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Libélulas e libelinhas: os insetos mercuriais da natureza

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Surge de rompante e veloz, esguia e elegantemente curiosa uma espécie de helicóptero aerodinâmico e multicolorido, com dois olhos panorâmicos, quatro asas, um tórax largo e uma figura cilíndrica que nos prende a atenção para a aventura que é a vida nos habitats aquáticos. Venha conhecer as Odonata.

É durante uma tarde amena de sol que os instintos ficam ociosos de descanso e sossego à beira de um lago de água translucida e primaveril. Agora sim, é possível acostar e descansar, longe do frenesim do dia-a-dia citadino. Mas quando julgamos que nada, nem ninguém será capaz de estragar este equilíbrio, surge de rompante e veloz, esguia e elegantemente curiosa uma espécie de helicóptero aerodinâmico e multicolorido.
Com dois olhos panorâmicos, quatro asas, um tórax largo e uma figura cilíndrica, eis uma criatura que nos prende a atenção para a aventura que é a vida nestes habitats húmidos.

Este fascinante inseto que “pinta” padrões de cores imprevisíveis no ar, é o nosso novo convidado da BIOgaleria: a libélula ou libelinha (frequentemente confundidas. O termo “libelinha” é mais usado para se referir a espécies menores e mais delicadas, enquanto “libélula” pode ser usado para espécies maiores. Ambas nos fazem levitar de imediato para o coração da biodiversidade presente nos lagos, rios e zonas de grande humidade natural.

Em Portugal, existem cerca de 65 espécies de libélulas e libelinhas, todas pertencentes à ordem das Odonata, com nomes tão simples quanto divertidos. Por exemplo, a libélula imperador-azul (Anax imperator), a libélula tira-olhos-menor (Anax parthenope), a libélula tira-olhos migrador (Anax Ephippiger), a libélinha tira-olhos-variado (Aeshna Cyanae), a libelinha tira-olhos-outonal (Aeshna mixta), a libélula-comum (Sympetrum striolatum) ou até mesmo a libélula de nervuras vermelhas (Sympetrum fonscolombii).

Libélula em pleno voo símbolo da biodiversidade dos habitats aquáticos e indicador da qualidade ecológica.

O amor está no ar 

Curiosamente, as libélulas olham para a reprodução com um certo cariz de performance artística. Quando a fêmea escolhe o macho, iniciam uma dança nupcial voante. Ficam imediatamente atrelados um ao outro em forma de coração, o macho passa o esperma para a zona debaixo do abdómen, chamada genitália secundária. Já a extremidade do abdómen tem umas pinças com as quais agarra a cabeça da fêmea.

A procriação acontece a partir do momento em que a fêmea dobra também a extremidade do seu abdómen para entrar em contacto com a zona da genitália secundária. É desta forma poética e atlética que as libélulas procriam, sendo capazes de o fazer em pleno voo durante poucos minutos ou muitas horas.

Muito antes das mensagens de amor voantes em aviões que sobrevoam as nossas praias, já as libélulas tinham aperfeiçoado a arte das grandes declarações nos céus.

Algumas espécies, como é o caso da libélula de nervuras vermelhas (Sympetrum fonscolombii) chegam a colocar os ovos durante o ato e esperam entre dois a três meses até eclodir. Geralmente, todas as libélulas colocam os ovos em habitats aquáticos naturais ou construídos, como lagos, rios, tanques ou pequenos lagos de jardim.

Quando eclodem, as larvas de libélulas são absolutamente insaciáveis, com uma fome predatória que não olha a meios, alimentam-se de larvas de outros insetos, invertebrados, sapos e até mesmo peixes.

São precocemente instintivos e muito físicos. O corpo das crias é semelhante ao do adulto, dividido em três partes e com três pares de patas. A grande maioria só sai da zona de conforto quando atinge os três meses de vida, mas existem espécies como a libélula anelada (Cordulegaster boltonii) que só se lança aos ares depois de um ano de infância.

Mas antes de sonharem em fazer-se à pista, precisam ainda de desfazer-se do exosqueleto – uma camada flexível e resistente – que as sustem e ajuda no crescimento inicial sem chegar a acompanhar a fase adulta. Quando cai a última camada do exosqueleto, as asas têm finalmente espaço para sair triunfalmente. É aí que começa a verdadeira aventura dos ares.

