muito além da época das chuvas: tem-se por referência que um carvalho adulto de altas dimensões transpira 151 mil litros de água por ano, cerca de 414 litros de água por dia. Estes dados variam e dependem não só do nível de humidade no solo ao longo do ano, mas também do clima e dimensão de cada planta, particularmente da sua superfície de folhas (número de folhas x área de cada folha), e da densidade e dimensão dos estomas.

Esta autogestão natural ajuda a preparar todo o ecossistema para as próximas rondas de precipitação. O processo chega a ser tão minucioso que é capaz de reter água, prevenir cheias e destruições de habitats em espaços mais frágeis, como é o caso das planícies.

No caso de uma cheia, a água que fica estagnada no local não consegue continuar a sua viagem para outras zonas e espalhar os seus nutrientes.

Felizmente, as raízes e os troncos das árvores têm um papel na estabilidade do solo, como é o caso dos amiais ripícolas. Estes ajudam na fixação das terras e estabilização dos rios, prevenindo o movimento de lama em zonas de declive e o estrago das vilas e respetivas terras.

Em maus lençóis (de água)

Os problemas que envolvem a disponibilidade de água estão correlacionados com a presença humana e com a forma como esta insiste em operar negligentemente nas suas diversas frentes de ação: seja no ordenamento do território, no planeamento urbanístico ou até mesmo na gestão florestal e gestão de recursos hídricos.

Para além da disponibilidade, a contaminação da água afeta a biodiversidade de formas que ainda não são completamente compreendidas. A relação entre águas limpas e vida saudável é indiscutível, e este equilíbrio delicado é vital para a sobrevivência de inúmeras espécies, tanto aquáticas quanto terrestres.

Por exemplo, em zonas florestais perto de espaços urbanos, os resíduos domésticos, ao passarem por correntes pluviais – águas não tratadas – podem chegar até às zonas fluviais, onde vários animais, como o ouriço-terrestre ou o esquilo-vermelho, insetos e humanos usufruem dos espaços.

Estes poluentes tóxicos são prejudiciais aos habitats naturais: materiais e compostos de natureza humana podem matar peixes, anfíbios e aves. As bactérias, resultantes de contaminação orgânica e poluentes contaminam e criam doenças graves nos animais e plantas. A presença destes objetos turva as águas e dificulta o progresso natural de vida e o crescimento de novas plantas aquáticas. Inclusive, este excesso de nutrientes multiplica a presença de algas – eutrofização – que durante a decomposição ocupam demasiado espaço e reduzem o oxigénio na água.

Esta conversão de áreas naturais em áreas urbanas e agrícolas tem como consequência a degradação dos ecossistemas e biodiversidade envolvente.

A isto, juntam-se as alterações climáticas, que elevam o grau de imprevisibilidade e dificultam a gestão dos recursos.

É imperativo visar uma regulação transversal, capaz de acompanhar o crescimento da população humana e impulsionar a procura de água doce para consumo e produção agrícola ou industrial.

A Navigator tem especial atenção a estas dinâmicas, cumprindo com minuciosidade e detalhe as regulamentações dos termos de gestão de recursos hídricos. A área florestal ao cuidado é tratada de forma a privilegiar sempre a saúde do ecossistema.

A gestão sustentável dos recursos hídricos é um dos grandes desafios deste século, quer a nível social, quer num prisma de bem-estar coletivo, económico e de desenvolvimento sustentável.

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