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Conservação

À descoberta dos cogumelos na Quinta de São Francisco

Abrigadas pela sombra das copas, entre a folhagem que se acumula no chão e mesmo em troncos mortos, há mais de 50 espécies de cogumelos na Quinta de São Francisco. Descubra algumas destas maravilhas micológicas, umas venenosas, outras comestíveis e outras ainda de aspeto, no mínimo, peculiar.

A Quinta de São Francisco, nas redondezas de Aveiro, serve de refúgio a inúmeros seres curiosos, incluindo meia centena de espécies de cogumelos silvestres, cada uma com as suas cores, formatos e características únicas.

“Já fotografámos e observámos cerca de 50 espécies. Embora nem todas estejam ainda devidamente identificadas, esta variedade ilustra bem a biodiversidade de macrofungos que aqui existe”, refere João Ezequiel, curador deste importante espaço de conservação da The Navigator Company, que acrescenta: “conhecer e dar a conhecer estas espécies ajuda-nos a sensibilizar para o papel fundamental dos cogumelos nos ecossistemas florestais”.

A maioria dos cogumelos na Quinta de São Francisco pode ser vista após as primeiras chuvas, a partir do outono e durante o inverno, porque é com mais humidade que muitas destas maravilhas micológicas se mostram, “embora permaneçam aqui durante todo o ano, invisíveis aos olhos”.

Tal como os icebergues, a parte visível dos cogumelos é apenas uma pequena fração destes misteriosos organismos. Debaixo do solo, estendem-se finos filamentos (chamados hifas) que formam intrincadas redes (micélio) e podem atingir vários quilómetros (como se de raízes se tratassem). O que observamos sobre o solo são apenas as extremidades reprodutoras destas criaturas: frutificações (estruturas com funções semelhantes às dos frutos das plantas) e fontes dos esporos (células reprodutivas).

Assim, quando observamos aglomerados de cogumelos da mesma espécie, eles estão ligados entre si por esta rede subterrânea e pertencem, frequentemente, ao mesmo organismo. É este o caso dos chamados anéis de fada, misteriosas formações circulares compostas por cogumelos que, na mitologia irlandesa, se acreditava criarem portais mágicos.

O mais espetacular aglomerado de cogumelos na Quinta de São Francisco

De todos os aglomerados de cogumelos na Quinta de São Francisco, o anel de fada da espécie Clitocybe nebularis é, sem dúvida, o mais espetacular: esta formação foi aumentando de dimensão ao longo do tempo, contanto em 2022 com mais de 100 cogumelos que formam um círculo com mais de 10 metros de diâmetro. A melhor época para o admirar é durante o final de outono e inverno.

Com um chapéu claro, que é convexo nos cogumelos jovens, tornando-se mais liso ou afunilado com a idade, esta espécie é reconhecível pelo seu odor, considerado pouco agradável. Há quem os coma depois de muito bem cozinhados, mas para muitos a experiência não é a melhor e acarreta problemas gastrintestinais.

Geralmente, os anéis de fada são constituídos por espécies de cogumelos saprófitas, cujas frutificações surgem na zona mais recente do micélio, com crescimento em círculo. A designação “saprófita” é uma das três em que se classificam os cogumelos consoante o substrato onde se fixam. Os saprófitos são os que vivem sobre matéria orgânica em decomposição: folhas, ramos e troncos mortos, cadáveres e excrementos. As outras duas classificações designam as espécies parasitas e as micorrízicas.

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Cogumelo-do-mel: um parasita

Os parasitas são os que se alimentam dos nutrientes que absorvem dos seus hospedeiros (plantas e animais) e também eles se podem encontrar entre os cogumelos da Quinta de São Francisco.

O cogumelo-do-mel (Armillaria mellea) é um deles. Pode ser visto principalmente no outono e inverno, também em aglomerados, sendo reconhecível pelo seu chapéu dourado (cor de mel), que pode variar entre 5 e 15 centímetros de diâmetro. A sua forma pode ter também algumas variações: mais convexa ou plana e com diferentes ondulações.

Este cogumelo costuma parasitar várias espécies de carvalhos e também pinheiros, causando podridão das suas raízes. Apesar de ser descrito como comestível em alguns manuais sobre cogumelos, há registos de intoxicações, pelo que o seu consumo é de evitar.

O cogumelo-do-mel tem entre as suas particularidades o facto de o seu micélio emitir luz (bioluminescente).

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Uma espécie micorrízica tão atraente quanto tóxica

Entre os mais belos cogumelos na Quinta de São Francisco, encontramos também várias espécies micorrizicas, como é o caso do mata-bois (Amanita muscaria), cujo nome vulgar já denuncia os seus perigos. Este colorido cogumelo, de chapéu vermelho com pintas brancas, lembra os desenhos das histórias infantis, mas é tão apelativo quanto venenoso.

Este Amanita surge associado, especialmente, a matos, sobreirais, azinhais e eucaliptais, e podemos descobri-lo principalmente no final do verão e outono. Também ele pode formar anéis-de-fada.

Esta é apenas uma das espécies tóxicas que vivem nesta Quinta. A acompanhá-las estão, também, a Amanita gemmata e a Hypholoma fasciculare. A primeira é mortalmente venenosa, enquanto a última, embora menos nociva, tem um cheiro tão pouco agradável que poucos se sentem tentados a saboreá-la.

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Dos comestíveis aos bizarros…

Nesta viagem de descoberta pelos cogumelos da Quinta de São Francisco, João Ezequiel guia-nos ainda por um conjunto de espécies comestíveis, bizarras e por algumas que juntam ambos os epítetos:

  • Entre as espécies de cogumelos comestíveis está o pé-violeta (Lepista nuda). O seu nome comum deve-se às tonalidades arroxeadas do seu chapéu, e a espécie apresenta a vantagem de frutificar durante quase todo o ano. O seu aroma pode ser considerado demasiado intenso, mas não estão indicados riscos quando se consome bem cozinhado.
  • Também comestível é o boleto-baio (Xarocomuns badius). Com um chapéu acastanhado, a sua carne esbranquiçada torna-se azul quando é cortada, mas volta depois ao tom inicial. Tem um cheiro frutado, um suave sabor adocicado e surge em inúmeras receitas culinárias, salteado ou panado, por exemplo.
  • A Quinta de São Francisco é também esconderijo para várias espécies de aparência bizarra. O mais estranho é a gaiola-de-bruxa (Clathrus ruber), uma espécie pouco frequente em Portugal, de tons encarniçados e um formato que lembra uma jaula. Já o encarnado Aseroe rubra, também conhecido como anémona ou estrela-do-mar, tem como elemento mais bizarro o seu cheiro a carne em decomposição. Mais comum em climas tropicais, conseguiu “vingar” entre os cogumelos da Quinta de São Francisco.
  • Menos assustador, mas igualmente invulgar é o Clavulinopsis corniculata. Se virmos um isolado, a sua forma lembra as hastes de um veado. Em aglomerados perde-se esta noção e dá ideia de que estamos perante um coral amarelo-alaranjado. Igualmente curiosos, são os trametes (Trametes versicolor), que vemos na foto de topo, e a galinha-do-bosque (Laetiporus sulphureus), ambos parasitas em forma de leque. Este último pode comer-se na fase mais precoce de desenvolvimento.
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