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Terão os animais consciência? Ciência aponta que sim

A consciência animal, durante muito tempo vista como exclusiva dos humanos, é hoje tema central no debate científico. Novas evidências neurológicas e comportamentais indicam que muitas espécies possuem experiências subjetivas, levantando questões profundas sobre ética, conservação e o estatuto legal e moral dos animais.

Avanços recentes nas neurociências, etologia e filosofia da mente têm vindo a desmontar a ideia de que apenas o cérebro humano é capaz de gerar consciência. Hoje, uma crescente comunidade científica reconhece que muitos animais não só têm sentimentos e perceções, como podem possuir formas de consciência comparáveis às nossas.

Um marco recente neste debate foi a Declaração de Nova Iorque sobre a Consciência Animal, assinada por mais de 500 cientistas e filósofos, que afirma de forma clara: “Há fortes evidências de que muitos animais são conscientes”.

Apresentada na Universidade de Nova Iorque, esta declaração sustenta com base em décadas de investigação científica, que:

  • Mamíferos e aves demonstram sinais inequívocos de consciência;
  • Há uma forte probabilidade de que répteis, anfíbios, peixes também o sejam;
  • Alguns invertebrados, como polvos, caranguejos e até certos insetos, mostram sinais consistentes de consciência.

O que é a consciência animal?

Para a comunidade científica a definição de consciência é complexa, mas centram-se essencialmente num aspeto da consciência sensorial, a senciência. Por senciência, entende-se a capacidade de ter experiências subjetivas — sentir dor, prazer, medo, alegria ou curiosidade, por exemplo. Não é necessário que seja idêntica à humana. Basta que exista uma forma de experiência do mundo, do que é ser aquele animal, mesmo sem uma reflexão sobre o que sente.

Sem linguagem verbal para expressar os seus estados mentais internos, a investigação científica sobre a consciência dos animais não humanos baseia-se, maioritariamente, em indicadores indiretos. Entre estes destacam-se certos comportamentos associados a estados conscientes, como a capacidade de autorreconhecimento em superfícies refletoras, nomeadamente em testes com espelhos.

Evidências científicas

Um dos estudos mais relevantes nesse contexto foi publicado na revista Nature (2024), revelando evidências de atividade cerebral em animais que se assemelha a padrões associados à consciência em humanos. Utilizando técnicas de neuroimagem e registo de sinais elétricos, os investigadores analisaram o comportamento e a atividade neural de várias espécies. Os resultados sugerem que a consciência poderá não ser um fenómeno binário (presente ou ausente), mas sim distribuído ao longo de um espectro.

Outros estudos vêm reforçando esta ideia. Experiências com o peixe-limpador (Labroides dimidiatus), por exemplo, mostraram que ele reconhece o seu próprio reflexo num espelho, um dos testes clássicos de autoconsciência. Investigadores da Universidade de Sydney destacam também que alguns peixes demonstram emoções complexas, a capacidade para aprender, memória e dor, o que obriga a reconsiderar a velha máxima de que “os peixes não sentem dor”.

Em paralelo, o trabalho do filósofo Jonathan Birch e da sua equipa no Reino Unido levou à inclusão legal de cefalópodes (como o polvo) e crustáceos decápodes (como o caranguejo) na legislação de bem-estar animal britânica. A sua investigação, baseada numa grelha de critérios comportamentais e fisiológicos, concluiu que estes animais têm uma probabilidade suficientemente elevada de serem sencientes para merecerem proteção legal.

A consciência animal não é apenas uma curiosidade científica. É uma questão que implica rever práticas como a criação intensiva, a pesca industrial, os testes laboratoriais, o seu estatuto legal e moral e até o modo como concebemos a conservação da biodiversidade.

O projeto Biodiversidade.com.pt acolhe este novo paradigma com sentido de responsabilidade. A defesa da biodiversidade não se limita à proteção dos ecossistemas, exige também o reconhecimento da riqueza interior dos seres que os habitam.

Sabia que…

• As abelhas podem sentir emoções positivas. Experiências com abelhas mostraram que, após receberem uma solução açucarada, estes insetos exibiram comportamentos semelhantes à antecipação positiva — um possível indicador de “otimismo”. Isto sugere que podem ter estados emocionais rudimentares.

• Elefantes prestam luto aos seus mortos. Os elefantes africanos e asiáticos demonstram comportamentos de luto: tocam suavemente nos ossos de membros do grupo falecidos, permanecem junto aos corpos durante horas ou dias e enterram as suas crias.

• Golfinhos utilizam assobios exclusivos como nomes próprios. Investigadores do Sarasota Dolphin Research Program demonstraram que os golfinhos-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) utilizam “assobios assinatura” únicos para identificar-se uns aos outros, funcionando de forma semelhante a nomes próprios. Estes assobios mantêm-se estáveis ao longo da vida e são utilizados em interações sociais para chamar ou responder a outros indivíduos.

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