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“Inimigos” naturais: aliados no combate às pragas florestais

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À medida que as pressões sobre as florestas aumentam, cresce também a procura por soluções sustentáveis para proteger os ecossistemas. O controlo biológico está a ganhar terreno em Portugal. Venha saber mais.

Cada vez mais, a floresta conta com aliados silenciosos, mas poderosos, os inimigos naturais das pragas. Estes organismos como insetos predadores, parasitóides ou microrganismos, ajudam a controlar, de forma natural, espécies que ameaçam a saúde das árvores.

O controlo biológico respeita os equilíbrios dos ecossistemas e evita impactos negativos no solo, na água e na biodiversidade. É uma solução de longo prazo, já aplicada em florestas de coníferas, folhosas e plantações, e que ganha ainda mais relevância face às alterações climáticas e à proliferação de espécies invasoras.

Esta abordagem, que alia a ciência à conservação, tem sido aplicada de forma crescente em várias espécies florestais com relevância ecológica e económica. Até ao final de 2010, tinham sido introduzidas 2 384 espécies de inimigos naturais em todo o mundo para o controlo biológico de pragas de insetos, o que resultou no controlo bem-sucedido de 172 das 588 pragas visadas.

As pragas invasoras em ecossistemas florestais, em particular, têm sido uma prioridade para o controlo biológico, em parte porque os métodos de gestão utilizados na agricultura nem sempre são adequados para aplicação em ambientes florestais.

Em Portugal, este tipo de controlo tem ganho importância especialmente desde os anos 90, nas plantações de eucalipto, que representam uma parcela significativa da floresta nacional, sobretudo no centro e norte do país. A suscetibilidade do eucalipto a pragas, como o gorgulho-do-eucalipto (Gonipterus platensis) tem causado preocupação. Mas a introdução do parasitóide Anaphes nitens, iniciativa pioneira, tem permitido mitigar os efeitos desta praga.

Mais recentemente, com o apoio de instituições como o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e centros de investigação como o RAÍZ, têm sido promovidas práticas de silvicultura mais sustentáveis, integrando o controlo biológico com técnicas de gestão florestal que favorecem o equilíbrio ecológico, como a diversificação de espécies e a conservação de habitats naturais.

O controlo biológico tem também sido utilizado no castanheiro (Castanea sativa), essencial para a economia de várias regiões do país. A vespa-das-galhas-do-castanheiro (Dryocosmus kuriphilus), praga invasora detetada em Portugal em 2014, tem sido combatida com sucesso desde 2015 através da largada do parasitóide Torymus sinensis. Esta vespa benéfica ataca as larvas da praga, contribuindo para a recuperação dos soutos sem recurso a pesticidas.

Em relação às espécies invasoras, como a acácia (Acacia spp.), que compromete a regeneração de ecossistemas nativos, o enfoque tem sido predominantemente ecológico, com ações de erradicação e recuperação do coberto vegetal autóctone. No entanto, em Portugal, já existem estudos em curso com algumas espécies. Um exemplo é a vespa australiana Trichilogaster acaciaelongifoliae, investigada como possível agente de controlo. Os ensaios em quarentena revelaram bons resultados quanto à sua especificidade, o que levou à submissão de um pedido de autorização para a sua introdução no ambiente. Atualmente, este pequeno inseto já está plenamente estabelecido em grande parte do nosso país, sendo o seu sucesso de dispersão comprovado por programas de monitorização.

Nos pinhais portugueses, uma das maiores ameaças é a lagarta-do-pinheiro (Thaumetopoea pityocampa), que causa a desfolha das árvores. Pelo perigo que a espécie representa, é necessário erradica-la e há várias formas de a combater, dependendo da fase do ciclo de vida em que se encontre e a sua localização: armadilhas iscadas, tratamento microbiológico lançado de avião, inseticidas ou mesmo a destruição dos ninhos são algumas das soluções.

Eucaliptos sob pressão: o desafio do gorgulho

Em Portugal, uma das maiores preocupações recai sobre o gorgulho-do-eucalipto (Gonipterus platensis), uma praga que afeta o crescimento dos eucaliptos e causa prejuízos significativos ao setor florestal.

