Biohistórias

Reportagem

À descoberta das caixas-ninho da Herdade de Espirra

Dentro das caixas-ninho instaladas na Herdade de Espirra, diversas espécies de aves nidificam e contribuem para um verdadeiro “3-em-1”: mais biodiversidade, maior controlo natural de pragas e maior sensibilização ambiental.

Aqui e ali, penduradas em sobreiros (Quercus suber), pinheiros-mansos (Pinus pinea) e eucaliptos (Eucalyptus globulus), pequenas estruturas peculiares quase passam despercebidas na paisagem da Herdade de Espirra, em plena Península de Setúbal. Podem ser encontradas por visitantes humanos mais atentos, que percorram os 1700 hectares desta propriedade (onde se produz desde pinhão a madeira, cortiça e vinhos), mas há outro tipo de visitantes (e habitantes) mais importantes: pequenas aves, às quais estas caixas-ninho proporcionam local adequado de procriação.

Pelas suas características (dimensão da entrada, por exemplo) e pelos locais cuidadosamente escolhidos onde estão instaladas na propriedade, estas caixas-ninho procuram atrair aves insetívoras cavernícolas, ou seja, espécies específicas de aves que se alimentam de insetos e que costumam ter, como ninhos naturais, pequenas cavidades existentes em árvores mais antigas. Desta forma, a instalação destas caixas-ninho acaba por reequilibrar o ecossistema em áreas de manchas florestais menos maduras, oferecendo cavidades artificiais à disposição destas espécies.

As primeiras 30 caixas-ninho foram instaladas no inverno de 2019. Um ano depois, um novo reforço permitiu aumentar o número de estruturas disponíveis para as pequenas aves. Hoje, o foco da The Navigator Company, proprietária da Herdade de Espirra, passou da instalação para a manutenção. A prioridade é agora garantir que as caixas-ninho estão em boas condições, através de operações de limpeza regulares (eliminando parasitas, por exemplo), e monitorizar a ocupação das estruturas.

O que se tem observado é animador: “há seguramente uma ocupação de 90% das caixas-ninho”, realça Rogério Cangarato, ornitólogo envolvido nesta iniciativa na Herdade de Espirra. O especialista acrescenta que “existe um grande sucesso na ocupação e um grande sucesso reprodutivo, que contribui para um aumento dessas espécies na propriedade e a nível local”.

As aves que habitam nas caixas-ninho de Espirra

São, portanto, aves insetívoras carvenícolas que podem ser encontradas nestes ninhos artificiais. Mas quais, em específico? As estruturas atraem pequenas aves que já são típicas destes habitats florestais, como por exemplo:

  • Chapim-azul (Cyanistes caeruleus)
    Pequeno em tamanho, chama a atenção pelas cores exuberantes – do azul da cabeça e dorso (que dão o mote ao nome comum) ao amarelo no abdómen. Com estatuto de conservação em Portugal “Pouco preocupante”, é comum observá-lo entre os ramos de árvores frondosas, sendo uma espécie típica de montado e florestas mistas.
  • Chapim-real (Parus major)
    Distingue-se do chapim-azul por ser um pouco maior (pode chegar a medir entre 13 e 15 centímetros de comprimento) e porque os tons azuis dão lugar ao preto. Esta espécie, cujas crias nascidas nas caixas-ninho em Espirra podemos ver nas fotos, também tem estatuto de conservação “Pouco preocupante” e é abundante nas áreas florestais, ao longo de todo o país.
  • Trepadeira-azul (Sitta europaea)
    De bico comprido e cauda curta, a trepadeira-azul tem ventre alaranjado e dorso cinzento-azulado. As cores, apesar de impactantes, não são a sua característica mais diferenciadora, pois a trepadeira-azul é uma das poucas aves com a particularidade de conseguir percorrer os troncos das árvores no sentido descendente. Esta pequena ave, com estatuto de proteção “Pouco preocupante”, pode ser encontrada, preferencialmente, em áreas florestais maduras.
  • Carriça (Troglodytes troglodytes)
    Em tons castanhos e de pequena estatura (atingindo 10 centímetros de comprimento), a carriça é uma das aves mais reconhecíveis da avifauna florestal de Portugal. Tem também estatuto “Pouco preocupante” e ocupa, preferencialmente, faixas ribeirinhas e zonas de matos densos.
Caixas Ninho

Um controlo natural de pragas

Ao alimentarem-se dos insetos existentes nas árvores, estas aves são um aliado importante no combate às pragas florestais (como é o caso da cobrilha, inseto que se alimenta da casca do sobreiro), demonstrando o valor da biodiversidade para o ser humano. Daí também que as caixas-ninho tenham sido desenvolvidas tendo em vista estas espécies insetívoras – e não quaisquer outras espécies da avifauna florestal.

“No fundo, as caixas-ninho aumentam a disponibilidade de cavidades propícias à ocupação por estas aves – e isso tem outros efeitos na dinâmica das espécies e da própria ecologia destas áreas onde estão os ninhos”, explica Rogério Cangarato. “O princípio é que se aumentarmos a disponibilidade de cavidades, conseguimos aumentar a população de determinadas espécies que se alimentam naturalmente destas pragas. Aumentam os predadores, diminuem as presas”, conclui.

A promoção do aumento das espécies predadoras, enquanto método natural de controlo de pragas, permite uma alternativa sustentável à aplicação de químicos inseticidas. A ação enquadra-se na estratégia de conservação da biodiversidade da The Navigator Company, que assim consegue aliar a promoção da biodiversidade ao controlo de pragas.

O terceiro eixo de impacto deste projeto – além da biodiversidade e controlo natural de pragas – é o da educação ambiental, reforçando laços com a comunidade. A construção de caixas-ninho envolveu, por exemplo, o apoio de uma escola profissional da região. Mas o potencial vai muito além da instalação, como indica Rogério Cangarato: “as caixas-ninho têm facilidades óbvias para envolver os jovens – e não só – na importância destes projetos, porque as pessoas sentem que participam de forma direta e podem contribuir para a monitorização das caixas, ao longo do tempo”.

Tendo em conta o potencial, um dos próximos objetivos é fazer do projeto um modelo de boas práticas e de sensibilização para a biodiversidade, promovendo ações de divulgação e comunicação. Em paralelo, as pequenas aves continuarão a encontrar estes abrigos artificiais para procriarem, no meio da floresta da Herdade de Espirra. O seu canto, sonoro e melódico, é já habitual na propriedade e a melhor “banda sonora” para ilustrar o sucesso da iniciativa.

Caixas Ninho Espirra

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