Biohistórias

Águas de Outubro

Espécies pioneiras: um incomensurável valor ecológico

Nem todas as espécies aguardam pelas condições ideais para crescer. Algumas, impacientes, instalam-se em lugares, até então, inabitáveis e dão início ao processo de aparecimento ou regeneração de vida. A estas espécies chamamos espécies pioneiras.

Antes, porém, importa compreender o processo natural no qual estão inseridas: a sucessão ecológica.

Sucessão ecológica: a renovação da vida

Os ecossistemas encontram-se numa busca constante por equilíbrio dinâmico. Quando um habitat sofre alterações, fruto, por exemplo, de um incêndio, desflorestação, inundação, entre outros, ocorrem mudanças graduais nas espécies que nele habitam.

À sequência de comunidades de seres vivos que se substituem ao longo do tempo num determinado habitat, dá-se o nome de sucessão ecológica. Este é um processo colaborativo, iniciado por simples formas de vida, quase invisíveis, que se apresentam como verdadeiros alicerces do ecossistema que virá a desenvolver-se.

A sucessão ecológica é constituída por três fases distintas: comunidade pioneira, comunidade intermédia e comunidade clímax.

Comunidade pioneira

Corresponde ao conjunto das primeiras espécies, leia-se espécies pioneiras, a instalar-se num ambiente inóspito. Falamos de organismos resistentes a condições adversas, capazes de sobreviver e prosperar em solos pobres, perante a escassez de matéria orgânica e temperaturas extremas.

Um exemplo clássico destes organismos são os líquenes, cuja associação entre fungo e alga permite decompor rochas e, assim, criar as primeiras camadas de solo, abrindo portas à fixação e crescimento de musgo e ervas.

Estas espécies são indispensáveis para enriquecer o meio em que se inserem com matéria orgânica, possibilitando, assim, o desenvolvimento de comunidades gradualmente mais complexas e diversificadas.

Comunidade intermédia

Com a melhoria progressiva das condições ambientais, dá-se o aparecimento de arbustos e plantas de maior porte, seguidos por animais herbívoros e, posteriormente, predadores. Ao longo do tempo, a biodiversidade e as relações ecológicas tornam-se mais complexas e o equilíbrio do ecossistema é consolidado.

Comunidade clímax

É o estágio de maturidade ecológica. Um ecossistema, agora rico em diversidade e estabilidade, onde fluxos de energia e ciclos de vida atingem um equilíbrio.

Para além das suas três fases, existem, também, dois tipos de sucessão ecológica: primária e secundária.

Sucessão primária – desenvolve-se em áreas nunca antes ocupadas por comunidades vivas, como superfícies de lava solidificada, dunas ou rochas nuas.

Sucessão secundária – ocorre em locais onde já existiu vida, mas que sofreram uma perturbação, como incêndios ou desflorestação.

A sucessão secundária tende a ser mais frequente e, também, a desenvolver-se de forma mais célere, uma vez que o solo e parte da biota poderão ter sobrevivido ao distúrbio.

Espécies pioneiras: os primeiros habitantes

Como já mencionado, damos o nome de espécies pioneiras àquelas que iniciam a colonização de uma região inóspita em sucessão primária ou secundária, onde a maioria dos seres vivos não conseguiria sobreviver. Estas espécies pautam-se pela sua resistência a fatores abióticos e pela capacidade de iniciar a transformação do meio, criando as bases para a chegada de novas formas de vida.

O papel destas espécies vai muito além de “chegar primeiro”. Ao instalarem-se, elas modificam o ambiente, fixando nutrientes, criando sombras, retendo a humidade e reduzindo a erosão. Desta forma, abrem caminho a espécies mais exigentes, que por si só não sobreviveriam em ambientes tão hostis.

Apesar de certos microrganismos poderem, também, ser reconhecidos como espécies pioneiras, o termo é, frequentemente, associado a plantas. Como tal, iremos concentrar-nos, maioritariamente, nesse grupo de seres vivos.

