A pegada da cavalgada
Os garranos são cavalos de pequena estatura com cabeças finas, pesando cerca de 290kg. Os machos atingem até 1,35m e as fêmeas cerca de 1,28m. Apesar do tamanho reduzido, têm corpos musculados, com garupa e membros fortes. A pelagem é castanho-escura, com crina e cauda densas de cor preta. São animais inteligentes, com os cascos bem assentes no chão, graças à sua robustez, mas também revelam um traço dócil e vivaz, o que lhes confere grande agilidade com que as patas que aguentam qualquer pedregulho.
Historicamente, têm uma forte presença no noroeste ibérico, sobretudo em regiões montanhosas, frias e húmidas. Crê-se que a sua origem esteja ligada à região do Gerês e aos celtas que os introduziram nesse território.
Antes da mecanização da agricultura e da popularização dos transportes motorizados, o trabalho agrícola recaía fortemente sobre estes cavalos. A grande maioria era utilizada pelas comunidades rurais para tarefas de tração, transporte e lavoura. Com o passar dos séculos, a forte presença do garrano nas montanhas, tornou-o um hábil montanhista, com a capacidade de transportar pessoas e mercadorias em segurança por solos difíceis e incertos. A sua resistência era lendária, chegando mesmo a acompanhar os almocreves (condutores de animais de carga que andavam de terra em terra desde a Idade Média até meados do século XX), percorrendo cerca de 200 quilómetros em pouco mais de seis horas.
A multiculturalidade de povos que cruzaram este cantinho ibérico à beira do atlântico não se reflete apenas nos humanos. Os cavalos, por conta das migrações históricas, cruzaram-se e reproduziram-se com outras raças trazidas pelos diferentes povos: romanos, árabes e até germânicos, fruto das incursões vikings na Península Ibérica. Embora as invasões dos Godos, Visigodos, Suevos e Vândalos tenham ocorrido sobretudo a pé, o contacto com outras culturas deixou marcas genéticas subtis. Mais importante ainda, reforçou o papel simbólico dos cavalos nas lendas e mitos que atravessaram os tempos.
Curiosamente, quanto maior o respeito por um animal numa determinada cultura, maior a sua presença no imaginário coletivo. No caso do garrano, isso reflete-se tanto na sua importância funcional como na sua carga simbólica.
Acredita-se, inclusive, que os cavalos de origem céltica tenham contribuído para a recuperação da raça durante a Reconquista Cristã e a fundação de Portugal. Tal como os portugueses e os espanhóis, também o garrano é fruto de uma mistura rica de culturas e influências. Hoje, é considerado património cultural e genético.
Trotear cantigas de amor
Os garranos reproduzem-se, geralmente, entre março e julho, com partos a ocorrer em diferentes tipos de habitat. As éguas começam a procriar a partir dos três anos de idade, sendo o quarto ano considerado o ideal para ter a primeira cria. Mantêm, em geral, uma boa fertilidade até aos vinte e um anos. Os machos seguem um padrão semelhante, iniciando a fertilidade aos quatro anos e mantendo-a até à mesma idade.
A gestação dura cerca de 350 dias e o intervalo mínimo entre partos é de um ano. Curiosamente, apenas nove dias após o parto, entram novamente no cio.
Os cavalos, e por osmose os garranos, estão frequentemente associados a uma imagem selvagem e aventureira. Esta perceção contrasta com a realidade surpreendentemente estável e bem organizada das suas estruturas sociais.
Existem três tipos diferentes de grupos,
- Haréns: compostos por um macho dominante, uma ou mais fêmeas e as respetivas crias.
- Grupos múltiplos: formados por vários machos e fêmeas, com os seus potros.
- Grupos de solteiros: compostos por machos jovens que foram expulsos dos outros grupos pelos garanhões dominantes. São grupos instáveis e em constante movimento.
Os garanhões têm a função de proteger os haréns e os grupos múltiplos. No entanto, ao contrário do que se possa pensar, não existe uma hierarquia patriarcal. A verdadeira liderança cabe a uma égua, guia o grupo na busca por pastagens e água de qualidade. Em situações de perigo, a coordenação entre todos é essencial. A égua líder organiza a defesa contra os predadores, colocando-se a si e às outras num círculo que protege as crias. As cabeças ficam viradas para dentro e as garupas para fora. Esta formação defensiva permite escoicear predadores, como lobos, com eficácia, apoiando os garanhões na proteção do grupo.
Quando os potros atingem a maturidade, são expulsos pelos garanhões e juntam-se aos grupos de solteiros. Esses jovens machos percorrem várias regiões em busca de éguas recém-expulsas dos grupos, formando assim novas estruturas sociais.
Durante o inverno, os garranos refugiam-se nos vales abrigados e no verão, preferem as zonas mais altas das serras, aproveitando o calor e os pastos das encostas.