Se avistar um espelho de água num lugar inusitado – seco ou arenoso, por exemplo – é provável que seja um charco temporário. Embora a água seja uma presença efémera, ela é vital para manter os charcos temporários mediterrânicos como preciosos oásis de biodiversidade.
Os charcos temporários mediterrânicos servem de abrigo a criaturas singulares e a espécies raras e ameaçadas, que importa conhecer e proteger, mas o reconhecimento da sua importância e a conservação deste precioso e efémero habitat nem sempre têm sido prioridades.
“O valor dos charcos tem sido subestimado”, afirma José Teixeira, investigador do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), da Universidade do Porto, e coordenador nacional do projeto Ponderful, que lembra: “a investigação tem demonstrado que os charcos desempenham um papel ambiental completamente desproporcional ao seu pequeno tamanho”.
A mesma ideia é sublinhada pela bióloga e professora Paula Canha, mestre em Biologia da Conservação pela Universidade de Évora e uma apaixonada por este habitat que à primeira vista pode ser “não muito charmoso e facilmente ignorado”. É importante perceber o “património genético muito especial destes charcos, com seres vivos que conseguem resistir a uma alternância de estados e a condições tão extremas que fazem destes seres uns super-heróis”.
De facto, os charcos temporários albergam uma biodiversidade superior a todas as outras massas de água doce. Além disso, prestam valiosos serviços ambientais, como a gestão e a disponibilidade de água superficial, entre outros.
Todos os charcos são importantes – estejam eles em zonas rochosas, dunares ou de pasto –, mas, de entre os vários tipos de charcos temporários, merecem realce os integrados no Plano Setorial da rede Natura 2000 — habitat prioritário 3170 – Charcos temporários mediterrânicos, no âmbito da Diretiva Habitats. Constituem biótopos raros, típicos de regiões de clima mediterrânico, com seca estival, época de grande carência hídrica. Formam-se em depressões pouco profundas, estão muito dependentes da chuva e alternam períodos de inundação e seca.
A fase de inundação destes charcos mediterrânicos dura cerca de quatro a cinco meses (durante o inverno e a primavera), um período superior ao que ocorre nas outras acumulações de água da chuva. Adicionalmente, estes charcos temporários funcionam como uma “esponja”, que absorve a água quando ela existe em excesso e guarda humidade no solo, libertando-a durante o período seco.
Para conhecer melhor este habitat prioritário, decorreu, entre 2013 e 2018, o projeto LIFE Charcos, coordenado pela Liga para a Proteção da Natureza. Além de ter estudado e monitorizado os charcos, sensibilizando a população para a importância destes preciosos cenários naturais, este projeto produziu um Manual de Boas Práticas para a Conservação dos Charcos Temporários Mediterrânicos, que propõe medidas de gestão sustentável para conciliar a proteção destes habitats com as atividades humanas.
Nos charcos temporários mediterrânicos localizados nos planaltos costeiros do sudoeste alentejano e costa vicentina, inventariou-se flora e fauna características e adaptadas à especificidade deste habitat. Verificou-se a presença de inúmeras plantas com elevado valor de conservação, como o feto Pilularia minuta e a Caropsis verticillato-inundata, ambas com o estatuto “vulnerável”, segundo a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental. O mesmo aconteceu com a fauna, onde se realçam múltiplos endemismos e raridades. Merecem destaque o camarão-girino (Triops vicentinus), considerado “em perigo” pela Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza, e o sapinho-de-verrugas-verdes-lusitânico (Pelodytes atlanticus), ambos endémicos do Sudoeste de Portugal.
A degradação da qualidade da água, o desaparecimento das plantas típicas destes charcos, começando a surgir outras incomuns (como as infestantes agrícolas ou invasoras, como a acácia) são alguns indicadores de degradação dos charcos temporários.