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Salgueiro-branco, um canivete suíço natural

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Uma das espécies de salgueiro que ocorre em Portugal, o salgueiro-branco (Salix alba) é um autêntico canivete suíço da natureza, com apetência para tão variadas funções como a estabilização dos solos, a alimentação para polinizadores e a inspiração para a criação de medicamentos – e ainda encontra tempo para inspirar artistas, tanto escritores, como pintores. Vamos conhecê-la?

Vimeiro, borrazeira ou seiceiro são alguns dos nomes populares que indicam a mesma espécie – o salgueiro-branco (Salix alba). Do género Salix, estas são espécies de arbustos e árvores com forte presença em bosques ou matagais ripícolas e zonas húmidas, em solos frescos e ensolarados.

E o portentoso salgueiro-branco é tão magnífico nos seus mais de 20 metros de altura como abaixo da terra. Propaga-se facilmente e de várias formas: cria novas raízes desde a raiz primária ou através de estacas ou galhos que, em contacto com o solo, criam raízes. Este sistema radicular robusto ajuda a estabilizar o solo e previne a erosão dos cursos de água.

O que distingue facilmente esta espécie das demais são as suas folhas. Caducas, tal como todas os Salix em Portugal, são lanceoladas – longas e dentadas, em forma de lança –, podendo até ser pilosas, medindo entre 10 a 12,5 centímetros. De cor verde-acinzentada na sua parte superior, a parte inferior é mais clara, esbranquiçada, de onde vai buscar o seu nome.

O seu tronco é acinzentado, fendido longitudinalmente em espécimes de mais idade. Apesar de a sua madeira não ser de alta qualidade, é utilizada no fabrico de brinquedos, harpas ou caixas e, além-portas, nas tradicionais socas holandesas, bem como em tacos de críquete, devido à sua capacidade de absorver o choque sem lascar. Os seus ramos, que conhecemos como vime, são bem conhecidos pela flexibilidade e confirmam a sua polivalência. Estas pernadas foram tradicionalmente colhidas de várias espécies e variedades de cultivo (cultivares) de salgueiro, inclusive de Salix alba. Dos ramos criavam-se cestaria e outros utensílios artesanais.

A floração dá-se na primavera, frequentemente antes ainda do surgimento das folhas. As inflorescências são compostas por cachos de flores amarelas (os amentilhos), as masculinas, ou verdes, as femininas, de onde surgem flores unissexuais, fornecem um néctar a que os polinizadores não conseguem resistir. O seu fruto é seco, uma cápsula loculicida, isto é, que abre através de fendas longitudinais e que alberga várias sementes que apresentam um tufo de pelos compridos na base, responsáveis pela dispersão das sementes, com a ajuda do vento.

De distribuição extensa, ocorre desde o Norte de África à Europa e à China. Em Portugal, predomina no centro e sul do país, sempre em zonas ribeirinhas.

A sua história entre os humanos e esta espécie vem de trás – muito de trás. Estávamos em 4000 a.C. e os Assírios já usavam extratos de folhas de salgueiro para tratar a febre e as dores musculoesqueléticas.

Mais tarde, em 1550 a.C. o salgueiro-branco volta a ser associado aos seus benefícios terapêuticos. O primeiro tratado médico egípcio, o papiro de Ebers, descreve 876 medicamentos naturais, derivados de plantas, em que se menciona o salgueiro-branco.

Apenas dando um enorme salto até ao futuro é que voltamos a falar do Salix alba, em 1828, altura em que se extraiu e purificou a salicina a partir da sua casca. A sua produção industrial foi alcançada 50 anos depois, com a formulação do ácido acetilsalicílico, o princípio ativo da aspirina, confirmando-se as suas características antipiréticas, anti-inflamatórias e analgésicas.

O emblemático salgueiro-branco
Pela sua ampla distribuição, o salgueiro-branco está presente em muitas das tradições e folclore de várias regiões do globo.

Os Antigos Romanos consagravam-no à deusa Juno, deusa dos deuses, mulher de Júpiter e protetoras das mulheres, do parto e do matrimónio. Uma clara associação às suas propriedades anti-hemorrágicas e antiabortivas.
Na China, o Salix alba está ligado à renovação, à vitalidade e à imortalidade, uma crença que advém do facto de uma estaca criar raízes facilmente, originando novas árvores, mesmo que colocada na terra com o caule invertido.

No budismo, um ramo de salgueiro-branco representa um bodhisattva da compaixão – um indivíduo iluminado. Já no cristianismo, ramos desta espécie são utilizados nas cerimónias do Domingo de Ramos e a sua presença faz-se notar em vários trechos da Bíblia.

O salgueiro começou a ser relacionado à tristeza entre os séculos XVI e XVII, pela forma como estão dispostos os ramos pendentes, quase prostrados. Simbolizava a dor de quem tinha perdido uma pessoa amada e coroas de ramos e folhas de salgueiro eram comummente utilizadas para demonstrar essa perda. Também a associação com a água, dos rios ou valas onde ocorre, se relacionam às lágrimas choradas. Estas associação perdurou no tempo e no XIX a espécie ainda era utilizada para decorar lápides.

