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Biomimetismo: quando a biodiversidade inspira a tecnologia

Quando o Homem procura responder a um desafio, encontra muitas vezes inspiração na natureza, confiando nos aperfeiçoamentos resultantes dos mais de quatro mil milhões de anos de evolução. O biomimetismo ajuda a solucionar obstáculos nas áreas do design e da engenharia, mas também de agronomia e geociências e leva-nos a viver de forma mais sustentável, a deslocarmo-nos de forma mais eficiente e até a voar. Conheça aqui dez exemplos vindos dos reinos animal e vegetal.

Partindo da palavra biomimetismo (do grego Bíos, ou vida, e de Mimētikós, imitador), pode dizer-se que na natureza se encontram as respostas a perguntas que vão sendo colocadas pelo ser humano ao longo do tempo. Esta imitação da natureza, compreendendo os processos, apresenta-nos respostas que podem ser adaptadas e utilizadas em disciplinas como a robótica, no desenvolvimento de tecidos, na arquitetura e na criação de novos materiais. A biomimética potencia, assim, a aceleração de importantes inovações nas áreas da medicina, da engenharia ou das ciências biomédicas.

Leonardo da Vinci (1452 – 1519) é considerado o primeiro designer biomimético da história. A sua dedicação ao estudo das aves e da sobreposição das penas, transposto para a máquina voadora a que se dedicou, o ornitóptero, é um bom exemplo disso, buscando inspiração em pássaros, morcegos e insetos, simulando o movimento do bater das asas.

Nestas criações, a função terá papel preponderante sobre a forma, sendo a inspiração o que se busca na fauna e flora. Janine Benyus, autora do livro Biomimicry: Innovation Inspired by Nature, apresenta três eixos distintos desta “imitação”:

. A natureza como modelo, analisando o design e os processos da natureza, bebendo diretamente deles para resolver problemas;

. A natureza como medida, usada como standard para avaliar as inovações, percebendo o que funciona, o que é apropriado e durável;

. A natureza como mentora, olhando-a como base de conhecimento com a qual podemos aprender.

No reino animal, muitos são os exemplos de biomimetismo.

A estrutura intricada de um ninho de ave foi a inspiração para a construção do estádio Nacional de Pequim. Assinado por Herzov & de Meuron, o design filtra a luz solar e proporciona a ventilação, com membranas transparentes de polímero ETFE a preencher a malha de aço.

Já o Pavilhão Quadracci do Museu de Arte de Milwaukee (EUA), desenhado pelo arquiteto Santiago Calatrava, teve como inspiração as suas asas. A estrutura biomórfica abre e fecha durante o dia, fazendo sombra no interior.

Da terra para o ar: também as asas das aves de rapina (águias, grifos, etc.) e as penas longas das extremidades inspiraram as aletas dos aviões. Ao ser estudada a característica, conclui-se que estas penas aumentam a estabilidade ao reduzir a turbulência na ponta da asa, contribuindo para a sustentação e regulando ainda o consumo de energia quando em voo. Pelas mesmas razões, o seu uso em aeronaves reduz o consumo de combustível e aumenta a aerodinâmica, tendo sido as aletas adotadas pela aviação comercial em muitos modelos.

O atual design do comboio-bala japonês, que atinge uma velocidade de 382 quilómetros por hora, foi buscar ao guarda-rios-comum (Alcedo atthis) a solução para um problema: ao sair dos túneis, os protótipos do comboio de alta velocidade produziam uma explosão sonora que podia ser ouvida a grandes distâncias. Um engenheiro dedicado à observação de aves inspirou-se no fantástico mergulho do guarda-rios-comum e de como submerge sem perturbar a água, transpondo-o para o design do comboio. Com esta mudança no design, além de ser minimizado grandemente o som produzido à saída dos túneis, gasta 15% menos de energia e é 10% mais rápido.