Grupo de libélulas em acasalamento sobre um galho à superfície da água comportamento típico em habitats aquáticos essenciais à reprodução da espécie.

Este é um dos momentos mais importantes na vida destes coloridos insetos. O que era então um espaço aquoso, idílico e reconfortante torna-se um verdadeiro campo de morte onde impera, acima de tudo, a necessidade de sobrevivência. Os rios, lagos e tanques de água podem facilmente afogar as libélulas caso o primeiro voo lhes corra mal.

A natureza não costuma dar asas à empatia e raramente concede segundas oportunidades. É neste ponto que as recentes membranas das libélulas são verdadeiramente colocadas à prova.

E é o tudo ou nada. De olhos postos nos céus e com os instintos aguçados, começam a bater as suas asinhas e a encontrar conforto no desconhecido, ganhando confiança e um sentido de futuro ao dar os primeiros passos sobre o horizonte azul. O arranque é rápido, o teste um verdadeiro sucesso e rompem pelos ares rumo à vida adulta.

Sem porto de abrigo

Depois de uma descolagem de enorme sucesso, as libélulas ganham finalmente uma noção de responsabilidade. De facto, ao atingirem a maturidade sexual, as libélulas afastam-se dos locais onde nasceram e partem em direção a novos horizontes que, por enquanto, permanecem um pouco desconhecidos aos olhos da ciência. É difícil determinar com precisão os percursos completos das suas migrações.

Sabemos, no entanto, que voam sobretudo entre o verão e o outono, e que é comum avistá-las em Portugal durante o verão e a primavera.

Infelizmente, com o avanço das alterações climáticas e, sobretudo, devido ao impacto do desenvolvimento humano, torna-se cada vez mais difícil para estes belos insetos encontrar um porto seguro onde possam aterrar e descansar as asas. Para sobrevirem, precisam de água doce, cuja qualidade tem vindo a decrescer, em grande parte devido à poluição generalizada e à má gestão dos recursos hídricos.

Um exemplo disso é a extração intensiva de água para fins agrícolas na região do Mediterrâneo, que tem contribuído para o desaparecimento de muitos habitats essenciais à sobrevivência desta espécie. Também o corte indiscriminado da vegetação e o crescimento do turismo têm contribuído para o decréscimo substancial dos seus espaços naturais. Prova disso é o facto de estas espécies estarem mais ameaçadas precisamente nas regiões mais desenvolvidas, como a Europa.

Atualmente mais de 50% das espécies Odonata está em vias de extinção, especialmente na Europa, onde os dados apontam que 46% estão em ameaça de extinção e outras 21% em quase ameaça.

Existe ainda outro problema, resultante da fertilização excessiva das águas pela ação humana. A elevada concentração de nutrientes em zonas de intensa atividade agrícola favorece a proliferação de bactérias e algas decompositoras, que consomem grande parte do oxigénio existente na água, comprometendo assim a subsistência das libélulas.

São estas situações que têm levado ao decréscimo de 29% nas populações de libélulas e libelinhas em toda a Europa.

Um planeta mercurial

Recentemente, descobriu-se num estudo que as larvas de libélulas são a forma mais engenhosa e fácil de detetar zonas com elevado grau de mercúrio.

Ao longo dos anos, foram-se observando e analisando peixes e aves para detetar a propagação deste metal. Mas como as larvas de libélula crescem em abundância nos mais variados tipos de zonas húmidas, sejam elas abundantes em água ou até mesmo desérticas e pantanosas, estas crias de inseto passaram para o primeiro lugar do ranking de avaliação e estão certificadas com o padrão de excelência na deteção de mercúrio

Esta investigação é liderada pelo “Dragonfly Mercury Project”, um projeto de cientistas e ecologistas que estuda a propagação de mercúrio pelo planeta. O interesse gerado por este grupo tem sido avassalador e impactante nas mais diversas localidades, unindo todo o tipo de comunidades em busca de larvas de libélulas.

O mercúrio é um metal tóxico e prejudicial para grande parte da vida animal no planeta terra. A industrialização tem vindo a expandir a sua presença na atmosfera e a torná-lo um dos químicos mais perigosos à saúde pública.