Familiares, mas não gémeos

Várias são as caraterísticas que diferenciam as muitas espécies de salgueiros nativos que ocorrem em Portugal. No entanto, são também várias as caraterísticas que os unem, como veremos de seguida:

  • Árvore ou arbusto de ramos flexíveis
    Os ramos são flexíveis, embora nem todos apresentem a mesma elasticidade.
  • Faz bem à saúde

A maioria das árvores e arbustos contém salicina, uma substância natural que ajuda a aliviar dores e inflamações, semelhante ao ingrediente ativo da aspirina (o ácido acetilsalicílico)

  • Folhas compridas e alternadas
    As folhas crescem em posições alternadas ao longo dos ramos, ou seja, cada nova folha aparece um pouco acima da anterior. De formato ovalado ou de lança (longas e estreitas), conforme a espécie pode variar no comprimento;
  • Flores em árvores separadas
    Os salgueiros são dioicos: existem salgueiros masculinos e outros femininos, cada árvore tem apenas um tipo de flor;
  • Flores em cachos (amentilhos)
    As flores aparecem agrupadas em espigas alongadas chamadas amentilhos. Os amentilhos
  • Frutos leves e voadores
    Os frutos são como pequenas cápsulas com pelos. Lá dentro há sementes pequenas e fofas, parecidas com algodão, que se espalham com a ajuda do vento, uma característica partilhada com os choupos (Populus spp.)

Sabia que…

A família das Salicaceae é composta por 52 géneros e 1200 subespécies, distribuídas por dois géneros existentes em Portugal, Salix (os salgueiros) e Populus (os choupos). Além do salgueiro-branco, contam-se nesta lista o salgueiro-preto (Salix atrocinerea), a borrazeira-branca (Salix salviifolia) – sendo estas as espécies mais frequências, em Portugal –, o salgueiro ou vimeiro‑brózio (Salix neotricha), o salgueiro-com-folhas-de-amendoeira (Salix triandra), o salgueiro (Salix caprea), o Salgueiro-roxo (Salix purpurea), o salgueiro anão (Salix repens) – esta espécie considerada “Em Perigo” (EN) – e o salgueiro-das-areias (Salix arenaria), além dos exóticos Salix viminalis e o Salix babylonica.

Quanto à origem do nome Salix, acredita-se que derive da palavra celta sal, que significa perto, e lis, ou água.

Na arte, a sua presença é assinável. Em Hamlet, Shakespeare associa a morte de Ofélia a um ramo de salgueiro que se parte quando a personagem sobe a uma árvore, fazendo com que caia e se afogue num rio. Esta mesma cena serviu de inspiração para Sir John Everett Millais que a pintou entre 1851 e 1852. Pela sua presença nos Países Baixos e a sua presença assídua no cenário do país, Vincent van Gogh eternizou a espécie em vários quadros.

Por coexistirem plantas de muitas espécies e cultivares, facilmente se criam híbridos do género Salix que é complexo identificar. Por esta variedade, a sua descrição e classificação, identificando-se as espécies nativas do nosso território, é dificultada.

Além de todas as funções atrás descritas, pela sua beleza o salgueiro-branco é também usado como planta ornamental em jardins.

  • Salgueiro-branco

    Salix alba

  • Planta

  • Género

    Salix

  • Família

    Salicaceae

  • Habitat

    Zonas húmidas e ensolaradas, como bosques ou matagais ripícolas.

  • Distribuição

    A espécie ocorre desde o Norte de África à Europa e à Ásia. Em Portugal, apenas não ocorre nos planaltos beirões e transmontanos e na bacia do rio Guadiana.

  • Estado de Conservação

    “Não preocupante” (LC) a nível mundial, segundo informação do Lista Vermelha do IUCN.

  • Altura / comprimento

    Até 25 metros.

  • Longevidade

    Podem ultrapassar os cem anos.

Como protegemos a espécie?

O salgueiro-branco é uma espécie que cresce naturalmente junto às margens de rios e ribeiras, preferindo solos que se mantêm sempre húmidos ou até completamente encharcados.

Nas florestas geridas pela The Navigator Company, esta espécie está presente na composição florística de cursos de água, de Norte a Sul de Portugal. Em muitos casos, como espécie característica dos habitats naturais constantes na Diretiva Habitats de Salgueirais (tipo 92A0).

Nestes locais são estabelecidas faixas de proteção, onde não se mobiliza o solo, a circulação é condicionada e é privilegiado um princípio de intervenção mínima, apenas intervindo quando necessário para que a natureza se desenvolva de forma espontânea. Realizam-se algumas ações de manutenção e se necessário de restauro, para garantir o bom funcionamento do ecossistema e promover a estabilidade funcional do sistema. Também se monitoriza o estado de conservação dos habitats e se controla a presença de espécies invasoras, assegurando a preservação da biodiversidade local.

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