Milhafre-preto: uma rapina versátil

O milhafre-preto (Milvus migrans) é uma das aves de rapina mais impressionantes e emblemáticas que podemos encontrar nos céus de Portugal. Pertencente à família Accipitridae, esta espécie fascinante é reconhecida pela sua envergadura imponente, voo ágil e papel vital nos ecossistemas onde habita.

O milhafre-preto, ou milhano-preto, é dotado de uma plumagem escura, que varia entre o castanho-escuro e o preto, com uma cabeça mais clara, com respingos de cinzento e um bico forte, negro e curvo. O peito castanho-avermelhado ou mesmo preto e a cauda, longa, recortada de castanho, terminando numa bifurcação – ganhando-lhe o epíteto de rabo-de-bacalhau –, são algumas características que ajudam na sua identificação. De asas longas, estreitas e curvadas, e uma envergadura que pode alcançar até um metro e oitenta, é uma espécie grandiosa a voar nos céus portugueses.

Exímio em voo, o milhafre-preto muda rapidamente de direção sempre que necessário, nomeadamente ao avistar uma presa. Desloca-se a baixa altitude e com leveza, sendo possível observá-lo a seguir outras aves pelos céus fazendo com que estas percam o alimento que capturaram. A espécie pode também ser observada a planar nos céus, à boleia de correntes de ar ascendentes.

Se no resto do mundo escolhe as regiões tropicais e temperadas (Eurásia, África e Austrália) para viver, em Portugal é possível avistar esta espécie em praticamente todas as regiões do país, de norte a sul, vinda da África subsariana, resguardando-se do inverno. Por cá, na época reprodutora, tem uma presença particularmente significativa no Alentejo e região Centro e está praticamente ausente na Estremadura e no Algarve.

Versátil, o milhafre-preto ajusta-se a uma grande variedade de habitats, desde florestas, montados de sobro ou azinho até zonas costeiras e áreas urbanas, nomeadamente lixeiras e aterros sanitários, desde que encontre árvores em que possa construir o seu ninho, nas proximidades de cursos de água e zonas húmidas, como albufeiras, açudes e pauis. Verificou-se que o milhafre-preto tem predileção por zonas húmidas e ecossistemas ripícolas, reproduzindo-se junto a rios e afluentes, nomeadamente o Mondego, o Tejo, o Douro, o Tâmega e o Vouga.

É uma espécie monogâmica e geralmente solitária, formando, por vezes, grandes bandos, aproveitando as correntes térmicas lado a lado com outras espécies, como a cegonha. Na época da reprodução, escolhe construir os ninhos na mesma zona, criando colónias. Passa muitos anos com o mesmo espécime; no entanto, no caso das populações migradoras, pensa-se que esta monogamia seja sazonal. Nidifica apenas em Portugal continental entre março e junho e as posturas dão-se em abril.

Quanto ao seu habitat, o milhafre-preto escolhe as árvores de grande porte para construir o seu ninho, junto à parte superior da copa das árvores, em florestas ou campo aberto, desde que se encontrem, como já foi aqui dito, situadas perto de lagos, o que garante um maior acesso a água e a alimentos. Podem ocupar o mesmo ninho ano após ano, restaurando-o ou construindo um novo de raiz. Para a parte exterior dos ninhos a espécie recolhe ramos; já o interior é revestido de panos e trapos, papéis e outros resíduos.

Em cada postura a fêmea coloca 2 ou três ovos, de cor creme com manchas castanhas, incubados por até 32 dias. A fêmea mantém-se por perto, enquanto o macho é incumbido de trazer alimento. No entanto, as crias são alimentadas por ambos os progenitores e tornam-se independentes ao fim de cerca de dois meses, no final de junho e início de julho. Às seis semanas os juvenis estão prontos para começar os seus primeiros voos.

Enquanto predador oportunista, o milhafre-preto tem uma dieta diversificada, incluindo pequenos mamíferos, roedores, aves, répteis, como é o caso da cobra-rateira, que encontra nos campos, e invertebrados como a minhoca. Por vezes é necrófago, alimentando-se de cadáveres de outras rapinas, sendo também frequentemente avistado a vigiar as estradas de forma a apoderar-se dos animais que são mortos por atropelamento. Também se alimenta de espécies aquáticas, de peixes que encontra à tona nos rios.

Apesar de relativamente comum em muitas áreas e o seu estatuto estar definido como “Pouco Preocupantes” (LC), o milhafre-preto é uma espécie protegida: a espécie consta do Anexo II da Convenção de Berna e Anexo II da Convenção de Bona, relativas à Conservação da Vida Selvagem e aos Habitats Naturais da Europa, no Anexo II-A da Convenção de Washington sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES) e na Diretiva Aves.

A espécie enfrenta ameaças significativas, incluindo a perda de habitat, envenenamento por pesticidas e colisões com infraestruturas humanas, como linhas elétricas. São vários os esforços de conservação e as orientações de gestão tendo em vista a defesa desta espécie, tais como a proteção de habitats naturais e a sensibilização pública para a importância das aves de rapina, são essenciais para garantir a sua sobrevivência.

Sabia que…

Em Portugal, além do milhafre-preto, ocorre outra espécie de milhafre: o milhafre-real. Para diferenciar o milhafre-preto do milhafre-real é preciso estar atento: o milhafre-preto exibe uma plumagem mais escura e a cauda é castanha em vez de arruivada. E para distinguir esta espécie da águia-calçada de fase escura (assim chamado o grupo de alguns indivíduos da espécie que apresentam uma coloração mais escura), a principal distinção é a bifurcação na cauda.

Esta ave pertence à família Accipitridae, que inclui também outras aves de rapina como a águia-de-asa-redonda (Buteo buteo), a águia-de-bonelli (Aquila fasciata) ou a águia-cobreira (Circaetus gallicus), gaviões e açores (Accipiter spp.).