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Florestas no coração da bioeconomia circular

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De que falamos quando falamos em bioeconomia circular? E qual o papel da floresta para a economia portuguesa? Como se interligam? Vamos fazer as conexões entre estas e outras questões que se tornam cada vez mais relevantes para o cumprimento do Pacto Ecológico Europeu.

Os valores que nos indicam em que patamar do objetivo português de atingir a neutralidade carbónica até 2050 chegam-nos de um o relatório de 2020, “Bioeconomia Circular e Digital”, produzido pela COTEC Portugal e pela Universidade Católica. Os dados mostram que, tanto a economia circular quanto a bioeconomia nacional estão a dar os seus primeiros passos: correspondem, respetivamente, a 4,2% (7 mil milhões de euros) e a 7% (12 mil milhões de euros) do valor acrescentado bruto do nosso país.

Conhecer estes valores traz-nos boas e más notícias: se, por um lado, os valores estão longe da meta da União Europeia, por outro, se confrontados com os dados da média europeia (3,45% e 4,9%), estes números, longe de se afirmarem uma vitória do tão apetecido modelo circular de baixo carbono, como avançado pela Comissão Europeia através do seu Pacto Ecológico Europeu, revelam-se melhores.

Mais uma vez, e apesar do seu pouco peso na economia portuguesa, é importante referir-se que economia circular e bioeconomia têm mostrado uma expansão contínua em valor acrescentado, de negócios e produtividade, que deverá acelerar, muito graças aos novos biomateriais e bioprodutos de origem florestal, de que falaremos ao longo deste artigo.

Bioeconomia circular: o que significa?

Comecemos pelo início: no modelo de economia linear tradicional, algo é produzido, utilizado e descartado. Na economia circular, a reutilização, a reparação e a reciclagem são adicionados a este modelo de produção e consumo. Na bioeconomia, utilizam-se matérias-primas renováveis e de origem não-fóssil (recursos d​a terra e do mar, tais como as culturas agrícolas, as florestas, os animais e os microrganismos) para desenvolver, produzir e comercializar os chamados bioprodutos – sejam alimentos, materiais ou energia.

Por fim, na bioeconomia circular aliam-se os conceitos económicos de bioeconomia e de economia circular. Neste modelo, utiliza-se as matérias-primas naturais e renováveis, de origem não-fóssil, ininterruptamente, reutilizando-se e transformando-se continuamente os recursos naturais de forma inteligente. Tal como acontece nos ecossistemas, nada é perdido e tudo se transforma, se reabsorve e se recicla.

Falamos, claro, da transformação dos resíduos em subprodutos ou outros materiais reutilizáveis, recuperáveis ou recicláveis, com uma utilização eficaz de todos os recursos disponíveis, como a madeira, a biomassa e os produtos florestais não lenhosos. Estes recursos da natureza são reaproveitados noutros produtos de utilidade. De entre as suas muitas vantagens contam-se:

  • A redução do uso excessivo dos recursos naturais;
  • A geração de empregos e o aumento do valor económico dos recursos, produtos e serviços provenientes das florestas;
  • O favorecimento de práticas florestais sustentáveis e a promoção da certificação das florestas, bem como a melhoria dos rendimentos das áreas rurais;
  • A redução da dependência de combustíveis fósseis e a diminuição da emissão de gases que contribuem para o aquecimento global;
  • A expansão da produção de energia renovável, aproveitando-se os recursos naturais de forma mais limpa e sustentável.

Floresta em debate

A floresta, ocupando 35,4% da área de Portugal, é um dos setores mais circulares que existem. A convicção é do diretor-geral do Raiz – Instituto de Investigação da Floresta e Papel, Carlos Pascoal Neto, partilhada no debate “Vamos discutir a Floresta?”, organizado pela The Navigator Company em parceria com o Expresso no passado mês de março de 2025. É por isto que sempre que o tema central é a florestal, e sobretudo a plantada, é mandatório que se fale em sustentabilidade e em gestão ativa. Assim garante-se o potencial da bioeconomia circular, com benefícios para o ambiente e para a biodiversidade que alberga, para a sociedade, ajudando a fixar a população, e para a economia, com o desenvolvimento de bioprodutos nascidos da inovação.

Esta mesma ideia foi reforçada pela professora do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Maria José Roxo, ao afirmar que “existe uma necessidade urgente de adotar um modelo económico sustentável que equilibre o valor económico com a preservação ambiental, garantindo um futuro mais harmonioso para a floresta portuguesa”.

Para o professor do ISA-UL, Francisco Gomes da Silva, “a floresta será também um elemento-chave na transição climática e na bioeconomia”, já que o “sector tem capacidade para contribuir para a substituição de materiais de origem fóssil, desenvolver produtos inovadores e reforçar a economia circular”.

Os bioprodutos de origem florestal, com aplicações da indústria energética ou têxtil, terão papel de destaque neste esforço de abandonar a economia linear fóssil e abraçar a bioeconomia circular. Falamos de subprodutos como embalagens, biocombustível, nutracêuticos, cosméticos ou mesmo aditivos alimentares, com uma forte contribuição do Inpactus, um programa de I&D para o desenvolvimento fruto de um consórcio constituído pela The Navigator Paper Figueira da Foz, Cacia, RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel, Universidade de Coimbra e Universidade de Aveiro. Deste programa saíram, até agora, 37 patentes, já submetidas ou em preparação, em que se incluem 66 protótipos e 114 provas de conceito.

E qual o seu verdadeiro peso na economia, atualmente? Um relatório sobre bioeconomia sustentável do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral de 2020, baseado em dados do Joint Research Centre da Comissão Europeia, relativos a 2017, avança que a bioeconomia representa um volume de negócios de 41 mil milhões de euros, isto é, 11,7 mil milhões de valor acrescentado, e emprega 685 mil pessoas.

O setor das Florestas, apenas ultrapassado pelo setor da Agricultura e Pecuária, alavancado pela indústria das fileiras florestais, produz 24% do volume de negócios da bioeconomia – 9,8 mil milhões de euros – e 11% do emprego, ou cerca de 76,5 mil postos de trabalho.

Se percorrido este caminho em direção a uma economia sustentável, contas da União Europeia indicam que as empresas europeias poupariam 600 mil milhões de euros e criar-se-iam 580 mil novos empregos. Além destes benefícios, um outro: o pacote da economia circular aponta para uma diminuição de 450 milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono já em 2030.

Os próximos passos em direção à bioeconomia circular deverão começar com o repensar o território português e as suas particularidades, intensificando a gestão do território e impulsionando a produtividade, respeitando-se a biodiversidade. Se não se desperdiçar o melhor recurso natural que temos, a floresta, é bem possível que Portugal encabece a lista de países europeus na liderança desta transição.

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