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Andarão os animais a brincar aos médicos?

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Quando os animais ficam doentes o que é que fazem? Se pensarmos bem, as hipóteses são limitadas: não podem ir a um hospital, não podem chamar um médico, mas, se calhar… podem ir à farmácia. Será a natureza a sua farmácia a céu aberto?

No mundo animal, a automedicação é um comportamento surpreendentemente comum, demonstrando que a autopreservação nem sempre está ligada ao nível de inteligência, sendo os mecanismos os mais automáticos possíveis. São inúmeros os animais que possuem um vasto repertório de comportamentos medicinais que os ajudam a aliviar sintomas e a prevenir e tratar doenças. Contudo, nem sempre este comportamento é consciente, muitas vezes, é inato.

A automedicação, definida como o uso intencional de substâncias naturais por parte dos animais para prevenir ou tratar doenças, é um fenómeno documentado em diversas espécies. Este comportamento adaptativo e, normalmente, atribuído aos humanos, sugere que muitos animais desenvolveram mecanismos para lidar autonomamente com desafios de saúde, utilizando recursos disponíveis na natureza, a sua farmácia à disposição.

Cientistas e investigadores têm observado e registado cada vez mais casos de animais selvagens que recorrem à zoofarmacognosia, termo que descreve este comportamento e que deu também nome a este recente ramo da biologia.

A lista é cada vez mais vasta e diversificada, aparentemente englobando espécies que à priori nem se pensaria nelas. Das lagartas às aves, passando pelas moscas, borboletas, abelhas, ursos, cães e claro, os mais aprimorados nas lides farmacológicas, os primatas, todo o tipo de animais parece fazer uso dos benefícios da mãe natureza.

Um estudo publicado no International Journal of Applied Research refere que existem provas desta automedicação e que a mesma pode ser utilizada pelos animais de uma forma profilática ou terapêutica. Com a primeira, os animais previnem as doenças ou diminuem a sua probabilidade, com a segunda os animais já doentes utilizam de forma curativa as substâncias antiparasitárias, antitumorais, antivirais ou antibióticas das plantas.

Noutro estudo, pode também ler-se que a zoofarmacognosia varia em função do método de administração utilizado pelos diversos animais. O artigo publicado na Discover Magazine refere que a substância medicinal pode ser consumida, como as folhas de plantas utilizadas pelos chimpanzés, ou aplicada topicamente como o ácido fórmico a que algumas aves recorrem para aliviar picadas de piolhos.

Primatas: na vanguarda da aplicação farmacêutica

Entre os exemplos mais estudados estão os chimpanzés, que ingerem folhas de Vernonia amygdalina para combater infeções parasitárias. Estas folhas possuem propriedades antiparasitárias e antibacterianas. Os chimpanzés selecionam cuidadosamente estas plantas quando estão doentes, demonstrando um conhecimento adquirido e partilhado dentro dos seus grupos, sugerindo que a automedicação é um comportamento cultural e não apenas instintivo.

Em 2022, um orangontango de Sumatra, Rakus, foi observado a tratar um corte profundo que tinha na face com uma planta medicinal. O episódio e posterior estudo foi publicado na revista Scientific Reports. Apesar do episódio não ser novidade e reforçar o vasto conjunto de provas acumuladas ao longo dos anos, é inédito porque observa pela primeira vez um animal selvagem a tratar especificamente uma ferida aberta com uma planta com propriedades medicinais comprovadas.

As aves e o uso da nicotina

Algumas espécies de aves também apresentam comportamentos de automedicação notáveis. Um exemplo intrigante é o dos pardais e dos tentilhões nas cidades que adicionam pontas de cigarros quando estão a construir os seus ninhos. Estes materiais ajudam a afastar parasitas como ácaros e outros insetos, protegendo os ovos e as crias. Este comportamento destaca como as aves conseguem identificar substâncias com propriedades pesticidas naturais para beneficiar a sobrevivência da prole​.

Insetos Sociais: Defesa Antimicrobiana

Insetos sociais, como as abelhas e as formigas, são exemplos fascinantes de automedicação coletiva. As abelhas cobrem as suas colmeias com resina antimicrobiana de árvore para as manterem saudáveis e livres de infeções. As formigas-da-madeira incorporam resina microbiana na construção dos ninhos.

Golfinhos: Cuidados Dermatológicos com Corais

No ambiente marinho, os golfinhos demonstram um comportamento peculiar ao esfregarem-se em corais que possuem propriedades antibacterianas. Esta prática ajuda-os a prevenir ou tratar infeções cutâneas. Este comportamento é repetido de forma consistente.

As moscas-da-fruta e o uso de álcool

Outro exemplo interessante é o da mosca-da-fruta que deposita os seus ovos em álcool de frutas fermentadas para proteger a sua prole das vespas parasitas. Este comportamento revela que mesmo os insetos conseguem identificar substâncias químicas que reduzem a infestação parasitária, utilizando o álcool como mecanismo de defesa.

A automedicação no reino animal demonstra que muitas espécies desenvolveram estratégias complexas para manter a saúde e combater infeções de forma independente. Estes exemplos oferecem valiosas dicas para a ciência médica e enfatizam a importância de preservar os ecossistemas naturais que sustentam estas práticas. O estudo contínuo destes comportamentos poderá também inspirar novas abordagens terapêuticas na medicina humana. “Afinal os animais estudam medicina há muito mais tempo que nós”, afirma Jaap de Roode, professor assistente de biologia na Universidade Emory e principal autor do artigo Self Medication in Animals.

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