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Garrano, o cavalo fidalgo de Portugal

Raça autóctone da Península Ibérica, próxima do Sorraia e do Lusitano, Equus ferus caballus, nome técnico e derivado do latim, coincide de forma divertida com o “eco” que teve a nível social e agrícola. Venha conhecer este fidalgo nacional.

Ao longe, no horizonte, vislumbra-se uma silhueta indecifrável que se aproxima com elegância, como uma miragem. São dois animais de semblante familiar, trazendo consigo um novo dia e convidando-nos a explorar o novo tema de biodiversidade. Quem são? Arvak e Alsvid, os cavalos da mitologia nórdica que puxam a carruagem do sol, iluminando o caminho até à nossa BIOgaleria: o curioso cavalo garrano português.

Trauteamos este início à boleia de um tom épico e mítico, porque a ambiência histórica e fantástica dos cavalos, além de merecida, é verdadeiramente fulcral na evolução social, estrutural e tecnológica da humanidade. Estamos perante uma raça com grande destaque na história, uma figura bela, por vezes indomável e que teima em deixar assentar a poeira da sua história até ser reconhecida. Apesar da portugalidade, curiosamente, o pequeno garrano, do latim Equus ferus caballus, tem uma pequena costela nórdica que iremos desvendar.

A raça garrana está também ligada a outras raças ibéricas, como as espanholas Asturcón e Pottoka. Com uma altura média de 1,30m (chegando no máximo aos 1,35m), estes cavalos apresentam muitas parecenças com os póneis. Um bom exemplo é o pónei celta, outra raça ibérica de destaque.

A origem do cavalo garrano, como de todos os cavalos, remonta a milhões de anos. Em 1867, foram descobertos vestígios fósseis do Eohippus, um antepassado primitivo dos cavalos modernos, com mais de 50 milhões de anos. É desta linhagem que surge o Equus ferus caballus, descendente de póneis celtas, trazidos para o norte na Península Ibérica há quase três mil anos.

A pegada da cavalgada

Os garranos são cavalos de pequena estatura com cabeças finas, pesando cerca de 290kg.  Os machos atingem até 1,35m e as fêmeas cerca de 1,28m. Apesar do tamanho reduzido, têm corpos musculados, com garupa e membros fortes. A pelagem é castanho-escura, com crina e cauda densas de cor preta. São animais inteligentes, com os cascos bem assentes no chão, graças à sua robustez, mas também revelam um traço dócil e vivaz, o que lhes confere grande agilidade com que as patas que aguentam qualquer pedregulho.

Historicamente, têm uma forte presença no noroeste ibérico, sobretudo em regiões montanhosas, frias e húmidas. Crê-se que a sua origem esteja ligada à região do Gerês e aos celtas que os introduziram nesse território.

Antes da mecanização da agricultura e da popularização dos transportes motorizados, o trabalho agrícola recaía fortemente sobre estes cavalos. A grande maioria era utilizada pelas comunidades rurais para tarefas de tração, transporte e lavoura. Com o passar dos séculos, a forte presença do garrano nas montanhas, tornou-o um hábil montanhista, com a capacidade de transportar pessoas e mercadorias em segurança por solos difíceis e incertos. A sua resistência era lendária, chegando mesmo a acompanhar os almocreves (condutores de animais de carga que andavam de terra em terra desde a Idade Média até meados do século XX), percorrendo cerca de 200 quilómetros em pouco mais de seis horas.

A multiculturalidade de povos que cruzaram este cantinho ibérico à beira do atlântico não se reflete apenas nos humanos. Os cavalos, por conta das migrações históricas, cruzaram-se e reproduziram-se com outras raças trazidas pelos diferentes povos: romanos, árabes e até germânicos, fruto das incursões vikings na Península Ibérica. Embora as invasões dos Godos, Visigodos, Suevos e Vândalos tenham ocorrido sobretudo a pé, o contacto com outras culturas deixou marcas genéticas subtis. Mais importante ainda, reforçou o papel simbólico dos cavalos nas lendas e mitos que atravessaram os tempos.

Curiosamente, quanto maior o respeito por um animal numa determinada cultura, maior a sua presença no imaginário coletivo. No caso do garrano, isso reflete-se tanto na sua importância funcional como na sua carga simbólica.

Acredita-se, inclusive, que os cavalos de origem céltica tenham contribuído para a recuperação da raça durante a Reconquista Cristã e a fundação de Portugal. Tal como os portugueses e os espanhóis, também o garrano é fruto de uma mistura rica de culturas e influências. Hoje, é considerado património cultural e genético.

