Há algo de majestoso no castanheiro (Castanea sativa), uma árvore que parece desafiar o tempo, interligando a sua história à das gentes e dos lugares por onde cresceu. Com o seu porte robusto e a copa ampla, não é apenas mais uma árvore na nossa paisagem. É um símbolo de perseverança, durabilidade e um fornecedor incansável de recursos e tradições. Conheça-o neste artigo.
Originário das regiões Balcãs, Cáucaso e Ásia Menor, o castanheiro europeu (Castanea sativa), encontrou em Portugal o ambiente ideal para prosperar, estabelecendo-se sobretudo em Trás-os-Montes, na Beira Interior e em algumas zonas do Centro e Sul do país (Alto Alentejo e Algarve). Apelidado de “derradeiro gigante da nossa flora” por Aquilino Ribeiro, o castanheiro é símbolo do outono e parte integrante da história cultural, económica, social e gastronómica de Portugal.
Com um crescimento lento, mas uma longevidade impressionante, o castanheiro pode atingir alturas de 20 a 35 metros e diâmetros de até 12 metros, tornando-se um colosso verde que se destaca em qualquer paisagem. É uma árvore caducifólia, por isso, as suas folhas grandes, de margens serrilhadas, vestem-se de verde intenso no verão e transformam-se em tons dourados e castanhos no outono, criando um espetáculo visual que a todos cativa.
No tronco, a casca grossa e fissurada guarda as marcas de longos anos de vida, enquanto as raízes se estendem profundamente no solo, protegendo encostas de erosão e criando habitat para uma vasta biodiversidade.
Pertencente à família das Fagaceae, que também inclui outras espécies, como os carvalhos e as faias, o castanheiro impressiona pela sua longevidade e porte imponente. Ao longo dos séculos inspirou a sabedoria popular com o ditado: “um castanheiro leva 300 anos a crescer, 300 anos a viver e 300 a morrer”. A árvore, que pode atingir centenas de anos de vida, oferece alimento e abrigo a inúmeras gerações de seres vivos e comunidades humanas.
No outono, o castanheiro atinge o seu apogeu. É nesta estação que os ouriços espinhosos (que envolvem as sementes) amadurecem e caem ao chão, revelando as castanhas, um fruto tipo aquénio, em que a distinção entre o fruto e a semente é ténue. Esta é a altura da aguardada apanha da castanha.
As castanhas crescem dentro do ouriço que, ao abrir-se naturalmente no outono, liberta entre dois a três frutos de tom castanho-avermelhado, com cerca de 4 centímetros de diâmetro. Um castanheiro adulto pode produzir mais de 200 quilos de castanhas por ano.
O habitat ideal do castanheiro encontra-se em áreas montanhosas e submontanhosas, com solos profundos e bem drenados. A árvore prefere climas temperados, com verões frescos e húmidos e invernos relativamente suaves, suportando bem as geadas.
Diversidade e utilização do castanheiro
Em Portugal, existem cerca 20 variedades de castanheiro e castanha, reconhecidas internacionalmente pelas suas qualidades, tanto para consumo em fresco como para transformação. Os soutos – nome dado aos “bosques” de castanheiro manso – são plantações destinadas à produção de castanhas. Compostos por árvores enxertadas e espaçadas, estes soutos são cultivados para otimizar a apanha dos frutos, respeitando o crescimento natural da árvore.
Por outro lado, os castinçais são plantações de castanheiros bravos, originários de semente, e são vocacionadas para a produção de madeira de alta qualidade e grandes dimensões. A madeira do castanheiro é muito valorizada na marcenaria e carpintaria pela sua resistência e durabilidade. Desde móveis robustos a vigas de construção e até tonéis para vinhos, a madeira de castanheiro traz consigo um valor estético e versátil inigualável.
Uma história ancestral
O castanheiro tem uma longa história na Península Ibérica, com registos de pólen fóssil na Serra da Estrela datados de há cerca de 8 mil anos, comprovando que, apesar de não ser uma espécie nativa, está presente no nosso país desde o neolítico. Presente espontaneamente em território nacional, o seu cultivo sistemático foi introduzido pelos Romanos que, reconheceram a importância nutricional da castanha e a utilidade da madeira.
Durante séculos, a castanha foi um alimento essencial para as comunidades rurais, especialmente antes da introdução do milho e da batata. Conhecida como o “pão dos pobres”, a castanha garantiu a subsistência das populações em épocas de escassez e fome.