Ainda se debate acerca de como formam as abelhas os hexágonos dos seus favos de mel, mas uma coisa é certa: os favos começam por ser redondos, adaptando-se depois ao formato hexagonal. Independentemente do processo, de entre as propriedades dos favos hexagonais contam-se a melhor gestão de espaço com a menor utilização de material (como indicado por Darwin no seu livro A origem das Espécies), regulação de temperatura passiva. É exemplo disso o Sinosteel, um arranha-céus em Tianjin, na China, que usa a estrutura para responder de forma mais sustentável, regulando o calor sem bloquear o sol completamente.

No mar, a pele de tubarão foi a base para a criação de um fato de banho que oferece menos 24% de resistência produzida pela fricção quando comparado ao modelo anterior, feito a partir de um supertecido, o LZR Pulse, com microfibras de nylon e elastano, de alta densidade e que apresenta pequenos sulcos paralelos, tal como a pele do peixe. Porém, depois do sucesso estrondoso (94% dos vencedores usavam o fato de banho feito de LZR Pulse e 92% dos recordes mundiais foram conquistados por nadadores que o usavam) o tecido foi banido desde 2009 pela Federação Internacional de Natação.

Na terra, as térmitas são exímias construtoras, especialista em ventilação. As termiteiras, estruturas que medem entre um a dois metros de altura, usam condutas que se vão estreitando à medida que chegam ao topo e que criam correntes de ar: uma chaminé central ligada a um sistema de condutas em que, durante o dia, o ar aquece e sai, enquanto o ar mais fresco da chaminé central é empurrado para baixo. Ao final do dia, o sistema inverte-se. Desta forma, promovem a circulação do ar e sobrevivem às diferenças térmicas dos seus habitats africanos, com temperaturas altas que, de dia, sobem aos 40 °C, e muito baixas à noite, descendo até 1 °C, mantendo-se uma temperatura constante de 30 °C no seu interior. Este fenómeno é chamado de efeito Venturi e é utilizado no Eastgate Centre, um edifício comercial do Zimbabué que não utiliza ar-condicionado para refrescar ou aquecer o ambiente.

Mas não só a fauna inspira estas criações, também no reino vegetal procuram respostas a muitos desafios.

Por exemplo, o velcro também é fruto do biomimetismo. Patenteado pelo engenheiro suíço Georges de Mestral em 1948, a história da sua invenção é um exemplo simples de como a natureza aguça a inspiração: quando voltava de uma caçada, Mestral reparou que os frutos do carriço (Medicago polymorpha) se agarravam aos pelos do seu cão e à sua própria roupa e decidiu estudar a sua estrutura.

E é da casca do salgueiro (Salix alba) de onde vem a salicina, origem do ácido acetilsalicílico e de um medicamento com fama mundial: a aspirina. O pó amargo extraído da casca destas árvores já tinha sido descrito por Hipócrates no século V a.C., indicado no alívio de dores e febre. Antes disso, também textos antigos egípcios falam na sua ação anti-inflamatória; e os sumérios indicavam-no para doenças reumáticas há quatro mil anos. Em 1950 era perpetuado como record do Guinness e apelidado de analgésico mais vendido do mundo.

Por fim, destacamos o lótus (Nelumbo nucifera) e a sua caraterística distintiva que inspira tecidos – a pureza –, apesar do meio aquático em que vive. A superhidrofobicidade (ou seja, a capacidade superior de repelir água) da planta é-lhe conferida por uma camada de cera na superfície de cada folha, além de sulcos microscópicos. Ao deslizarem, a água forma gostas perfeitas que limpam as folhas. Este “efeito lótus” inspira a criação de tintas, vidros e tecidos autolimpantes que não necessitam de detergente.

Disse Antoni Gaudí que “O grande livro, sempre aberto e que temos de nos esforçar para ler, é o da natureza”. A inspiração vinda da biodiversidade é ilimitada – basta observá-la, compreendê-la e preservá-la.

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