Trotear cantigas de amor

 Os garranos reproduzem-se, geralmente, entre março e julho, com partos a ocorrer em diferentes tipos de habitat. As éguas começam a procriar a partir dos três anos de idade, sendo o quarto ano considerado o ideal para ter a primeira cria. Mantêm, em geral, uma boa fertilidade até aos vinte e um anos. Os machos seguem um padrão semelhante, iniciando a fertilidade aos quatro anos e mantendo-a até à mesma idade.

A gestação dura cerca de 350 dias e o intervalo mínimo entre partos é de um ano. Curiosamente, apenas nove dias após o parto, entram novamente no cio.

Os cavalos, e por osmose os garranos, estão frequentemente associados a uma imagem selvagem e aventureira. Esta perceção contrasta com a realidade surpreendentemente estável e bem organizada das suas estruturas sociais.

Existem três tipos diferentes de grupos,

  • Haréns: compostos por um macho dominante, uma ou mais fêmeas e as respetivas crias.
  • Grupos múltiplos: formados por vários machos e fêmeas, com os seus potros.
  • Grupos de solteiros: compostos por machos jovens que foram expulsos dos outros grupos pelos garanhões dominantes. São grupos instáveis e em constante movimento.

Os garanhões têm a função de proteger os haréns e os grupos múltiplos. No entanto, ao contrário do que se possa pensar, não existe uma hierarquia patriarcal. A verdadeira liderança cabe a uma égua, guia o grupo na busca por pastagens e água de qualidade. Em situações de perigo, a coordenação entre todos é essencial. A égua líder organiza a defesa contra os predadores, colocando-se a si e às outras num círculo que protege as crias. As cabeças ficam viradas para dentro e as garupas para fora. Esta formação defensiva permite escoicear predadores, como lobos, com eficácia, apoiando os garanhões na proteção do grupo.

Quando os potros atingem a maturidade, são expulsos pelos garanhões e juntam-se aos grupos de solteiros. Esses jovens machos percorrem várias regiões em busca de éguas recém-expulsas dos grupos, formando assim novas estruturas sociais.

Durante o inverno, os garranos refugiam-se nos vales abrigados e no verão, preferem as zonas mais altas das serras, aproveitando o calor e os pastos das encostas.

Cavalos no cavalete 

Há que saber posar para a história e ser eternizado pela elegância. Felizmente, os garranos sempre foram peritos na matéria. Diversas fontes arqueológicas e históricas apontam a presença desta raça no modo de vida dos povos da Idade do Bronze e da Idade do Ferro.

Na região de Viana do Castelo, encontram-se várias gravuras rupestres de equídeos, representativas dos verdadeiros cavalos selvagens que existiam em Portugal e que foram os antepassados dos garranos. Estas gravuras encontram-se sobretudo em zonas litorais ou serranas, como nos vales de Âncora e Lima ou Breia. No entanto, as mais célebres representações estão no Vale de Côa, um verdadeiro santuário da arte rupestre.

Terra à pista  

Durante os Descobrimentos, o garrano cruzou o Oceano Atlântico e relinchou ao avistar novas terras.

Troteou pelo continente americano fora, ajudou na criação de novas cidades e no desenvolvimento de diversas economias locais, introduzindo ainda o seu código genético. Estamos perante uma raça de cavalo habituada a percorrer novos caminhos e a olhar para o horizonte em busca de uma nova pista cheia de “momentum”.

SABIA QUE…

• Estrabão, um grego geógrafo que viveu no século I A.C descrevia a Península Ibérica como uma verdadeira terra de cavalos, repleta de várias raças, entre as quais os antepassados do garrano, os póneis celtas.

• Especula-se que D. Afonso Henriques e o seu exército tenham tido os garranos como montada.

• A palavra “garrano” vem de “gher” que significa “pequeno” e deu origem ao termo “guerran” nome dado aos cavalos em galego.

  • PERFIL

    𝘎𝘢𝘳𝘳𝘢𝘯𝘰 𝘌𝘲𝘶𝘶𝘴 𝘧𝘦𝘳𝘶𝘴 𝘤𝘢𝘣𝘢𝘭𝘭𝘶𝘴

  • ANIMAL

    𝘔𝘢𝘮í𝘧𝘦𝘳𝘰

  • GÉNERO

    𝘌𝘲𝘶𝘶𝘴

  • FAMÍLIA

    𝘌𝘲𝘶𝘪𝘥𝘢𝘦

  • HABITAT

    Vales e serras montanhosas e húmidas

  • DISTRIBUIÇÃO

    Era uma raça proeminentemente ibérica. Hoje encontramos sobretudo no Parque Nacional da Peneda-Gerês e distribuída entre o resto do Minho, Trás-os-Montes e Galiza.

  • ESTADO DE CONSERVAÇÃO

    É considerada uma raça em risco.

  • ALTURA / COMPRIMENTO

    As fêmeas têm 1,28m e os machos chegam até aos 1,35m

  • LONGEVIDADE

    21 anos.

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