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Erva-língua: a orquídea que fala em silêncio

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Pequena, discreta e, ainda assim, incrivelmente especial. A Serapias lingua, conhecida entre nós como erva-língua, é uma das muitas joias botânicas que podemos encontrar a pontuar os prados e clareiras de matos da região mediterrânica, onde se sente em casa.

A erva-língua é uma orquídea silvestre, de caule verde e ereto, folhas basais verdes, lisas. Modesta na sua altura, que varia entre os 10 e os 60 centímetros, desenvolve-se a partir de tubérculos subterrâneos, responsáveis pela continuação da espécie.

Mas o que lhe falta em estatura, sobra-lhe em carácter. O nome comum e o epíteto específico — língua — devem-se à forma do seu labelo. A estrutura floral que, nesta espécie, se alonga como uma língua estreita, achatada, aparece-nos, por vezes avermelhada, castanha ou púrpura, coberta por uma fina pilosidade, conferindo-lhe uma textura aveludada, como se a flor nos tentasse dizer algo em silêncio.

E talvez diga. Basta olhar para a erva-língua com atenção para perceber que há ali um jogo delicado entre forma e função. O labelo atua como um autêntico palco de sedução, onde se desenrola a complexa coreografia da polinização. Atrai, de forma engenhosa, os polinizadores certos, frequentemente abelhas e outros insetos, com promessas visuais que nem sempre se cumprem em néctar, mas que asseguram a perpetuação da espécie.

Como muitas orquídeas, a Serapias lingua prefere solos bem drenados, calcários e ácidos, ricos em luz, onde a concorrência por espaço não é feroz. Surge em habitats de valor ecológico elevado, como prados seminaturais e matos claros, espaços cada vez mais ameaçados por alterações no uso do solo, abandono agrícola ou intensificação florestal.

Encontrá-la em flor, entre março e junho, é sempre uma pequena celebração da biodiversidade mediterrânica. Não por ser rara, mas porque representa uma das faces mais subtis e encantadoras da nossa flora. Entre duas a seis, as pequenas flores podem ser simples ou ramificadas, dependendo das condições climáticas. Apresentam uma cor que varia do púrpura ao rosa, sendo as extremidades de uma tonalidade mais escura.

Uma entre 50 espécies

A erva-língua é apenas uma entre as mais de 50 espécies de orquídeas silvestres que ocorrem em Portugal, distribuídas em 15 géneros botânicos. Ao contrário do que muitos pensam, estas orquídeas não são exuberantes como as tropicais que vemos em floristas, mas possuem uma beleza subtil e uma biologia fascinante.

Os seus ciclos de vida são complexos e extremamente dependentes do seu habitat natural. Têm uma relação muito íntima com os polinizadores e dependem de fungos micorrízicos no solo para germinar, uma simbiose invisível, mas essencial.

Do ponto de vista ecológico, é particularmente impressionante o grau de especificidade na sua polinização. Muitas têm relações altamente especializadas com os seus polinizadores, sendo que algumas contam apenas com uma única espécie polinizadora.

Nas orquídeas, o pólen não se apresenta disperso como acontece em muitas outras plantas. Em vez disso, encontra-se concentrado em pequenas unidades compactas conhecidas por polinídias. Para que a polinização se concretize, os insetos, como as abelhas, vespas ou borboletas, são atraídos, muitas vezes ao engano, pelas flores (mimetismo) e, sem o saberem, acabam por levar consigo as polinídias aderidas ao corpo, transferindo-as para outras orquídeas durante as visitas seguintes. Após a frutificação, as orquídeas entram numa fase de dormência, armazenando recursos para se prepararem para o ciclo seguinte.

Estas relações íntimas revelam o quão refinadas são as adaptações que estas plantas estabeleceram ao longo do seu percurso evolutivo.

Um estatuto muito

As serapias lingua, tal como as restantes orquídeas silvestres, são indicadores valiosos da saúde dos ecossistemas, e a sua presença revela-nos o equilíbrio delicado entre solo, clima, vegetação e biodiversidade. No entanto, essa mesma especialização torna-as sensíveis e vulneráveis. A destruição do habitat, a colheita ilegal, o uso de herbicidas/pesticidas e a alteração das práticas agrícolas e de gestão dos ecossistemas são ameaças constantes.

Encontrar uma erva-língua ou outra orquídea é, por isso, sempre mais do que um simples registo botânico. É um sinal de que, ali, a natureza ainda fala connosco. E escutá-la exige apenas uma pausa e um olhar atento.

SABIA QUE…

Nome com raízes mitológicas
O nome do género Serapias tem origem no deus egípcio Serápis, associado à fertilidade. Esta designação pode estar relacionada com as formas sugestivas das flores e as propriedades afrodisíacas atribuídas a algumas orquídeas na antiguidade.

Refúgio térmico para insetos
As flores não produzem néctar, mas funcionam como pequenos abrigos onde insetos, como abelhas solitárias, pernoitam protegidos da humidade e do frio. Um exemplo de polinização sem recompensa, mas com benefício térmico.

Camuflagem e proteção das flores jovens

As folhas basais da Serapias lingua são verdes e lisas, contribuindo para a camuflagem e proteção das flores jovens. Esta morfologia ajuda a planta a integrar-se no ambiente circundante, reduzindo a probabilidade de ser detetada por herbívoros e aumentando as suas hipóteses de sobrevivência até à floração.

  • Erva-Língua

    Serapias língua

  • Planta

  • Género

    Serapias

  • Família

    Orchidoideae

  • Habitat

    Surge em prados naturais, clareiras de matos, relvados húmidos, pauis, e também em sistemas florestais abertos como azinhais, sobreirais e pinhais.

  • Distribuição

    Região Mediterrânica exceto Ásia menor, Chipre, Líbano e Israel

  • Estado de Conservação

    Segundo o UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza), todas as orquídeas são raras e devem ser preservadas. Esta espécie em particular, é considerada LC, pouco preocupante e também é protegida pelo CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção), anexo II.

  • Altura / comprimento

    10 a 60 cm de altura

  • Longevidade

    Espécie perene

Como protegemos a espécie?

A conservação desta e das restantes espécies de orquídeas silvestres requer uma proteção diferenciada de forma a manter-se o equilíbrio da biodiversidade. Esta espécie em particular já foi identificada nas propriedades da zona centro e sul do país e conscientes da importância ecológica e científica deste grupo, a Navigator adotou práticas de gestão diferenciada dos espaços, evitando ações de conservação entre o final de fevereiro e o mês de julho, período crítico para a floração, frutificação e dispersão das sementes destas orquídeas e condicionamento do uso de herbicida nas zonas com interesse para a conservação.

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