Biohistórias

Florestas

Ordenamento florestal: maior resiliência, mais biodiversidade

Temas:

Muito se fala sobre a necessidade de ordenar e gerir a floresta. Uma floresta ordenada é mais biodiversa é menos vulnerável aos muitos perigos que a ameaçam, sejam eles a desertificação ou o fogo. Esta resiliência surge da conjugação com mosaicos agrícolas, agroflorestais e silvopastoris. Ordenar a floresta contribui ainda para o enriquecimento do país, criando condições para que as populações se fixem no seu interior. Saiba mais sobre a importância do ordenamento florestal.

No princípio do século XIX, a floresta portuguesa ocupava apenas 6,9% do território, como é referido na obra “Memória sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques em Portugal”, datada de 1815. Fruto do crescimento demográfico, que obrigou a ir buscar à floresta a madeira para usar como fonte de combustível e matéria-prima para a construção naval e a expansão, esta foi-se degradando. Os primeiros esforços para contornar a perda florestal já tinham surgido em 1565, com a Lei das Árvores, em que se determinava a arborização de terrenos incultos, baldios e particulares. Mais tarde, em 1824, foi criada a Administração Geral das Matas do Reino, que se ocupava da gestão e da conservação das áreas florestais – o predecessor do atual Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Hoje, a floresta ocupa mais de um terço do território português, ou seja, mais de três milhões de hectares, 36% desta área ocupada por espécies autóctones, como carvalhos, incluindo sobreiro e azinheira e os restantes são ocupados por uma floresta mista de nativas e exóticas, das quais o eucalipto e a nogueira-negra são exemplos.

O desordenamento do território e da paisagem levam a consequências como o não aproveitamento do valor económico proveniente da floresta, o consequente abandono do interior do país e outra, igualmente evitável, o aumento do risco de incêndio. A resiliência que o ordenamento florestal garante é tanto mais importante ao serem colocados os efeitos das mudanças climáticas em perspetiva: se a meta do Acordo de Paris for cumprida e se a temperatura média da Terra aumentar apenas um grau centígrado este século, isto significa que Portugal enfrentará um risco de incêndio florestal seis vezes superior ao de até aqui.

Gestão ou ordenamento florestal: as diferenças 

Se ordenar a floresta é organizá-la no território, percebendo as ligações que a conectam à sociedade, gestão florestal relaciona-se com a utilização racional dos recursos florestais com metas identificadas.

Na gestão florestal, o objetivo é harmonizar as funções de produção, proteção, conservação, silvopastorícia, caça e pesca, lazer e paisagem dos espaços florestais, enquanto são conservados os recursos existentes e os ecossistemas, bem como as necessidades da sociedade.

Já o ordenamento florestal, cujo conceito é oriundo na Europa Central, concentra-se na gestão florestal sustentada, concentrando-se, sobretudo desde os anos 60, em integrar a ecologia e a socieconomia para estruturar as áreas florestais, tendo em conta a ocupação do território. A utilização do território para as diferentes funcionalidades, deriva das relações sócio-económicas e da aptidão geográfica, em que idealmente as necessidades da sociedade são satisfeitas pelo melhor uso potencial, definindo as áreas urbanas, industriais, agrícolas, florestais e de conservação hídrica e de biodiversidade. È um processo complexo que se vai alterando no tempo, e para o qual o Estado atua como regulador com a legislação que permita conciliar e minimizar as naturais tensões que se geram nas diferentes regiões do país. A floresta não +e isenta a esta dinâmica, e adaptou-se às diferentes mudanças da sociedade, sendo atualmente reconhecida a capacidade da floresta de responder ao uso múltiplo que se traduz no conceito de serviços do ecossistema.

Quais os instrumentos legais de ordenamento florestal ?

A Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de agosto) afirma de forma inequívoca que todos os cidadãos são responsáveis pela conservação e proteção da florestação, pela sua diversidade e natureza dos bens e serviços que proporciona. A mesma lei refere ainda que o uso e a gestão florestal devem ser feitos de modo sustentável, focados em responder às necessidades das gerações presentes e futuras. Para materializar esta política florestal, foram criados vários instrumentos de política setorial e de gestão territorial.

Os PROF – Planos Regionais de Ordenamento Florestal (Decreto-Lei n.º 204/99, de 9 de junho), igualmente previstos na Lei de Bases da Política Florestal, abrangem todo o país e estabelecem regionalmente os princípios que regulam as intervenções nos espaços florestais, da silvicultura à gestão de recursos e definindo as espécies e promover em ações de expansão e reconversão de espaços florestais. Para colocar em prática os PROF, foram criados os Planos de Gestão Florestal (PGF), ajustados a cada plano regional.

Portugal definiu, através do Decreto-Lei n.º 16/2009, a existência deste instrumento de ordenamento florestal. Os Planos de Gestão Florestal (PGF) são adaptados às características de cada propriedade e têm como objetivo o planeamento de ações de intervenção relativas a recursos naturais ou de caráter cultural, visando a produção equilibrada de bens ou serviços. Implementar estes PGF é, aliás, obrigatório em explorações públicas e comunitárias, Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) e algumas explorações privadas. De acordo com o Perfil Florestal do ICNF (dados de 2018), os Planos de Gestão Florestal (PGF) entretanto aprovados abrangiam cerca de 31% da área florestal do território de Portugal continental.

