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E-DNA: um novo olhar sobre a biodiversidade

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O uso do e-DNA pode transformar a forma como monitorizamos a biodiversidade a longo prazo, fornecendo uma ferramenta eficiente para avaliar o impacto das práticas de gestão florestal e de restauro ecológico. Conheça como funciona a “investigação forense” ambiental e de que forma o futuro da conservação dos ecossistemas poderá estar, em parte, ligado ao sucesso desta metodologia, que promete beneficiar tanto a natureza como a sociedade.

Nos últimos anos, a crescente consciencialização sobre a importância dos ecossistemas e os serviços que estes proporcionam à sociedade tem levado ao desenvolvimento de novas abordagens para a sua preservação e valorização. Neste contexto, um projeto inovador de um grupo de empresas e entidades, do qual a Navigator, em parceria com a 2BForest e a SGS, faz parte, surge como um marco na criação de uma metodologia unificada de avaliação, valorização e certificação dos serviços de ecossistemas.

Este projeto insere-se no âmbito da Agenda Transform do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e visa não apenas desenvolver uma ferramenta robusta, mas também estabelecer uma base científica sólida para a tomada de decisões que promovam a sustentabilidade.

Os serviços de ecossistemas, definidos como os benefícios diretos e indiretos que a natureza oferece ao ser humano, incluem desde a purificação da água, a regulação do clima, até o suporte à biodiversidade e a provisão de recursos naturais. Contudo, a medição e a valorização monetária destes serviços permanecem um desafio. Por isso, a 2BForest e a Navigator têm como objetivo principal testar novas metodologias, como o e-DNA, para “demonstrar de forma clara e científica o impacto positivo das práticas de gestão florestal na preservação da biodiversidade e nos serviços prestados pelas florestas nacionais”, afirma Susana Brígido, diretora da empresa.

O projeto, embora ainda em fase inicial, já está a abrir novas portas para a valorização e certificação dos serviços de ecossistemas em Portugal, colocando o país na vanguarda da monitorização ambiental baseada em ADN. Com os resultados da primeira fase previstos para as próximas semanas, existe a expectativa de que “seja possível não só divulgar junto da sociedade a importância da certificação de serviços de ecossistemas e da gestão sustentável das florestas, como também dar destaque à inovação e ao progresso nas ciências biológicas, testando a utilidade das análises de e-DNA para a certificação de SE segundo as normas FSC®”, reitera Susana Brígido.

O que é o e-DNA?

O e-DNA, ou ADN ambiental, é uma técnica revolucionária que permite identificar as espécies presentes num habitat através da análise de pequenas amostras de solo, água, ar ou vegetação. António Mendes, perito da https://www.sgs.com/en/sgs-global-biosciences-center e responsável pela implementação desta tecnologia no terreno, explica que “todos os organismos vivos deixam vestígios de ADN no ambiente que os rodeia, através de células mortas, fluidos, fezes e outros materiais biológicos”. O método permite recolher essas amostras, sequenciar o ADN e identificar as espécies que habitam ou passam pelo local.

Esta técnica tem sido comparada a uma “investigação forense” ambiental, onde, tal como numa cena de crime, pequenos fragmentos de provas são recolhidos e analisados para identificar os responsáveis — neste caso, as espécies. “É uma forma rápida e eficaz de obter uma visão abrangente da biodiversidade de uma área sem a necessidade de observação direta ou captura de organismos”, refere António Mendes.

A aplicação do e-DNA oferece várias vantagens em relação aos métodos tradicionais de monitorização da biodiversidade. Primeiro, a sua capacidade de deteção é mais ampla, permitindo identificar espécies difíceis de observar, como polinizadores noturnos ou crípticos. Além disso, é uma técnica não invasiva, que não requer a captura de animais ou plantas e pode ser realizada de forma rápida, o que reduz significativamente o tempo de trabalho no campo.

Outro benefício crucial é a sensibilidade e especificidade desta análise, que não se limita a uma classe específica de organismos. “Os dados recolhidos podem ser analisados em simultâneo, fornecendo uma visão holística da biodiversidade”, comenta António Mendes. Isto significa que, ao analisar o ADN presente no solo, na água e no ar, é possível identificar desde microrganismos até vertebrados, incluindo mamíferos, aves, répteis e insetos.

