Biohistórias

Reportagem

Apanha de medronho: reviver tradições em Monchique

Nas florestas de Águas Alves, Monchique, a apanha de medronho faz-se a muitas mãos. Quando o outono se instala e os ramos dos medronheiros ganham cachos avermelhados, os utentes da Santa Casa de Misericórdia de Monchique vêm matar saudades de outros tempos e, entre memórias e histórias partilhadas, os cestos enchem-se com estes frutos.

Encontrar medronhos em Águas Alves não é difícil. Nos mais de 400 hectares desta propriedade Navigator, localizada na Serra de Monchique, 200 estão cobertos por povoamentos de medronheiro (Arbutos unedo) e sobreiro (Quercus suber), duas espécies que convivem bem e partilham uma longa tradição nas florestas portuguesas.

Outono após outono, desde 2017, a apanha de medronho conta com várias dezenas de ajudantes graças ao programa “Reviver Tradições”, uma parceria entre a Navigator, a Câmara Municipal de Monchique a Santa Casa local. E, se é certo que a pandemia atrapalhou os planos nos anos de maiores restrições, o programa manteve-se em vigor, com a organização deste dia especial, de ar livre, convívio e muitas recordações. Isto porque a apanha do medronho é uma tradição antiga na comunidade, fazendo parte da cultura da região e dos rendimentos de muitas famílias, há diversas gerações.

No âmbito do programa, no dia combinado, o grupo chega cedo a Águas Alves pronto para encontrar os “melhores arbustos” e os “frutos que estão no ponto”. “Não vale apanhar esses, que não dão para a aguardente”, “as bagas apanham-se uma a uma” ou “sem pés, nem folhas e com cuidado para não estragar as flores” são alguns dos conselhos. Muitos dos participantes, alguns já nonagenários, participam na apanha de medronho desde que se lembram, outros transformaram-no e conhecem bem todos os preceitos que se sucedem na fermentação e destilação até obter a verdadeira aguardente de medronho.

A par de vários licores, a aguardente de produção artesanal é a principal forma de valorização destes frutos a que muitos estrangeiros chamam “morangos de outono”. Embora a tradição prevaleça em Portugal, o medronho e derivados têm hoje uma panóplia de aplicações bastante mais vasta – na indústria agroalimentar, na cosmética e na medicina, por exemplo. A evolução nas aplicações deste fruto aumenta o potencial de impacto na economia nacional.

Igualmente relevante é o valor ecológico do medronheiro, uma espécie pioneira cuja plantação tem sido valorizada (inclusive nesta região do Algarve) quando o objetivo é a recuperação e o aumento da resiliência de ecossistemas florestais e agroflorestais, nomeadamente às alterações climáticas, à erosão e ao fogo. Por exemplo, o medronheiro é uma das espécies aconselhadas para plantar nas áreas de proteção e zonas atravessadas por linhas de alta tensão.

Sabe o que é uma espécie pioneira?

Chamam-se pioneiras às espécies de flora – plantas, arbustos, árvores – que são as primeiras a instalar-se e reproduzir-se em ecossistemas cujas condições são pouco hospitaleiras para a maioria das formas de vida. Por exemplo, em zonas muitos secas ou percorridas pelo fogo.

A pouco e pouco, espécies pioneiras como o medronheiro vão ajudando a melhorar as condições do ecossistema onde se instalaram. Por exemplo, a sua sombra reduz o calor que chega ao solo, as suas funções vitais ajudam a fixar nutrientes na terra e a libertar humidade para a atmosfera e a sua presença reduz a exposição ao vento. Assim, contribuem para tornar o ecossistema mais convidativo a novas espécies.

Medronheiro

Reforçar a resiliência dos ecossistemas florestais

“O medronheiro detém uma forte resiliência ao fogo. Apresenta uma rápida capacidade de regeneração e recolonização após a ocorrência de incêndios florestais, sendo normalmente uma das primeiras espécies a rebentar nas áreas ardidas.” pode ler-se em “Medronheiro – Manual de boas práticas para a cultura”, uma edição do Instituto Politécnico de Coimbra, que refere também: “Estas caraterísticas tornam-na numa espécie interessante para programas de reflorestação e em medidas de prevenção a incêndios…”.

A resiliência dos ecossistemas florestais e agroflorestais é uma regra de ouro para quem neles investe e deles depende. Este argumento bastaria para justificar a opção pelos povoamentos mistos de medronheiro e sobreiro – duas espécies pioneiras – em grande extensão da propriedade Águas Alves.

Vânia Oliveira, responsável de aproveitamento de terras da Navigator lembra mais um: “o medronheiro, por ter a sua floração entre outubro e fevereiro, é uma importante fonte de alimento para os polinizadores durante o outono e inverno”. Plantas como o medronheiro e o tojo (Ulex spp.) ou árvores como o eucalipto-comum (Eucalyptus globulus) contribuem com muitos grãos de pólen nesta altura do ano.

Medronho

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