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Biodiversidade nas florestas: muito além do nosso olhar

A maior parte da vida terrestre encontra-se nas florestas, lembra o relatório “Estado da Floresta no Mundo 2022”, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), que recorda também: a biodiversidade nas florestas é a mais vasta, não apenas em relação à diversidade de espécies, mas também à variedade genética e de ecossistemas.

31% da superfície terrestre do planeta está coberta por florestas – o equivalente a cerca de 4 mil milhões de hectares – e é nelas que se encontra a maior diversidade terrestre do nosso planeta. Como refere o relatório da FAO, as florestas que albergam 80% das espécies de anfíbios, 75% das espécies de aves e 68% das espécies de mamíferos.

São milhões de espécies, cada uma com as suas funções e interações e da continuidade destas funções e interações depende a variedade e sucessão das populações, assim como o equilíbrio dos ecossistemas. Só se soubermos quem são, como agem e como se relacionam os habitantes da floresta — dos insetos à vegetação — poderemos traçar estratégias eficazes para a sua conservação.

As árvores são os elementos estruturais das paisagens florestais e, a partir delas, podemos descobrir uma imensidão de habitats e espécies que se sucedem, desde o subsolo, onde estão ancoradas as raízes, até ao topo das copas mais altas.

Logo acima do solo e a coberto das copas, onde a nossa visão permite uma melhor observação, estão centenas de espécies com que estamos familiarizados, incluindo plantas herbáceas, lianas e trepadeiras, arbustos e árvores, musgos e líquenes, répteis, anfíbios, mamíferos, aracnídeos, insetos… São, no entanto, uma ínfima parte das que vivem a este nível.

A biodiversidade nas florestas é ainda mais surpreendente junto às raízes, onde não a vemos. No solo, a vida é maioritariamente microscópica, composta por milhares de milhões de seres vivos, incluindo pequenos invertebrados, bactérias, fungos e muitos outros micro-organismos. Estima-se que mais de 25% da biodiversidade terrestre esteja contida no solo e a comparação feita pela FAO em “Está vivo! O solo é muito mais do que pensas” não deixa margem para dúvidas: há mais organismos numa colher de chá de solo do que habitantes na Terra.

Bem mais acima, na zona a que chamamos dossel ou canópia, estima-se que possa “esconder-se” cerca de 50% da biodiversidade terrestre. Estes habitats florestais são ainda pouco conhecidos. A biodiversidade nas florestas a este nível aéreo, onde as copas se tocam, só começou a ser estudada de forma sistemática na década de 80 do século XX e todos os anos, desde então, são descobertas muitas novas formas de vida, desde plantas, a anfíbios e insetos. Os cientistas que se dedicam a estudar este nível que o nosso olhar não alcança pensam que, no topo da floresta, são mais as espécies por descobrir do que as já identificadas.

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Sabia que…

  • Manter na floresta a madeira morta permite manter vivas várias centenas de espécies? Múltiplos fungos, musgos e insetos dependem do habitat (ou microhabitat) proporcionado por esta madeira nas suas diferentes fases de decomposição. Na Europa, estima-se que 20% a 40% das espécies da floresta, em algum momento da sua vida, estejam dependentes desta madeira. É o caso, inclusive, daquele que é considerado o maior inseto europeu: a vaca-loura (Lucanus cervus). A madeira morta ajuda também à estabilidade do solo, à manutenção do ciclo de nutrientes, ao sequestro de carbono e à retenção de água.
  • Foram identificadas mais de 200 novas plantas e fungos, em 2021, só pelas equipas do Kew – Royal Botanic Gardens e pelos seus parceiros em várias partes do mundo. Uma delas é a orquídea Didymoplexis stella-silvae, batizada com o nome comum de estrela-da-floresta devido à forma e cor branca das pétalas da sua flor. A sua forma de vida espelha bem o quão importante é a interação entre as diferentes espécies que contribuem para a biodiversidade nas florestas: esta orquídea vive em quase completa escuridão e não tem folhas, pelo que depende totalmente da ajuda de fungos para receber a energia de que precisa para viver. A estrela-da-floresta foi uma de 16 novas espécies de orquídeas identificadas em 2021, em Madagáscar. Algumas destas espécies, apesar de recém-descobertas, correm risco de extinção devido à desflorestação.
  • Também em Portugal têm sido identificadas novas espécies. Em 2020, investigadores do CIBIO-InBio (Universidade do Porto) confirmaram, por análise genética, a presença de uma nova espécie de morcego – o morcego-de-bigodes de Alcathoe (Myotis alcathoe) – a partir de animais recolhidos anos antes no Gerês. Em 2014, pela lente do fotógrafo de natureza Gonçalo Rosa, foi descoberto o rato-das-neves (Chionomys nivalis) na Serra de Montesinho, mamífero raro e cuja presença no nosso país era desconhecida. A posterior captura e estudo, através de marcadores moleculares, confirmou a identidade deste novo mamífero em terras nacionais.
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Preservar a biodiversidade nas florestas implica travar a desflorestação

 

Proteger a biodiversidade das florestas implica, em primeira instância, travar a perda de áreas florestais e manter as florestas existentes. O objetivo está há muito traçado pela FAO e volta a ser indicado como uma prioridade no relatório “Estado da Floresta no Mundo 2022”, onde pode ler-se: se o conseguirmos fazer estaremos a “salvaguardar mais de metade da biodiversidade terrestre” e, ao mesmo tempo, a evitar a emissão anual de cerca de 3,6 gigatoneladas de gases com efeito de estufa para a atmosfera (de 2020 a 2050).

Os esforços feitos até ao momento têm permitido reduzir o ritmo de perda das florestas no mundo, mas a área florestal total continua a diminuir. Entre 2015 e 2020, perderam-se dez milhões de hectares por ano, indica o relatório. Em dez anos, entre 2010 e 2020, a floresta reduziu-se principalmente na América do Sul e em África, ao passo que em várias zonas da Europa e Ásia aumentou. Este aumento foi, no entanto, insuficiente para compensar as perdas. “A desfloração representa uma séria ameaça à biodiversidade porque conduz a uma perda desproporcional da distribuição das espécies, aumentando o risco de extinções”, alerta a FAO.

A floresta plantada representa apenas 7% da área florestal mundial, pelo que aumentar a floresta plantada, gerida de forma sustentável é, há muito, uma das diretrizes aconselhadas para salvaguardar as áreas florestais naturais e dar resposta à procura por materiais florestais, que cresce à medida que a população mundial aumenta e que são necessárias alternativas renováveis para os materiais de origem fóssil. É esta conciliação entre valor socioeconómico e ambiental, com a conservação de habitats naturais e biodiversidade em florestas plantadas para recolha de madeira e fibra, que a The Navigator Company prossegue nos cerca de 105 mil hectares de florestas que gere em Portugal.

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