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A primavera nas florestas

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Para muitos, época de renovação e de renascimento, um reavivar das energias e um acordar inspirador para pintores e escritores; para outros, o começo da época das alergias – assim é a primavera, de todas as estações do ano a que tem o poder de despertar a natureza, fauna e flora, com o seu abraço caloroso após um longo inverno. Venha conhecer os efeitos transformadores da primavera nas florestas e como esta é prejudicada pelas alterações climáticas.

A primavera astronómica, que se iniciará formalmente em Portugal a 20 de março, assinala a altura do ano em que, no seu movimento de translação, a orientação do eixo de rotação do nosso planeta volta a estar perpendicular ao Sol, iluminando de igual forma o hemisfério norte e o hemisfério sul.

Também chamada de estação de transição (a par com o outono), a primavera presenteia-nos com dias sucessivamente mais longos, com o Sol a efetuar um arco maior e mais alto no céu, resultando numa maior radiação incidente – alguns dias primaveris são ainda bastante frios e chuvosos, mas outros são mais quentes, fruto do aquecimento da superfície terrestre pela radiação solar e que, ao ser irradiada, aquece a atmosfera do planeta.

É, por tudo isto, a estação em que mais se verifica a sazonalidade na diversidade biológica. Na primavera, a vida regressa às florestas, aos nossos próprios quintais e jardins. Observa-se a renovação da paisagem, marcando o final do período de dormência em que o único objetivo de parte das plantas e animais é sobreviver. No seu despertar primaveril, plantas veem brotar folhas e flores, novos rebentos, reiniciando a fotossíntese e alterando os ciclos de carbono, o que é comprovado através dos anéis de crescimento das árvores, que apresentam uma banda clara e de maior dimensão durante as estações da primavera e do verão.

Perante todas as alterações na natureza e a abundância de alimento que o calor desencadeia, os animais despertam, alguns reproduzindo-se, outros, como os polinizadores – tais como as abelhas, os pássaros ou os morcegos –, recomeçando a sua importante tarefa de disseminar o pólen e desencadear a reprodução das plantas.

Esta época é também altura de excelência para a proliferação de algumas espécies de fungos que, em meados de março, começam a frutificar, irrompendo dos solos. Destes cogumelos que crescem na primavera nas florestas, muitos surgem junto a espécies de árvores e plantas particulares, estabelecendo com estas uma associação micorrízica, isto é, uma relação simbiótica, benéfica para fungos e árvores: os fungos fornecem água e nutrientes à planta, e a planta retribui com compostos orgânicos, como o carbono.

Primavera nas florestas: que mudanças trazem as alterações climáticas?

Referimos já a primavera astronómica, mas existe ainda a primavera meteorológica, em que o padrão climático varia com a mudança de irradiação da Terra pelo Sol e ainda a primavera fenológica, que acerta o começo e o fim da primavera segundo os ciclos naturais da flora e da fauna de cada país. Nos dias que correm, não é raro ouvirmos notícias de que a subida da temperatura média está a fazer com que as flores despontem mais cedo e é esta estação fenológica que tem começado mais cedo a cada ano que passa: o ano passado, o programa Copernicus, dedicado à observação da Terra da União Europeia, registou que as amendoeiras de Málaga, no sul de Espanha, tinham florido no início de fevereiro, em pleno inverno. Um mês mais tarde, a 14 de março, a Agência Meteorológica do Japão informava que as cerejeiras de Tóquio começaram a florir, dez dias antes da data prevista, um recorde desde que há registo, depois de semanas em que a temperatura registada na cidade foi mais elevada do que o normal. Este ano, as previsões indicam a mesma data para a floração das sakura, como são chamadas as cerejeiras em flor, da espécie Prunus serrulata, no Japão.

Estas alterações estão interligadas com o aquecimento global e com os invernos menos rigorosos que se têm vindo a sentir – é, então, a forma do ritmo biológico das plantas reagir às alterações climáticas. Pela sua posição geográfica, a primavera fenológica em Portugal começa a sul do território.

Teoricamente falando, é a entrada da primavera, ou melhor, do calor que ela traz, que marca a época do ano em que as plantas podem sair do seu adormecimento invernal e retomar o seu crescimento, usufruindo de condições favoráveis ao seu desenvolvimento. A chegada prematura da primavera é uma das consequências da seca que, com o cessar das chuvas, faz com quem as plantas acordem antes do tempo suposto – menos precipitação significa menos nebulosidade, o que se traduz em mais horas de sol, e a amplitude térmica, com temperaturas mais altas durante o dia e noites mais frias, formam um conjunto de condições que confundem a Natureza.

Por vezes, a diferença pode parecer pequena, dias ou mesmo semanas, com disparidades consoante a região do país, mas são suficientes para promover o desequilíbrio dos ecossistemas, sobretudo se pensarmos nas consequências a longo prazo. Um ótimo exemplo desse desequilíbrio é a possibilidade de as flores que despontam demasiado cedo poderem ser danificadas por geadas tardias, surgindo uma incompatibilidade ecológica, uma desregulação entre espécies dependentes (como já acontece entre orquídeas e abelhas) que obriga a um ajuste das espécies que se deseja rápido.

Como já vimos, se por cá a primavera parece chegar cada vez mais cedo, isto não acontece em todo o mundo, com zonas a receber a estação depois do esperado. Mais uma vez, a influência da chegada tardia é também negativa para o funcionamento dos ecossistemas e exigirá adaptação por parte de fauna e flora, que despertam a diferentes ritmos dos habituais. Estes ajustes refletir-se-ão na abundância e distribuição das espécies, na composição das comunidades, estruturas dos habitats e processos ecossistémicos, aponta a Comissão Europeia.

Sobre este tema, a tese de mestrado de Diogo Raposo, que se debruçou sobre a resposta de carnívoros generalistas à abundância e padrão de atividade dos pequenos mamíferos em ambientes mediterrânicos, demonstrou que, nos murídeos (família de mamíferos roedores), a alteração na duração de horas com luz, precipitação reduzida e reduzida disponibilidade de recursos tróficos (a disponibilidade de alimentos) pode ter causado variações no padrão de atividade dos murídeos e levado até à diminuição de espécimes na primavera, demonstrando os efeitos das variações sazonais.

Estudos avaliam a causalidade entre primaveras mais longas, em que a flora desponta mais cedo e em maior quantidade, e , resultando numa maior absorção de água, o que intensifica o desaparecimento da humidade dos solos, e, consequentemente, solos mais secos, o que pode significar temperaturas mais elevadas perto do solo, verões prolongados (aponta-se para um dia por década) e extremamente quentes, e maior quantidade ou maior severidade nas ondas de calor. A médio prazo, o resultado serão verões secos, também eles mais longos e quentes. A vegetação precoce motiva perdas de água muito rápidas por via da evaporação para a atmosfera, acelerando o ciclo hidrológico. A este ritmo, e a longo prazo, numa questão de décadas, as alterações serão incontornáveis.

A primavera, sobretudo a fenológica, continuará a acordar também em nós a emoção de assistir, ano após ano, à Natureza a prevalecer sobre os rigores do inverno. É um convite sem hora marcada, mas que nunca falha e não cessa de nos brindar com tanta beleza: o despertar da biodiversidade está à vista de todos, nas florestas, nos jardins, nos quintais, independentemente da sua extensão.

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