A frente de resistência às alterações climáticas
As zonas húmidas são um espaço multifacetado que fornece água potável a diferentes espécies e serve como instrumento de prevenção a desastres naturais como tempestades, inundações e secas.
Por exemplo, nos Açores, as turfeiras em altitude capturam água das chuvas e impedem enxurradas, controlando por isso, as subidas do nível de água nos rios, lagos e estuários.
Mas desengane-se quem pensa que as zonas húmidas têm apenas influência direta na fauna e flora mais próxima. Os humanos, habituados a subsistir da agricultura, turismo e lazer são altamente beneficiados por estes sistemas naturais que potenciam a economia de forma sustentável. Alimentos como peixes, bivalves e crustáceos são ordem de deleite para milhares de pessoas todos os dias. Sem estes espaços, não existe maneira de fazer estes animais subsistir com dignidade, tanto para um percurso de vida natural como para o consumo e sobrevivência humana.
Em termos paisagísticos, um mundo sem zonas húmidas é um local mais seco, arenoso e desprovido de lazer. Um planeta que nega a beleza de um lago e riacho com orquestras de sapos, libélulas e aves é um planeta que perde inocência, ócio e vida.
As zonas húmidas são conhecidas como sumidouros de carbono por conta da sua enorme capacidade em absorvê-lo. Estima-se que estes habitats retenham cerca de um terço do carbono existente no mundo.
Infelizmente, com a destruição dos mesmos para a exploração excessiva de recursos, construção de zonas urbanas, conversão de campos agrícolas, criação de zonas de pastagens, sistemas de drenagens, culturas de arroz ou até mesmo estradas e zonas de estacionamento, corre-se o risco e consequência de libertar estas vastas quantidades de carbono de volta para a atmosfera.
Serve de mau exemplo a alteração das zonas dos estuários do Tejo, do Sado e até mesmo do Algarve para beneficiar estas construções.
Domingos Leitão, diretor da SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves – diz que é impossível sobreviver às alterações climáticas sem zonas húmidas.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra – um equilibrio natural
As zonas húmidas são fulcrais ao ecossistema do planeta por representarem um verdadeiro oásis a diversos animais de terra e água.
Em Portugal, espécies como a toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus), o musaranho-de-água (Neomys anomalus), o rato-de-água (Arvicola sapidus), o rato-de-cabrera (Microtus cabrerae), a lontra (Lutra lutra), o toirão (Mustela putorius) e os 28 espécimes de morcegos (em especial o morcego-de-ferradura-mediterrânico, morcego-de-ferradura-mourisco e até o morcego-rato-pequeno) são animais em risco de extinção pelas contínuas ameaças a estes espaços de encontro, reprodução e descanso.
A palavra perigo e risco, tantas vezes generalizada em alertas ocos, peca por não especificar as condições que inviabilizam a sobrevivência destes animais. A deterioração da qualidade das águas e mudanças na qualidade morfológica das vegetações circundantes incapacita a sobrevivência de alimentos, como macroinvertebrados aquáticos e de demais insetos. Estas espécies servem de alimento a uma variedade de animais que habitam estas zonas e ao verem-se impossibilitados de os consumir de forma rotineira e natural, arriscamos nós seres humanos a causar-lhes um gradual processo de extinção.
A natureza é uma maravilhosa lição de equilíbrio, onde cada peça posiciona–se no ponto perfeito de existência. Ao retirarmos e modificarmos algo estamos a criar um vazio e uma abertura para criar caos e desequilíbrio.
É uma representação pertinente daquilo que significa pensar e viver em prol do coletivo. Tudo à nossa volta serve um propósito maior e faz parte de uma narrativa que ajuda ao processo natural da cadeia alimentar. Se não soubermos escutar e observar os padrões da natureza, nunca conseguiremos encontrar paz na nossa existência e na vida de todos os animais.