Ordenamento florestal nasce no terreno

A Biond – Associação das Bioindústrias de Base Florestal, que representa vários associados, de entre os quais a The Navigator Company, tem em prática no terreno, neste momento, quatro programas operacionais para aumentar a sustentabilidade e a produtividade da floresta, demonstrando a coexistência entre as esferas ambiental, económica e social. Os seus objetivos prendem-se como o aumento da biodiversidade através da replantação de várias espécies, o aumento do rendimento de pequenos proprietários florestais, a organização e o ordenamento florestal nacional, prevenindo os fogos. O princípio comum destas ações é serem previamente discutidas e desenhadas com os beneficiários e agentes da floresta. A Biond atua como um veículo transformador e agregador de vontades partilhadas. São eles:

Limpa e Aduba

Parte do Projeto Melhor Eucalipto, o Programa Limpa e Aduba visa o incentivo da adoção de boas práticas de manutenção dos povoamentos de eucalipto, com o fim de reduzir o risco de incêndio e, ao mesmo tempo, melhorar a produtividade florestal. O programa apoia ainda os produtores florestais a cumprir os requisitos da certificação florestal, fornecendo o adubo e apoiando o serviço de adubação. Os aderentes ao projeto ultrapassam a dezena de milhar, com mais de 90 mil ha intervencionados.

Replantar

O programa-piloto “Replantar Pedrogão”, uma parceria com a APFLOR – Associação dos Produtores Florestais do Concelho de Pedrogão Grande, foi colocado em prática através de duas campanhas, a primeira na primavera de 2021 e a segunda no ano seguinte. Pretende rearborizar as áreas ardidas, tendo agregado parcelas de mais de 40 pequenos proprietários que aderiram voluntariamente a este programa, procurando uma maior produtividade, biodiversidade e resiliência dos seus terrenos florestais. Rearborizaram-se cerca de 130 hectares de floresta ardida com espécies como o pinheiro-bravo, o medronheiro, o eucalipto e o carvalho. Foram também criados 54 quilómetros de aceiros (faixas de terrenos à volta de propriedades que abrem caminhos sem material vegetal combustível) e caminhos.

Programa de Recuperação de Ardidos

Para apoiar na transformação dos terrenos ardidos, este programa identifica e carateriza terrenos, ajuda a recuperá-los e a torná-los mais resilientes aos incêndios, agilizando a gestão florestal ativa e trazendo todo o valor que se pode obter do ordenamento florestal: valor social, económico e ambiental, com benefícios para proprietários e sociedade. O “Programa de Recuperação de Ardidos de Mortágua” é um bom exemplo deste projeto em ação, beneficiando 220 proprietários florestais, identificando e caracterizando 900 parcelas de terreno e intervencionando mais de 500 hectares de floresta.

Melhor Floresta

O projeto Melhor Floresta é um projeto colaborativo abrangido na Agenda mobilizadora TransForm que conta com o apoio do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR). Existem três áreas-piloto e 15 Campos de Demonstração, zonas em que estão a ser aplicadas as melhores práticas silvícolas para que seja possível a renovação florestal, a redução do disco de incêndio e o controlo de espécies invasoras, pragas e doenças. Deste programa nascerá uma plataforma digital que poderá ser utilizada como uma base de dados de boas-práticas florestais, para que o conhecimento seja partilhado e se incentive a qualificação de agentes do setor e empresas florestais (PME).

Existem outros processos em curso levados a cabo por OPFs (ex: OFA, APFBV) e empresas (ex: Unimadeiras) que mobilizam os proprietários para a gestão agrupada e para a gestão florestal sustentável, que não tendo apoios públicos, são processos que nasceram das comunidades, contam com apoios privados (ex: Navigator Company), e já reúnem centenas de proprietários e milhares de hectares neste regime de gestão. São bons exemplos de ordenamento e gestão florestal de plantações florestais com fins múltiplos.

Melhor floresta para 2025

A proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2025 reforça a necessidade de preservar e floresta, bem como reduzir os ricos de incêndio, apoiando o Programa de Transformação da Paisagem, os sapadores florestais e iniciativas relacionadas com o ordenamento do território. Simplificar para melhor implementar é o plano de ação do Governo que define, entre as prioridades:

  • Promover a execução dos investimentos previstos no PRR para que sejam colocadas em prática, de forma rápida e eficiente, ações com vista ao ordenamento e à produtividade da floresta, indo ao encontro de uma maior resiliência dos territórios a vulnerabilidades tais como os incêndios rurais;
  • Simplificar os processos no setor florestal, fomentando a gestão florestal sustentável e a resiliência florestal;
  • Reforçar a importância das organizações de produtos florestais e de outros agentes do setor florestal.

A rentabilidade é o motor essencial para um maior investimento e um renascer da floresta. Ordenada e mais resiliente, mais atrativa para os jovens que conseguem obter um retorno desta gestão por forma a reinvestir na floresta e na produção, mas também na conservação da sua biodiversidade, é o maior dos desafios que a floresta portuguesa enfrenta nesta e nas próximas décadas. Se a floresta portuguesa foi plantada pelo Homem, que seja a mão do Homem a ordenar o que ajudou a plantar.

Temas: