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Santuários de Aves: um compromisso com o futuro dos céus

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Foi com este espírito que nasceu a Rede Nacional de Santuários de Aves, uma iniciativa da SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, e que pretende muito mais do que conservar. Quer recuperar, agir e transformar. Venha conhecer este desafiante, mas promissor, projeto.

“Santuário”, palavra que evoca paz, proteção e abrigo. Um espaço sagrado onde a vida pode acontecer sem medo. É isso mesmo que a SPEA — Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, está a construir: uma rede de refúgios para as aves, onde o silêncio da extinção dá lugar ao canto da esperança.

A Rede Nacional de Santuários para Aves foi lançada pela SPEA com um objetivo claro: travar o declínio dramático de muitas espécies de aves em Portugal. Mais do que um projeto de conservação, esta rede é um apelo à ação coletiva, onde cada propriedade privada se pode transformar num verdadeiro refúgio para a biodiversidade.

Peneireiro-vulgar em voo, de frente para a câmara, com asas abertas.

Uma rede que começou como semente

A ideia era simples: “Começar devagar, com cinco ou dez santuários no primeiro ano. Mas o entusiasmo foi tal que recebemos mais de 90 candidaturas.”, explica Rui Borralho, diretor-executivo da SPEA. Após um processo de seleção rigoroso, 76 propriedades foram escolhidas por apresentarem alto potencial ecológico. Para já, 46 já têm financiamento assegurado e estão a avançar no terreno. As restantes 30 aguardam apoio para integrarem a rede.

E há mais: 30 propriedades aprovadas aguardam financiamento, prontas para entrar na Rede assim que os fundos o permitirem. Com um total de cerca de 10 mil hectares, os santuários estão espalhados por todo o país, com exceção da Madeira, e a vontade é que este número cresça ainda mais.

“É muito encorajador ver este interesse. Isso entusiasma-nos muito, mas também nos traz responsabilidade acrescida. Precisamos de garantir que cada santuário é um espaço eficaz de proteção e regeneração”, sublinha Rui Borralho.

Os trabalhos já arrancaram na primavera e uma das primeiras entidades a aceitar o desafio foi a The Navigator Company, mentora do projeto Biodiversidade, integrando o projeto com duas das suas propriedades: a Herdade de Espirra, em Pegões, e Alfebrinho, uma área de 316 hectares em Alcácer do Sal.

Uma escolha natural

A The Navigator Company é um dos maiores gestores rurais de Portugal, com práticas alinhadas com a certificação da gestão florestal e uma estratégia clara de impacto positivo nos ecossistemas.

Depois de uma visita à Herdade de Espirra, na zona de Pegões (Setúbal), a possibilidade de integrar aquela área na futura Rede Nacional de Santuários de Aves surgiu de forma natural. “Ficámos muito bem impressionados com a diversidade de avifauna existente, fruto das condições já criadas”, conta o diretor-executivo da SPEA. “É uma das maiores propriedades da Rede, com 1690 hectares e uma grande diversidade de habitats, o que a torna muito interessante do ponto de vista da conservação”, acrescenta.

“A Herdade de Espirra já funcionava como um santuário antes de o ser formalmente. Identificámos ali 118 espécies de aves. Com a instalação de caixas-ninho e sementeiras para insetos e aves, notámos um aumento tanto no número como na diversidade de aves”, refere o responsável pela conservação da biodiversidade na Navigator, Nuno Rico. “Ao integrar a Rede, passamos a medir o impacto destas medidas com rigor e, se forem eficazes, replicaremos noutras áreas sob a nossa gestão.”

Para Rui Borralho, esta parceria é exemplar: “São profissionais em gestão florestal, com grande capacidade de intervenção. É excelente podermos contar com esta colaboração, não só pelo que significa em escala, mas pelo compromisso com a biodiversidade.”