Aplicação prática do e-DNA no projeto

Neste projeto, as amostras serão recolhidas em duas propriedades no norte de Portugal, nomeadamente no concelho de Arouca (RN2000- ZEC Rio Paiva (PTCON00059)). Os dados obtidos permitirão uma comparação entre áreas de produção florestal e zonas de conservação, apoiando a tomada de decisões mais informadas sobre a gestão sustentável destes habitats e dos seus recursos naturais.

São reunidas amostras de vegetação, que incluem folhas, flores e outras partes das plantas, assim como amostras de água presentes nas florestas, ar e solo, num transecto ao longo de toda a floresta.

Com esta análise de eDNA, espera-se obter um grande conjunto de dados sobre o número e a diversidade de espécies que residem ou utilizam estas florestas. Com as amostras de solo, será efetuada uma caracterização global da biota do solo, incluído o microbioma, ou seja, as populações de bactérias e fungos ali presentes, mas também da comunidade de invertebrados. Esta visão detalhada da biodiversidade destas florestas permite expor a riqueza e a diversidade destes ecossistemas.

Da mesma forma, a tecnologia mostra-se igualmente relevante na deteção precoce de espécies invasoras e pragas, podendo ajudar a implementar medidas de controlo e mitigação, antes que existam danos significativos nos ecossistemas.

O objetivo central do projeto é desenvolver uma forma de calcular serviços fornecidos pelos ecossistemas, de forma consistente e padronizada, por concelho e mapeá-los. A proposta é inovadora, pois abrange tanto a avaliação técnica dos ecossistemas, como a sua valorização no contexto económico e social. “Estamos a criar um caminho novo e a testar tecnologias inovadoras que poderão moldar a forma como monitorizamos e gerimos os nossos recursos naturais”, afirma Susana Brígido.

O uso do e-DNA combinado com Sistemas de Informação Geográfica permitirá uma monitorização mais precisa e eficiente dos ecossistemas, reforçando a credibilidade dos dados usados na certificação FSC® (Forest Stewardship Council®) dos serviços de ecossistemas. Esta certificação é um selo de qualidade ambiental que reconhece práticas de gestão florestal sustentável e contribui para aumentar o valor das propriedades florestais.

A certificação FSC® dos serviços de ecossistemas tem benefícios múltiplos, incluindo a valorização da conservação da biodiversidade, proteção dos recursos hídricos e sequestro de carbono, fatores que, em conjunto, aumentam a viabilidade económica das florestas. A certificação dos serviços de ecossistemas poderá, assim, ser uma ferramenta importante para atrair investimento verde e promover a responsabilidade ambiental.

À medida que o e-DNA evolui, será também possível apoiar a criação de mercados de créditos de biodiversidade (ferramenta para promover o maior financiamento privado para o cumprimento dos objetivos de restauro ecológico e estratégia europeia da biodiversidade), onde as práticas e ações ambientais das empresas são avaliadas e recompensadas com base em dados concretos sobre a sua atividade na preservação e aumento da biodiversidade. Isto pode ser um enorme incentivo para uma maior adoção de práticas sustentáveis e para melhorar a responsabilidade ambiental em inúmeros sectores.

Desafios e benefícios da implementação

Tanto a The Navigator Company como a 2BForest estão a colaborar estreitamente com a SGS para garantir que este projeto traga resultados científicos sólidos e, ao mesmo tempo, impactos positivos duradouros na gestão dos ecossistemas florestais. Para a SGS, o desenvolvimento desta metodologia é também uma oportunidade para testar e melhorar a sua ferramenta de e-DNA, uma tecnologia ainda emergente e com grande potencial de crescimento.

Existem ainda limitações ao uso do e-DNA, sendo uma das principais a falta de informações sobre a idade, condição ou comportamento dos organismos detetados. Além disso, a análise de e-DNA requer equipamentos de laboratório e conhecimentos especializados em bioinformática para interpretar os dados, estando dependente da informação disponível nas bases de dados de referência para a identificação das espécies. Por isso, há possibilidade de a identificação de algumas espécies ser potencialmente limitada pela falta de sequências de referência nas bases de dados.

Contudo, António Mendes afirma que “é um método fiável e validado, com um histórico comprovado de sucesso em diversos contextos ecológicos e em várias partes do globo, que vai continuar a evoluir e a melhorar, estabelecendo-se como uma das ferramentas mais poderosas para a monitorização da biodiversidade e a gestão ambiental de que dispomos atualmente”. Os desafios não são poucos, mas o futuro é promissor.

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