Biohistórias

Conservação

Da fotoarmadilhagem às redes de neblina

Como sabemos quais as espécies que temos em Portugal, em que regiões se encontram e qual a sua abundância? Conhecer esta informação com 100% de detalhe em todo o território é missão impossível, mas há várias abordagens e equipamentos que ajudam a identificar que espécies ocorrem em determinadas áreas de amostragem. Conheça alguns exemplos usados para detetar mamíferos, da fotoarmadilhagem às redes de neblina.

Consoante a ordem, família e até espécie de mamíferos em estudo há diferentes técnicas e ferramentas que podem ajudar a estimar a sua presença e abundância num determinado território. Uma das mais usadas para identificar os mamíferos de médio e grande porte, como os lobos, raposas, veados ou javalis, é a fotoarmadilhagem.

Com máquinas acionadas automaticamente pelo calor e movimento, é possível fotografar ou filmar os animais sem criar perturbações e, inclusive, conseguem-se captar os animais de hábitos noturnos que, no caso dos mamíferos, são uma maioria. As máquinas, hoje relativamente acessíveis, têm uma cinta que permite prendê-las em troncos ou ramos e o tipo de registo pretendido – foto ou vídeo – é previamente definido.

Já para identificar mamíferos mais pequenos, cujas características são mais difíceis de distinguir por fotografia ou vídeo, outras técnicas podem ser usadas, individualmente ou de forma complementar à fotoarmadilhagem. É este o caso das armadilhas de captura. Apesar do nome, são inofensivas: assemelham-se a pequenas gaiolas, cuja porta fecha após a entrada do animal. Entre diferentes modelos, as armadilhas Sherman (para animais mais pequenos, como os ratos) e as Tomahawk (para animais um pouco maiores, como os gatos selvagens) são as mais conhecidas.

Ao contrário da fotoarmadilhagem, em que uma máquina pode recolher imagens de vários animais (e de diferentes espécies) no seu “campo de visão”, cada armadilha só recolhe um mamífero de cada vez e implica uma monitorização mais regular. No entanto, com a armadilha é possível observar o animal – pesá-lo, medi-lo e recolher outros dados biométricos – ou, se for o caso, marcá-lo (colocando-lhe um microchip, brinco ou tatuagem) e recolher amostras biológicas (por exemplo, sangue ou pelagem) que permitam saber mais.

Diferentes abordagens servem diferentes objetivos, mas quando o propósito é aprofundar o conhecimento sobre dada espécie e as suas populações, estas técnicas e equipamentos podem ser conjugados e juntam-se-lhes muitos outros, desde a observação de estruturas que indicam a presença dos animais, como as tocas, à recolha de amostras de dejetos ou mesmo da saliva deixada em restos de presas (que permitem identificar quem a capturou). A análise genética destas amostras pode dar pistas sobre aspetos bastante mais complexos, como o fluxo genético (cruzamentos) entre diferentes populações.

A conjugação de diferentes técnicas tem ajudado a identificar também os mamíferos voadores, ou seja, os morcegos. A observação direta, a recolha de vocalizações, com um detetor de ultrassons e um gravador digital, por exemplo, e a captura direta ou com recurso a instrumentos, como redes de neblina, de dossel ou tipo harpa (nestas últimas, ao tentar passar pelos fios, o morcego cai em bolsas de recolha), são exemplos.

Refira-se que as redes de neblina são das “ferramentas” mais usadas para o estudo dos morcegos (e também das aves): feitas de uma malha muito fina, são facilmente colocadas entre árvores a pouca distância do chão e tornam-se praticamente invisíveis, prendendo os animais que por elas passem. O método implica uma monitorização regular para evitar que os morcegos se libertem ou magoem.

Infelizmente, estas mesmas redes, que dão uma ajuda ao conhecimento que nos trazem os biólogos, ornitólogos e conservacionistas, têm sido usadas, em alguns países, para captura ilegal de morcegos e aves, depois transacionados no mercado negro.