Além de Espirra, a Navigator integrou na Rede Nacional de Santuários de Aves uma outra propriedade, em Alcácer do Sal, com 316 hectares de montado e eucaliptal. Embora ainda não tenha tantas medidas implementadas, o seu potencial é elevado.

“Pela diversidade de habitats e pela localização, faz todo o sentido incluí-la neste projeto”, afirma Nuno Rico. “É uma forma de alinharmos a gestão do território com a nossa estratégia: gerar impacto positivo nos ecossistemas, conciliando os objetivos produtivos com a conservação da biodiversidade.”

Nas propriedades geridas pela empresa, os técnicos da SPEA já deram início às primeiras contagens de aves, para avaliar o estado inicial da avifauna e desenhar planos de gestão futuros.

Mocho-galego pousado num tronco com expressão penetrante.

Trabalhar no terreno: onde o santuário se constrói

O projeto não se limita à criação de zonas protegidas. As equipas da SPEA fazem um trabalho profundo de monitorização e gestão personalizada. “Começámos por identificar e recensear as populações de aves diurnas e noturnas em cada local, avaliando o uso do solo e as atividades humanas”, explica Rui Borralho. A partir daí, em articulação com os proprietários, são elaborados planos de gestão adaptados, com medidas concretas de restauro ecológico.

Entre as medidas em curso estão a criação de charcos e pontos de água, a substituição de plantas invasoras por vegetação nativa, a instalação de caixas-ninho e até a sementeira de culturas que sirvam de alimento à fauna selvagem. São pequenos gestos com grande impacto, pensados para devolver às aves as condições que a pressão humana lhes tem vindo a roubar.

E os números não mentem: só a andorinha-das-chaminés perdeu 40% da sua população em duas décadas. Espécies tão familiares como o cuco, o mocho-galego, o peneireiro ou o pardal também estão em forte regressão. “Estamos a perder o que era comum. E quando isso acontece, temos de parar e agir”, alerta Rui Borralho.

Um esforço de todos e para todos

Este projeto da SPEA é inovador por confiar que a solução pode vir da união entre ciência, comunidade civil e iniciativa privada. Mais do que criar reservas naturais isoladas, o objetivo é tecer uma malha viva de territórios onde a natureza volta a respirar. É por isso que se chama Rede de Santuários: porque cada pedaço de terra pode tornar-se num refúgio, num abrigo, numa promessa de continuidade.

E há espaço para todos. Mesmo quem não possui terrenos pode contribuir com donativos ou apoiando a divulgação da iniciativa. O que está em causa é mais do que salvar aves, é preservar o equilíbrio dos ecossistemas e garantir que as gerações futuras ainda possam ouvir o chilrear de uma ave ao amanhecer.

“Num contexto de declínio de um grande número de espécies, incluindo muitas consideradas comuns, é indispensável envolver as pessoas diretamente na conservação da Natureza, e das aves em particular”, afirma Rui Borralho.

Se a palavra santuário lhe diz algo, se acredita que o mundo precisa de mais lugares onde a vida seja protegida, este é um convite para fazer parte desta rede. Porque cada santuário começa com um pequeno gesto: o de cuidar.

Mais informações e formas de participar em:
👉 www.santuarios.spea.pt

Cuco-comum empoleirado num galho, com plumagem riscada e olhar atento.

Sabia que…

  • Uma simples caixa-ninho pode salvar vidas
    Uma caixa-ninho bem colocada pode aumentar drasticamente o sucesso reprodutor de algumas aves. Mocho-galego, chapins, peneireiros e andorinhões são algumas das espécies que tiram partido destas estruturas, especialmente em áreas onde os habitats naturais foram alterados.
  • Os santuários também ajudam outras espécies, além das aves
    Embora o foco da Rede sejam as aves, as ações de restauro ecológico beneficiam toda a cadeia alimentar: insetos, anfíbios, pequenos mamíferos e até plantas nativas. Ao criar charcos, semear culturas silvestres ou remover espécies invasoras, todo o ecossistema é regenerado e o impacto vai muito além do visível.

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