Símbolo do outono, a castanha, juntamente com a bolota, ocupa e continua a ocupar um lugar especial na gastronomia portuguesa, tendo sido reserva alimentar antes da introdução dos cereais. Assadas nas feiras de São Martinho, cozidas em panelas tradicionais ou transformadas em licores e sobremesas, são uma verdadeira iguaria. Receitas como o bolo de castanha, o creme de castanha e o pão de castanha remetem-nos para sabores antigos e reconfortantes. Em pratos salgados, acompanham carnes assadas ou são usadas em recheios criativos, mostrando a sua versatilidade.
Fonte de biodiversidade e sustentabilidade
Para além do seu valor económico e gastronómico, o castanheiro é uma fonte de biodiversidade e de recursos. As suas flores fornecem néctar para as abelhas, que produzem um mel escuro e de sabor intenso. As folhas caídas enriquecem o solo, fornecendo nutrientes para outras plantas e fungos. E as castanhas alimentam uma vasta gama de fauna selvagem, como javalis, esquilos e aves. Ao mesmo tempo, a espécie ainda proporciona sombra e abrigo, mantendo as encostas montanhosas seguras e férteis.
Cuidar do castanheiro é garantir a preservação de um legado natural e cultural. Esta árvores enfrentam desafios significativos, como o cancro-do-castanheiro (Cryphonectria parasitica) e a tinta do castanheiro (Phytophthora cinnamomi), que têm ameaçado a sua sobrevivência. A proteção e a gestão sustentável dos soutos e castinçais são fundamentais para assegurar que o castanheiro continue a ser o “derradeiro gigante da nossa flora”.
Sabia que…
- Nem só a madeira e o fruto do castanheiro são valorizados. À casca e às folhas foram reconhecidas propriedades medicinais: recomendaram-se como tratamento para a disenteria e a diarreia, e as suas folhas, depois de cozidas, utilizaram-se também para o tratamento da tosse e das inflamações da garganta.
- Castanheiro de Vales, com cerca de mil anos, foi o vencedor do concurso Árvore Portuguesa do Ano 2020. Como este, outros castanheiros notáveis estão classificados pelo ICNF, como acontece com o castanheiro da Quinta do Castanheiro, em Sintra (tem cerca de 800 anos), o castanheiro de Lagarelhos, em Vinhais, e o Castanheiro gigante de Guilhafonso, na Guarda.
- Na Sicília (Itália) encontra-se aquele que poderá ser o mais velho castanheiro de pé, com cerca de 3000 anos. Chamam-lhe “Castanheiro dos Cem Cavalos”, porque teria abrigado 100 cavalos do séquito da rainha de Aragão. Tem 58 metros de diâmetro e está registado no Guinness Book of World Recordspor ter o maior diâmetro de tronco.
- A importância histórico-culturaldo castanheiro é bem visível, não só pela comemoração do Dia de S. Martinho, mas também pelas muitas feiras e festas dedicadas a este fruto, pela sua presença na toponímia portuguesa – existem cerca de 820 nomes de localidades derivados de castanha, souto e castinçal, especialmente a norte do Tejo – e pela inclusão do castanheiro em brasões de vários municípios – Alijó, Valpaços e Vila Pouca de Aguiar – e de antigas famílias nobres.
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Castanheiro europeu
(Castanea sativa)
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Planta
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Género
Castanea
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Família
Fagaceae
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Habitat
Matas e bosques caducifólios, geralmente em regiões montanhosas ou frescas, em substratos siliciosos; e terrenos cultivados.
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Distribuição
Oriunda dos Balcãs, Ásia Menor e Cáucaso; cultivada na Região Mediterrânica, Europa e Macaronésia. Em Portugal, ocorre em todas as províncias continentais portuguesas e as suas maiores áreas encontram se em Trás-os-Montes, parte das Beiras, Portalegre e Monchique.
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Estado de Conservação
Segundo o mais recente Inventário Florestal Nacional, publicado em 2019 pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), os castanheiros ocupam 48,3 mil hectares do território nacional, tendo a sua distribuição aumentado.
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Altura / comprimento
Pode chegar aos 30 a 35 metros de altura e atingir diâmetros de até 12 metros.
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Longevidade
De grande longevidade, pode viver mais de mil anos.
Como protegemos a espécie?
A distribuição atual do castanheiro europeu em Portugal e no resto da Europa tem sido condicionada por alterações climáticas, demográficas e sociais, mas também por doenças, como cancro do castanheiro e a doença da tinta, que têm reduzido a sua presença em várias regiões.
Quando existem áreas de castanheiros nas florestas geridas pela The Navigator Company, mentora do projeto Biodiversidade, é apoiada a regeneração natural da espécie e promovido o estado de conservação geral dos habitats onde se encontram. Já na Quinta de São Francisco, a espécie foi introduzida em 2015, e novamente em 2022, reforçando o bosque caducifólio que já possuía carvalhos e bordos.