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Gastronomia micológica: da floresta para o prato

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Deliciosas iguarias que incluem o cogumelo como ingrediente podem não ser uma novidade, mas um restaurante com um menu completo – é verdade, leu bem – dedicado aos fungos, exaltando as suas características e frescura, pode ainda surpreender alguns comensais. O Biodiversidade falou com o chef Luigi Pintarelli acerca da gastronomia micológica e do seu projeto, o restaurante Santa Clara dos Cogumelos.

Já ouviu falar no conceito de gastronomia micológica? No Mercado de Santa Clara, em plena capital, o restaurante Santa Clara dos Cogumelos, o “templo do cogumelo em Lisboa” diz logo ao que vem: não entre pelas suas portas aquele que não vier pronto a deliciar-se com uma variedade de pratos consagrados aos saborosos fungos. E são muitas as surpresas que os cogumelos escondem, como nos conta o chef italiano Luigi Pintarelli, que os apanha com as suas próprias mãos e os transforma nos sabores surpreendentes que se degustam no prato.

As boas ideias surgem, muitas vezes, quando menos se espera: em 2013, em plena crise económica no nosso país, Luigi decidiu mudar de vida e aliar duas das suas paixões, a cozinha e a micologia. Nascia este projeto que “não estava, certamente, na moda”, recorda. E pode mudar de opinião um “país micófobo”? “No início, os nossos clientes eram só lisboetas. Os turistas e os micófilos estrangeiros vieram depois”, explica-nos, confessando que “ajudou, obviamente, a originalidade da proposta e a consequente curiosidade, numa altura de escassas propostas gastronómicas novas, em Lisboa”.

A decisão de se lançar nesta área tão específica, que agora apelida de naïf, tem dado os seus frutos e permitido a Luigi fazer o que mais gosta, neste processo: apanhar cogumelos. “Além do contacto com a natureza e com as florestas, há algo de ‘mágico’ na experiência”, desvenda com entusiasmo. É um gosto que nutre desde criança, altura em que aprendeu a identificar as primeiras espécies de fungo. Desde então, continuou a querer saber sempre mais, a aprofundar os seus conhecimentos e a relação com a natureza, porque “a experiência no campo é fundamental para conhecer os habitats e para tentar interpretar os muitos fatores que determinam a frutificação dos cogumelos.”

Voltemos à mesa. Se há algumas espécies de cogumelo que vão começando a integrar alguns pratos de restaurantes que não lhes dedicam todo o menu, no restaurante Santa Clara dos Cogumelos têm lugar todas as espécies, desde as mais conhecidas a outras, diferentes e novas ao palato. De todos os pratos que são servidos – desde o risotto Santa Clara, com Boletus edulis e Cratellus cornucopioides desidratados (as trompetas da morte), ao húmus com Lactarius deliciosus e melaço de romã, até à mistura de mais de 15 espécies silvestres (entre elas Russula, Amanita, Calocybe, Armillaria, Cantharellus, Boletus) com polenta cremosa, parmesão e castanhas –, Luigi destaca um “mais rústico e menos gourmet: um lento guisado de muitas espécies ‘menores’ diferentes. Mesmo depois de horas a cozinhar sentem-se as diferentes texturas e conseguem-se distinguir as espécies”.

Gastronomia micológica varia ao longo do ano

Antes de se aventurar na caça ao cogumelo, é importante perceber que a época certa resulta da junção de alguns fatores como a latitude em que nos encontramos, ou a precipitação que caiu logo a seguir ao verão. Em novembro, a época principal da frutificação, comprova-se no terreno se as condições meteorológicas dos meses anteriores foram ou não as ideais.

É precisamente até esta altura, o início do outono, que frutificam as espécies termófilas, até ao início do tempo frio, altura em começam a frutificar novas espécies pelo inverno fora até ao início de janeiro. Compreende-se bem a relação direta e inquebrável entre a disponibilidade dos fungos em cada estação do ano.

Luigi partilha como as estações do ano influenciam os habitats em que proliferam e, logo, as espécies que apanha e os pratos que confeciona no restaurante.

Inverno/primavera | Amanita ponderosa
Amanita ponderosa, espécie também conhecida por Silarca, encontra-se a sul do país e, segundo o chef, é uma espécie “bastante ‘técnica’ e que requer uma experiência própria e muito trabalho de prospeção”.

Primavera/início do verão | Calocybe gambosa e Morchella esculenta
Depois das primaveras com mais chuvas, podem encontrar-se Boletus e Cantharellus, que nem sempre Luigi consegue trazer para as suas mesas. Já outros, como Calocybe gambosa e Morchella esculenta, que ocorrem no norte de Portugal, são primaveris e de mais fácil apanha.

Final do verão | Laetiporus Sulphureus
Em setembro, “por razões misteriosas”, surge uma espécie parasita com grande potencial gastronómico, Laetiporus sulphureus.

No final desta conversa surge a pergunta que se impõe: mas até nas sobremesas se utiliza o cogumelo, no restaurante? A resposta é: claro! E se a reação inicial do público foi um “Isso não pode funcionar!”, como relembra o chef, quando se ultrapassam os preconceitos, “algumas combinações funcionam muito bem”. Se dúvidas persistirem, Luigi abre, assim, o apetite até dos mais relutantes: “O caso clássico são os Boletus que, quando desidratados, adquirem um aroma próximo ao cacau e aos frutos secos. Outros, os Cantharellus, são lendariamente pré-anunciados nos bosques pelo seu aroma a damascos”. Quem resiste a pôr à prova a gastronomia micológica nascida na floresta?

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