Por conta da bioacumulação inerente à cadeia alimentar, consegue viajar pelos insetos até às aves, das aves aos peixes e dos peixes até ao ser humano. Sobretudo para quem consome peixes de grande porte, como o tubarão ou o espadarte, onde a presença deste metal é muito acentuada.

O corpo humano não consegue desfazer o mercúrio para algo de menor toxicidade e o químico fica simplesmente armazenado, com a possibilidade de criar graves problemas neurológicos e de saúde geral.

Close-up de libélula com foco nos olhos compostos e asas estrutura anatómica típica da ordem Odonata, símbolo da biodiversidade dos ecossistemas aquáticos.

SABIA QUE…

  • As libélulas são o terror dos mosquitos e heróis desconhecidos da população humana. Estima-se que sejam capazes de comer até 100 mosquitos por dia.
  • A libélula mais pequena do mundo chama-se “Anão Escarlate” (Nannophya pygmaea), habita sobretudo o sudeste asiático, a China e o Japão. Tem apenas 15 mm.
  • Têm mandíbulas poderosas. Facto que está referenciado no nome Odonata. Esta palavra vem do grego “odon” que se traduz em “dente”. Como caçam em pleno ar, precisam de mandíbulas eficientes e letais para assegurar a submissão imediata das presas.
  • Os antepassados pré-históricos das libélulas e libelinhas tinham proporções assustadoras, com asas a alcançar cerca de 1 metro de comprimento (a Meganeuropsis permiana, foi a recordista). Este crescimento era possível porque estes insetos possuem um sistema respiratório baseado em traqueias e um sistema circulatório aberto, que lhes limita o crescimento de acordo com a concentração atmosférica de oxigénio. Ora, durante o período Paleozoico, estima-se que os níveis de oxigénio eram tão elevados que possibilitaram o crescimento exacerbado destas espécies no planeta.
  • ANIMAL

    Inseto

  • ORDEM

    Odonata

  • HABITAT

    Locais húmidos como lagos, rios, tanques de jardim, pântanos e até mesmo zonas desérticas com espaços humedecidos.

  • DISTRIBUIÇÃO

    Em geral, distribuem-se por todos os continentes: Europa, Ásia, África e América, exceto os polos.

  • ESTADO DE CONSERVAÇÃO

    Depende das espécies, muitas delas estão colocadas na lista vermelha. As espécies mencionadas que habitam em Portugal, como a libélula-imperador-azul, a libélula tira-olhos-menor, libélula tira-olhos migrador, libélula tira-olhos-variado, libélula tira-olhos-outonal, libélula-comum e libélula de nervuras vermelhas estão tidas no critério LC como Pouco Preocupante. Mas dada as crescentes preocupações climatéricas, estes estados podem não ser considerados estáveis.

  • ALTURA / COMPRIMENTO

    Variam entre tamanho, sendo a libélula-imperador-azul (Anax imperator) considerada a maior a nível europeu com 78 mm.

  • LONGEVIDADE

    Estimativa de no máximo 6 meses de vida.

Como protegemos a espécie?

Para preservar os recursos hídricos e melhorar a conservação dos habitats e dos serviços que prestam nas suas propriedades, a The Navigator Company segue um conjunto de boas práticas de gestão florestal aplicadas

em duas vertentes principais: proteção, requalificação e manutenção.

Entre as várias medidas implementadas, destaca-se a criação de faixas de proteção ao longo das margens dos cursos de água e charcos, com o objetivo de reduzir a perturbação do solo, preservar as galerias ripícolas, conservar os habitats associados e melhorar a qualidade da água. Nessas zonas, é aplicado o corte seletivo da vegetação e são restringidos o uso de fitofarmacêuticos, fertilizantes e o trânsito de máquinas.

Na Quinta de São Francisco, uma das propriedades da empresa localizada perto de Aveiro, existe uma linha de água permanente, bem como vários lagos e tanques artificiais, condições ideais para o desenvolvimento das larvas destes insetos. A eficácia destas práticas foi confirmada através das amostragens realizadas no âmbito do inventário de insetos levado a cabo na própria quinta.

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