Na vastidão da flora portuguesa há uma planta que se destaca pela sua beleza singular: a camarinha (Corema album). Comum em certas regiões costeiras de Portugal, a camarinha é uma espécie única e fascinante, com uma história cultural rica, características botânicas distintas e um papel vital nos ecossistemas costeiros de Portugal.
A camarinha (Corema album), da família das Ericaceae, é uma joia rara nas paisagens litorais. Apelidada de tesouro português pelo naturalista Andrada e Silva em 1815 e de fitomonumento pelo professor da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora, Carlos Pinto Gomes, estamos perante uma espécie cujo potencial absoluto é ainda desconhecido.
Arbusto de folha duradoura, a camarinha é presença frequente em sistemas dunares e arribas rochosas, pinhais e zimbrais. De estrutura é compacta, as suas folhas são delicadas, mas resistentes a altas temperaturas, estreitas e verde-escuras, dispondo-se em espiral ao longo dos ramos.
É um endemismo do ocidente ibérico e da Macaronésia, nomeadamente dos Açores, em que a população pertence à subespécie Corema álbum subsp. azoricum e ocorre nas ilhas de S. Miguel, Pico, Faial, S. Jorge e Graciosa. Na Península Ibérica, os camarinhais ocorrem nas regiões costeiras do Sudoeste. Em Portugal continental, podem ser observados por toda a faixa litoral, especialmente na zona entre a Nazaré e Ovar e entre Sines e Troia. A espécie adapta-se a solos arenosos e pobres, resistentes a condições extremas e à escassez de água, sendo frequentemente encontrada em dunas, arribas rochosas e áreas costeiras, como é o caso do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Arbusto dioico, apresenta flores unissexuadas, femininas ou masculinas – sendo que algumas plantas masculinas apresentam inflorescências hermafroditas (entre 1% a 4% das plantas). Estas inflorescências brotam entre março e maio e são compostas por até 20 flores diminutas, que podem bem escapar a olhares desatentos. O que não passa despercebido é o pequeno fruto perlado que é gerado pelas plantas femininas: estas bagas comestíveis, translúcidas, brancas ou rosa, de sabor único, fresco, doce ou ácido, são também apelidadas de camarinhas e amadurecem em finais de agosto e setembro.
Quanto à sua reprodução, esta espécie é polinizada com a ajuda do vento, chamada anemófila. A disseminação das sementes, duas a quatro por drupa ou baga, é zoocórica, isto é, fica a cargo de várias espécies de animais, como as gaivotas, melros e coelhos, que se alimentam dos seus frutos e disseminam as sementes.
Apesar do seu tamanho, a camarinha desempenha um papel crucial nos ecossistemas costeiros, na estabilização do solo em áreas vulneráveis à erosão, contribuindo para a preservação das dunas e para a proteção contra tempestades. Além disso, é uma planta pioneira, capaz de colonizar ambientes degradados e iniciar o processo de sucessão ecológica.
A camarinha tem uma longa história de uso pelas comunidades locais. Tradicionalmente, os seus frutos, as pérolas do Atlântico, eram colhidos e consumidos frescos, como aperitivos, mas também utilizados na preparação de limonadas, na produção de licores e doces típicos, como compotas ou geleias, e mesmo biscoitos. Culturalmente, é frequentemente associada a tradições locais e festividades.
A camarinha também apresenta benefícios para a saúde, devido às suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, sendo uma fonte de nutrientes como o cálcio, o ferro e o zinco. As suas folhas e frutos contêm características que poderão ajudar a combater o stress oxidativo, a principal causa de doenças hepáticas e da doença de Parkinson, ou mesmo apresentar propriedades anticancerígenas. Além disso, pode ainda ajudar a reduzir a inflamação, aliviar problemas digestivos e possuem propriedades antimicrobianas, auxiliando no tratamento de infeções bacterianas e fúngicas.
Apesar da ser um símbolo da riqueza e biodiversidade dos ecossistemas costeiros de Portugal e da sua importância ecológica, cultural e medicinal, a camarinha enfrenta desafios significativos de conservação. A degradação do seu habitat devido à urbanização, turismo e mudanças climáticas representam uma ameaça crescente para a sobrevivência desta espécie. Para a proteger e preservar para as gerações futuras, é crucial um esforço conjunto de conservação e sensibilização sobre a sua importância única no contexto da flora portuguesa, bem como a preservação e gestão adequada dos ecossistemas costeiros.