Estão habitualmente descritas oito espécies nativas de carvalhos em Portugal, mas a análise de dados moleculares está a reescrever a história dos Quercus portugueses, conta o botânico e investigador Carlos Vila-Viçosa.
Determinar qual a espécie ou subespécie de determinado ser vivo passou, historicamente, pela análise das suas características observáveis – formas físicas, área de distribuição, ecologia ou zona bioclimática, por exemplo. O conceito de espécie e subespécie tem comportado, por isso, um grau elevado de subjetividade que pode reduzir-se, graças a novos conhecimentos e tecnologias que cruzam desde a genética à informática.
É isto que está a fazer Carlos Vila-Viçosa, botânico e investigador do CIBIO-InBio, Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto e Biopolis, há muito dedicado a conhecer as árvores e arbustos do género Quercus (carvalhos, sobreiros e afins), em particular os nativos da Península Ibérica. Com outros botânicos e ecólogos portugueses e espanhóis, está a recorrer à análise de marcadores moleculares (marcas patentes no ADN, onde estão codificadas as características únicas de cada indivíduo e as hereditárias) para os caracterizar. E estes dados objetivos estão a contar uma história diferente sobre vários dos Quercus portugueses.
“Os nossos dados evidenciam que há uma divergência molecular tão grande entre determinadas espécies e o que eram até agora consideradas as suas subespécies, que as subespécies têm de ser recuperadas como espécies”, refere Carlos Vila-Viçosa, dando como exemplos o Quercus estremadurensis e o “nosso” carvalho-alvarinho do Minho e Noroeste peninsular – Quercus broteroana -, ambos, até aqui tradicionalmente classificados como subespécies do Quercus robur.
Os trabalhos de campo e laboratório têm revelado também novos híbridos: “reconhecemos 23 híbridos, três dos quais nunca tinham sido descobertos na natureza em Portugal”. Um deles, por exemplo, resulta do cruzamento entre a carvalhiça (Quercus lusitanica) e a azinheira (Quercus rotundifolia) e será batizado como Quercus x alvesii, “em homenagem ao trabalho do botânico português, Paulo Alves”.
As descobertas feitas têm vindo a ser partilhadas com a comunidade científica internacional em artigos e conferências, há já alguns anos, mas mudar os cânones estabelecidos não é fácil nem acontece rapidamente.
Como conta Carlos Vila-Viçosa, já nos anos 30 do século XX, o botânico alemão Otto Schwarz (1900 – 1983) tinha proposto alterações na taxonomia então vigente dos Quercus ibéricos e até novas espécies – nomeadamente, o seu Quercus estremadurensis, que observou nas zonas de Sintra e Coimbra. Mas as teorias de um estrangeiro, que vinha pôr em causa as autoridades ibéricas na matéria, foram rechaçadas. Já a proposta da francesa Aimée Camus (1879 – 1965), que o considerou subespécie, foi aceite, apesar dos critérios pouco sustentados. “Muitas vezes, os autores referiam-se a grupos híbridos ou atribuíam arbitrariamente subespécies a áreas biogeográficas concretas”, explica o investigador.
Refira-se que a elevada hibridação entre diferentes carvalhos é um dos fatores que, ao longo da história, dificultou a sua classificação taxonómica. Outro deve-se à elevada plasticidade morfológica das espécies deste género, com existência de características ambíguas – por exemplo, folhas de formato diferente numa mesma árvore.