Durante anos, a vespa Anaphes nitens foi a principal ferramenta biológica usada para travar esta praga, atacando os seus ovos. No entanto, a sua eficácia revelou-se insuficiente em algumas regiões do país.

Face às limitações do controlo existente, o RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel, detido pela The Navigator Company, iniciou, em 2008, um esforço pioneiro de prospeção na Austrália, país de origem do gorgulho e, por conseguinte, dos seus inimigos naturais. Foi lá que encontraram um novo aliado: a mosca Anagonia lasiophthalma, que ataca as larvas da praga.

Antes de qualquer ensaio em campo, foram conduzidos vários anos de investigação laboratorial, com especial enfoque nos estudos de especificidade hospedeira. Estes estudos permitiram confirmar que a Anagonia atua exclusivamente sobre o gorgulho, sem afetar outras espécies, o que foi determinante para a submissão do pedido de autorização ao ICNF.

Em 2023, com a respetiva autorização concedida, realizaram-se as primeiras libertações controladas. Posteriormente, no âmbito de uma colaboração com a Altri Florestal e o Instituto Superior de Agronomia, ocorreram largadas adicionais, envolvendo cerca de 1400 moscas adultas. Os dados de eficácia em campo ainda estão a ser recolhidos.

Outra praga emergente que tem vindo a preocupar os gestores florestais é a traquimela (Trachymela sloanei), detetada em Portugal em 2019. Perante a ausência de inimigos naturais identificados no país, o RAIZ, em colaboração com a Altri Florestal e instituições académicas, iniciou um programa de prospeção na Austrália, com o objetivo de identificar potenciais agentes de controlo biológico específicos para esta praga.

Proteção integrada: uma abordagem sustentável

Todas estas ações fazem parte de uma estratégia de gestão integrada de pragas, que combina várias práticas sustentáveis:

  • Utilização de inimigos naturais específicos (controlo biológico);
  • Monitorização contínua das plantações;
  • Seleção de árvores geneticamente mais resistentes;
  • Redução do uso de pesticidas.

O RAIZ tem estado na linha da frente desta abordagem, com forte investimento em investigação aplicada. Um bom exemplo é o projeto Inpactus, que envolveu universidades, centros de I&D e empresas florestais, e resultou em dezenas de patentes e novas soluções de valorização do eucalipto — sempre com a sustentabilidade como prioridade.

O sucesso do controlo biológico depende da colaboração entre todos: investigadores, produtores, entidades públicas e privadas. Quando ciência, inovação e boas práticas se juntam, é possível garantir florestas mais resilientes, produtivas e ricas em biodiversidade, hoje e no futuro.

Sabia que…

  • controlo biológico não elimina, equilibra
    Ao contrário dos pesticidas, que visam exterminar a praga, o objetivo dos inimigos naturais é reduzir a população da praga a níveis sustentáveis, mantendo o equilíbrio natural do ecossistema.
  • O parasitismo é uma relação ecológica entre espécies diferentes, em que um organismo – o parasita – retira benefícios do hospedeiro, prejudicando-o sem, no entanto, o matar de imediato. Este tipo de interação reduz a saúde ou a capacidade de sobrevivência do hospedeiro. Quando o parasita acaba por levar à morte do hospedeiro, a relação passa a designar-se por parasitoidismo. Os parasitoides distinguem-se por terem ciclos de vida curtos, elevada capacidade reprodutiva e uma forte especialização em relação ao seu hospedeiro.
  • Existem vírus e fungos que também são inimigos naturais
    Além de insetos, há agentes patogénicos — como fungos, vírus e bactérias — que atuam como inimigos naturais e são usados em algumas florestas para controlar pragas, de forma altamente específica.
  • Portugal é um dos países europeus com programas ativos de introdução controlada de inimigos naturais em florestas comerciais
    Projetos como os do RAIZ colocam Portugal na vanguarda da aplicação prática do controlo biológico em plantações de grande escala, como os eucaliptais.
  • Aves também são aliadas no controlo de pragas. A The Navigator Company tem promovido a instalação de caixas-ninho para aves insectívoras, como o chapim, a carriça e a trepadeira-azul, nas suas propriedades florestais. Estas aves ajudam no controlo natural de pragas, como a cobrilha (praga do sobreiro), contribuindo para a saúde das florestas. ​

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