Características das plantas pioneiras

As plantas pioneiras não são necessariamente pequenas ou frágeis. Não obstante a existência de um número elevado de espécies com estas características morfológicas, existem arbustos ou mesmo árvores que também exercem esta função.

O que as define não é, portanto, o tamanho, mas sim a capacidade de se adaptar e resistir a ambientes inóspitos. Para que consigam prosperar em tais condições, partilham um conjunto de estratégias adaptativas, entre as quais:

– Rapidez de crescimento, que permite o aproveitamento de janelas muito curtas de oportunidade;

– Reprodução acelerada e eficaz, com uma produção abundante de sementes;

– Dispersão eficiente, frequentemente pela “mão” do vento;

– Elevada tolerância a condições hostis.

Estas características também são comuns a certas espécies invasoras, tornando-as, ao mesmo tempo, espécies pioneiras nos seus habitats de origem.

Exemplos de espécies pioneiras

Sistemas dunares – Uma sucessão primária

 As dunas caracterizam-se pela sua instabilidade e salinidade elevadas. As espécies pioneiras enfrentam, neste ambiente, condições de vento agrestes e escassez de nutrientes. A sua principal missão – should they choose to accept it – é a de estabilizar as areias e criar condições para a sucessão vegetal.

O estorno (Ammophila arenaria) devido às suas raízes profundas e caules flexíveis, demonstra-se hábil na fixação de dunas primárias e na criação de micro-habitats para novas espécies, uma vez que tem a capacidade de formar tufos que servirão de base para espécies porvindouras.

Já o cordeiro-da-praia (Otanthus maritimus), o cravo-das-areias (Armeria maritima) ou a camarinha (Corema album), estabilizam areias interiores e abrem portas ao aumento da biodiversidade.

Áreas pós-incêndio – Uma sucessão secundária

 Após um incêndio, o solo fica exposto e vulnerável à erosão. As espécies pioneiras, como as três principais espécies florestais portuguesas (pinheiro-bravo, sobreiro e azinheira) revelam-se fundamentais para a rápida regeneração do solo e restabelecimento do ecossistema.

O pinheiro-bravo (Pinus pinaster) “utiliza” o calor para facilitar a libertação das suas sementes que, ao germinar e crescer, proporcionam sombra para novas espécies. O sobreiro (Quercus suber), graças à sua cortiça espessa, resiste ao fogo e contribui para a recuperação do solo degradado.

Plantas como o rosmaninho (Lavandula stoechas) e a carqueja (Pterospartum tridentatum) tendem a surgir no pós-incêndio, uma vez que detêm a capacidade de suportar a seca do solo e a elevada temperatura, ocupando, assim, rapidamente, o terreno queimado e desocupado.

Certas herbáceas, como, por exemplo, o trevo-subterrâneo (Trifolium subterraneum) também facilitam a cobertura do solo exposto, prevenindo a erosão e melhorando a sua fertilidade.

O valor ecológico das Espécies Pioneiras

As espécies pioneiras são agentes de transformação ecológica. Ao estabilizarem o solo, acumularem matéria orgânica, criarem sombra e reterem água, preparam o terreno para a sucessão de vida e para espécies que requerem condições mais exigentes.

As suas raízes profundas e/ou ramificadas aumentam a coesão do solo e, quando se decompõem, enriquecem-no com nutrientes que melhora drasticamente a sua fertilidade. Além disso, ajudam a moderar temperaturas extremas e a aumentar a humidade ambiental, tornando o habitat mais hospitaleiro.

Por atraírem insetos, aves e mamíferos, promovem também a dispersão de sementes e a polinização, acelerando o processo de regeneração natural.

Em suma, as espécies pioneiras são os alicerces da restauração ecológica, as “primeiras a chegar” e as responsáveis por tornar possível o aparecimento ou o retorno de vida.

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