De olhar meigo e sentidos apurados, o veado é o maior dos mamíferos na natureza, em Portugal. Avistar alguns dos exemplares que vivem em liberdade nas florestas e bosques portugueses nem sempre é fácil. O outono é a melhor época.
De pelagem castanho-acinzentada no inverno e mais avermelhada no verão, o veado (Cervus elaphus) é um grande e simpático mamífero, o maior em estado selvagem em Portugal, chegando a medir mais de dois metros de comprimento e a pesar mais de 170 quilos.
Fácil de conhecer em parques e reservas, como o Parque Biológico da Serra da Lousã ou a Tapada Nacional de Mafra, este herbívoro é relativamente comum na natureza em várias regiões portuguesas, encontrando descanso e refúgio em zonas florestais e de habitats com densa cobertura, das quais sai para se alimentar em áreas mais descobertas, de matos e pastagens.
É nestas áreas mais abertas que se torna mais fácil avistá-lo durante os meses de outono, quando ocorre a brama. O nome brama está relacionado com os bramidos que os veados machos emitem durante a época de reprodução, que acontece todos os anos entre setembro e novembro, durando cerca de um mês. Os sons fortes e guturais servem para afastar outros machos e atrair as fêmeas.
Durante a brama, os veados permanecem em zonas menos florestadas, evidenciando-se para impressionar as fêmeas. É muitas vezes em terreno aberto, de matos e clareiras, que acontecem também os confrontos entre machos. É assim que se determinam quais os machos mais fortes e dominantes, ou seja, os que vão constituir o maior “harém” e gerar mais descendentes.
Exceto nesta época de reprodução, machos adultos e fêmeas vivem em pequenos grupos separados. Por isso, após acasalarem, as fêmeas afastam-se e concentram-se na gestação, que dura quase oito meses (cerca de 235 dias), assim como nas crias do ano anterior, que continuam na companhia das mães. Os nascimentos acontecem no final da primavera e início do verão. Habitualmente, nasce uma só cria, embora não seja inédita a existência de gémeos.
Nos primeiros meses de vida, as crias têm uma pelagem castanho-escura com manchas amarelo-esbranquiçadas no dorso e flancos, uma imagem que remete para uma história infantil que todos conhecem – o Bambi. Apesar das semelhanças, o pequeno protagonista não é um Cervus elaphus (espécie sobretudo europeia), mas um Odocoileus virginianus, conhecido como veado-de-cauda-branca e nativo das américas, em especial da América do Norte.
A subespécie existente em Portugal e Espanha, habitualmente identificada como Cervus elaphus hispanicus, é ligeiramente diferente, mais pequena e de pelagem menos vermelha que a das subespécies que se se encontram a Norte da Europa, singularidade genética que se pensa ter acontecido desde o último máximo glaciar (na chamada Era do Gelo ou Glaciação de Würm), revela um estudo, de 2019, com a participação de uma equipa de investigadores do CIBIO-InBio – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos. Segundo avançam as conclusões, diferentes grupos de veados terão conseguido refugiar-se em pequenas zonas de um e do outro lado dos Pirenéus, começando assim, há provavelmente mais de 20 mil anos, a divergência entre a população da Ibéria e a do restante território europeu.
Apesar das diferenças, a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza avaliou a espécie Cervus elaphus como um todo (em 2015), e considerou-a “Pouco Preocupante, com uma presença que tem vindo a aumentar no seu território natural: praticamente toda a Europa, partes da Ásia Ocidental e pequenas regiões de África.
Em Portugal, nos últimos 50 a 70 anos e após um forte decréscimo, a espécie tem consolidado a sua presença, em alguns casos com apoio humano, como aconteceu no programa de reintrodução do veado na Serra da Lousã, que o biólogo e investigador Carlos Fonseca acompanha desde 1995. Além desta população, entre as maiores estão a do Parque Nacional de Montesinho, no nordeste transmontano, e a do Tejo Internacional. Há ainda outros animais em áreas cercadas e semicercadas, assim como uma população nas serras algarvias e alentejanas, até Odemira: “durante um incêndio, em inícios do século XXI, abriu-se o cercado da Herdade da Parra (Silves) para que os animais não ficassem em perigo e os veados que saíram conseguiram estabelecer-se e multiplicar-se por toda esta zona serrana”, explica Carlos Fonseca.