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À descoberta dos insetos da Quinta de São Francisco

Que insetos existem na Quinta de São Francisco? Para obter esta resposta, a quinta está a realizar o seu primeiro levantamento de entomofauna. Os trabalhos estão a cargo de dois estudantes de biologia da Universidade de Aveiro.

Além do mais conhecido contributo que dão à polinização, os insetos desempenham muitas outras funções essenciais aos ecossistemas, desde o controlo biológico de pragas à reciclagem de nutrientes, passando pela nutrição que proporcionam a muitas outras espécies. Conhecer as comunidades de insetos e as alterações que nelas se vão sucedendo é crítico para compreender e melhorar o equilíbrio dos ecossistemas.

Foi com esta convicção que a Quinta de São Francisco, perto de Aveiro, promoveu o seu primeiro levantamento de entomofauna. A identificação começou num dos períodos de maior atividade dos insetos – a primavera – e os trabalhos (que se prolongam pelo verão, em laboratório), estão a cargo de Bruna Rodrigues e Rafael Santos, dois estudantes de biologia, orientados pela investigadora no Departamento de Biologia e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro, Olga Ameixa.

“Fala-se muito do declínio da biodiversidade, mas pouco se faz em termos práticos para trabalhar as valências de identificação mais clássicas, como as chaves dicotómicas, que permitem identificar espécies mais crípticas”, refere Olga Ameixa, reforçando a importância de se reconhecerem estas espécies menos comuns.

Sob esta premissa, aplicaram-se vários métodos inofensivos de captura, incluindo redes entomológicas, armadilhas pitfall e armadilhas cromotrópicas, e definiram-se seis pontos de amostragem que espelham a diversidade de habitats da Quinta de São Francisco. Em resultado, conta Bruna, “vimos muitos escarabeídeos (da família dos Scarabaeidae, que inclui escaravelhos e besouros), mas também muitas abelhas e cigarras”. Entre as espécies mais comuns já identificadas estão também escaravelhos aquáticos (lago), borboletas e traças (lepidópteros), libélulas e libelinhas (odonata), moscas e mosquitos (dípteros) e percevejos (hemípteros). Uma que era espécie até aqui desconhecida na Quinta e identificada durante este projeto foi a mosca-escorpião (Panorpa meridionalis).

“O facto de estarmos numa zona rural e numa quinta com diferentes tipos de habitat ajuda a encontrar maior diversidade de insetos”, refere a estudante. Para Olga Ameixa, esta é uma ideia a reter: “quando temos uma diversidade muito grande de habitats mais ou menos próximos, a biodiversidade é potenciada e foi isso que verificámos”. Uma importante ilação a retirar, sublinha, é que a biodiversidade de insetos é alavancada pela presença de variadas espécies de flora num mesmo espaço.

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Sabia que

  • Prevê-se que o maior risco de extinção e, consequentemente, a maior perda de biodiversidade ocorra em invertebrados e especificamente em insetos. As previsões apontam para que este declínio se espelhe no funcionamento dos ecossistemas e nos serviços que asseguram, relembra um artigo científico com a participação da investigadora Olga Ameixa.
  • Apesar de pouco valorizados, principalmente nas sociedades ocidentais, este grupo de organismos presta inúmeros serviços do ecossistema. O artigo acima referido identificou um total de 73: 17 serviços de provisão (desde alimentos a ativos usados em medicamentos), 27 de regulação e manutenção (da decomposição e polinização à constituição do solo) e 29 culturais (do simbolismo religioso à ciência forense).
  • Existem naturalmente mais insetos na primavera e verão, pois o calor estimula o seu metabolismo e reprodução ao mesmo tempo que aumenta a abundância de alimento. Durante os períodos mais frios, várias espécies de insetos conseguem sobreviver escondendo-se em microhabitats – sob o solo e em orifícios de plantas e troncos, por exemplo – e entrando no que se chama o estado de diapausa, uma dormência em que mantêm apenas as suas funções vitais. É assim que passam o inverno parte dos ovos, larvas, pupas e adultos.
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Uma viagem de descoberta em prol da biodiversidade

 

João Ezequiel, curador da Quinta de São Francisco, apoiou no terreno esta experiência que descreve como uma “viagem de descoberta, quer de metodologias, quer de novas espécies”. E conta que o Instituto de Investigação RAIZ, situado na Quinta de São Francisco, tem recebido, ao longo dos anos, vários estagiários vindos de universidades, mas que esta é a primeira vez que trabalha com dois universitários na inventariação dos insetos aqui presentes.

O contributo destes estudantes ajuda a um melhor conhecimento da vida nos 14 hectares da quinta e, em sequência, a definir as práticas de gestão que melhor promovem a presença de tantas formas de vida, refere o responsável. De resto, os insetos são bons bioindicadores, pelo que os resultados podem revelar pistas sobre outros grupos taxonómicos (outras espécies, géneros, famílias, ordens, etc.).

Sendo a Quinta de São Francisco uma área gerida com o objetivo principal de conservação, as práticas que procuram maximizar a biodiversidade são a regra da gestão que aqui se faz: “por exemplo, junto ao curso de água, restabelecemos o habitat ribeirinho e já temos muitas espécies de aves e insetos que vêm ali alimentar-se”, ilustra João Ezequiel, concluindo que “este é um crescendo de biodiversidade que tem sido observado e tende a aumentar”.

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