Fotoarmadilhagem

Sabia que…

  • Não existe, em Portugal, um sistema único para inserir a informação que vai sendo recolhida sobre as diferentes espécies. Para Nuno Negrões, que integrou a equipa do novo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental (2019-2022), esta é uma lacuna que precisa de ser colmatada. “Faz falta um sistema único, que possa ser alimentado de forma contínua pelos diferentes projetos que decorrem e até por particulares”, refere o investigador. Este sistema implicaria uma instituição que criasse e gerisse o sistema e que procedesse à validação de dados, mas permitiria um conhecimento muito mais amplo e consistente sobre a biodiversidade em Portugal.
  • Existem vários sites portugueses e internacionais (não oficiais) de registo de espécies para os quais, desde que se respeitem os critérios definidos pelos promotores, qualquer cidadão pode contribuir. São exemplos o biodiversity4all e o eBirds. Com um simples telemóvel, podem fotografar-se centenas de espécies florísticas, enquanto com uma câmara de fotoarmadilhagem os animais podem juntar-se à coleção. Atualmente, uma câmara de armadilhagem pode adquirir-se por cerca de 100 euros.
  • Boa parte dos levantamentos de espécies em Portugal – por amostragem ou censo – são efetuados por equipas científicas e organizações não governamentais (ONG), que trabalham de forma coordenada com o ICNF –Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Focam-se habitualmente numa espécie ou grupo de espécies e, em muitos casos, necessitam do apoio da comunidade. Por exemplo, participar na identificação e contagem de aves e borboletas é possível em projetos de várias ONG, a exemplo da SPEA – Sociedade Portuguesa do Estudo das Aves e da Tagis – Centro de Conservação de Borboletas em Portugal.
Fotoarmadilhagem

Como identificamos os animais nas florestas Navigator?

 

A The Navigator Company desenvolve um programa anual de monitorização, por amostragem, nas áreas reconhecidas como tendo valores naturais mais relevantes, como por exemplo, naquelas onde estão previamente identificados habitats e espécies ameaçadas e protegidas.

Este trabalho de avaliação é apoiado por parceiros externos especializados e recorre à Avaliação Rápida de Biodiversidade, metodologia que faz a caracterização física e biótica de dada área durante determinado período de tempo. Neste âmbito, são aplicadas diferentes abordagens.

Para os vários grupos de fauna são implementados pontos de observação e escuta, procedendo-se também à busca ativa de animais e de indícios da sua presença, que são assinalados por georreferenciação (GPS). Esta informação é, sempre que possível, complementada com a realização de transetos – definindo-se faixas de terreno nas imediações dos pontos assinalados (e/ou em pontos consecutivos) ao longo das quais são registados e contabilizados os animais avistados.

Durante estes trabalhos são aplicados vários dos instrumentos acima referidos. Para a identificação de mamíferos a fotoarmadilhagem é um deles. Nuno Rico, responsável pela conservação da biodiversidade na The Navigator Company, explica porquê: “os mamíferos raramente aparecem de dia e resguardam-se quando sentem a presença humana, pelo que a fotoarmadilhagem permite-nos ter registos noturnos”. E acrescenta que “no mínimo, as câmaras têm de ficar cerca de 14 dias numa zona para conseguirmos ter uma ideia aproximada das espécies que lá existem. Em Vale de Beja, por exemplo, tivemos câmaras que permaneceram por três meses, sempre a tirar fotos”.

Em projetos científicos específicos nos quais a Navigator participa têm sido usados também outros instrumentos. Por exemplo, no WildForests, que estuda os mamíferos em florestas plantadas, estão a ser usadas armadilhas de captura para estudar os pequenos mamíferos (foto acima).

No caso da Quinta de São Francisco, propriedade emblemática com objetivos de conservação e divulgação do património histórico-natural, também têm sido feitas monitorizações da diversidade biológica – de fauna e flora – algumas com recursos próprios e outras apoiadas por especialistas externos, da Universidade de Aveiro, por exemplo. A fotoarmadilhagem é uma das técnicas aplicadas, mas muitas outras a complementam, consoante o grupo de seres vivos em estudo. Por exemplo, no primeiro levantamento de entomofauna (insetos), em 2022, foram usadas redes de varredura, armadilhas pitfall e cromotrópicas, entre outras “ferramentas” próprias para o estudo destes pequenos voadores.

setembro 2022

Temas: