Entre manchas e hastes: eis o gamo português

De pelagem sarapintada e porte elegante, o gamo (Dama dama) é um mamífero ruminante semelhante ao veado. É muito adaptável, conseguindo sobreviver numa ampla gama de habitats, porém é raro encontrá-lo em estado selvagem. Saiba mais sobre este mamífero e o seu papel na biodiversidade nacional.

O gamo (Dama dama) é uma espécie de cervídeo amplamente conhecida e apreciada em Portugal. Este animal, oriundo da região mediterrânica (Turquia), destaca-se pela sua beleza e presença em diversas paisagens portuguesas, sendo frequentemente encontrado em parques naturais e reservas de caça.

A espécie distingue-se pela sua pelagem e hastes únicas. A pelagem varia de cor consoante a estação do ano, apresentando uma coloração castanhada-avermelhada com manchas brancas no dorso e nos flancos durante o verão, que se torna mais escura, uniforme e grisalha no inverno. Esta mudança de visual sazonal permite ao gamo adaptar-se melhor ao ambiente, proporcionando-lhe camuflagem contra predadores.

São animais de porte médio, com altura entre 85 e 110 cm e um peso que varia entre 40 e 100 kg. O dimorfismo sexual é evidente nesta espécie, com as fêmeas sendo geralmente mais pequenas, e os machos a exibirem características mais robustas e ornamentadas. Os machos são facilmente identificáveis pelas suas impressionantes hastes palmadas, que se renovam anualmente na altura da primavera, atingindo o seu pico de crescimento durante o verão. Nos machos adultos as hastes podem chegar aos 70 centímetros de altura e 20 centímetros de largura.

Em termos de habitat, o gamo mostra-se bastante adaptável. Habita florestas, matagais e áreas abertas, preferindo zonas com abundância de pasto e água. Em Portugal, é comum encontrá-lo em regiões como o Parque Biológico de Gaia, a Tapada Nacional de Mafra (região de Lisboa), a Herdade do Vale Feitoso (Beira Interior) e em algumas herdades do Alentejo e do Ribatejo, que proporcionam um ambiente adequado para a sua conservação e observação.

Não são animais territoriais, e as suas áreas de atividade sobrepõem-se. Com abundância de alimento e se não forem perturbados, as suas deslocações diárias são normalmente curtas. A dieta do gamo é herbívora, alimentando-se de uma variedade de vegetação, incluindo folhas, ervas, frutos e cascas de árvores.

O comportamento social dos gamos é também digno de nota. Durante grande parte do ano, os machos e as fêmeas vivem em grupos separados, unindo-se apenas na época de acasalamento, que ocorre no outono. Nesta altura, os machos competem entre si através de lutas e exibições de força para conquistar as fêmeas. A gestação dura cerca de oito meses, culminando no nascimento de uma, excecionalmente, duas crias na primavera (finais de maio).

A cria recém-nascida mantém-se escondida durante os primeiros dias, ficando a mãe a não mais do que quinze metros de distância, regressando sempre que é necessário amamentar. Cerca de 15 dias após o nascimento, mãe e cria reintegram-se no grupo. O desmame ocorre às cerca de 12 semanas, mas a maioria das fêmeas amamenta até ao final de novembro. Nesta espécie os cuidados parentais são realizados exclusivamente pela fêmea.

Mais do que um troféu de caça

Apesar de não ser uma espécie autóctone da Península Ibérica e existirem pela Europa diversos registos de outras espécies do mesmo género já extintas, o gamo foi introduzido devido à sua apreciada carne e ao valor ornamental das suas hastes. No início do século XX a espécie esteve quase extinta em Portugal. Atualmente, está bem estabelecido em diversas regiões portuguesas, porém, quase exclusivamente em regime de cercado.

O gamo tem vindo a ser introduzido em Portugal e Espanha desde há séculos para reforçar a atividade da caça. A maioria das populações são criadas para (re)povoar zonas de caça em propriedades privadas e cercadas. Os únicos pequenos núcleos populacionais que existem em estado silvestre encontram-se no Vale do Guadiana, Alcácer do Sal e Coruche e resultam de fugas das herdades.

Mas será o gamo apenas um apreciado troféu de caça? O gamo desempenha um papel importante nos ecossistemas onde está presente, contribuindo para a biodiversidade e dinamismo dos habitats naturais.

Pode contribuir para a manutenção ou restauro de processos naturais que possam estar enfraquecidos ou ausentes de determinadas áreas florestais, desempenhando funções de jardineiro, ao pastarem em grupo e limpando o excesso de biomassa, dispersando sementes, transportando nutrientes (através dos excrementos) ou simplesmente sendo mais uma importante presa para carnívoros como o lobo e o lince-ibérico.

A sua presença é também um atrativo para o ecoturismo, proporcionando aos visitantes a oportunidade de observar de perto este majestoso cervídeo em ambiente natural.

O gamo (Dama dama) é um elemento fascinante da fauna portuguesa, cuja observação e conservação são de grande importância. Com os devidos cuidados e gestão adequada, espera-se que esta espécie continue a prosperar nas paisagens de Portugal, enriquecendo a biodiversidade e proporcionando um espetáculo natural aos que têm o privilégio de o avistar.

Sabia que…

• O gamo tem um dos escudos anais mais elaborados de entre todos os cervídeos. Possui um desenho característico que se assemelha a uma âncora invertida. É branco, está delimitado por duas linhas brancas e é atravessado pela cauda, relativamente comprida – negra no centro e branca nas bordas. O contraste de cores é muito relevante para a comunicação entre os elementos do grupo.
• Só os machos possuem hastes que, tal como os outros cervídeos, caem em março/abril, começando a crescer outras. Por isso, a sua idade pode ser determinada pelo tamanho da armadura.
• Todos os elementos da estrutura corporal dos gamos são utilizados como meio de comunicação. Por exemplo: o escudo anal tão característico pode transmitir diversas mensagens; existem diferentes tipos de vocalizações para diferentes mensagens; o olfato também capta mensagens – devido à sua especial sensibilidade na perceção de odores; e as hastes – que indicam o nível hierárquico e reprodutivo do macho aos oponentes.
• Para além da cor selvagem mais comum, existem mais três tipos de pelagem: preto; branco; e “menil”, que é uma versão mais pálida do tipo selvagem com pintas brancas mais pronunciadas e a cabeça, pescoço e pernas quase todos brancos.