Oferecer álcool aos nossos animais de estimação é-nos impensável, mas, no meio natural, é muito comum observar-se que algumas espécies recorrem a ele pelas mais diversas razões. Pode dizer-se que é o seu ponto fraco, que se apresenta naturalmente de diversas formas. É muito provável que reconheça as razões manifestadas por outras espécies na vontade de brindar do ser humano. Vamos conhecê-las?
Desde sempre que se ouvem casos de animais que consomem álcool, na natureza. Um artigo de janeiro de 2025, publicado na revista Trends of Ecology and Evolution, retomou o assunto e vem clarificar alguns dos comportamentos animais relativos ao álcool e ao seu impacto no mundo natural, listando vários casos de espécies que se adaptaram à ingestão pelos mais diversos motivos. Sabe-se hoje que frutos, seivas e néctares podem conter etanol e que este pode ser utilizado pelo seu valor nutricional, ou não, ou que tenha potencialmente valor medicinal e efeitos cognitivos nas espécies. Neste estudo conclui-se ainda que o etanol é tão importante que inclusive moldou a evolução de espécies e de relações simbióticas entre organismos, de entre os quais plantas, leveduras, bactérias, insetos e mamíferos.
Antes de falarmos sobre o consumo de álcool na natureza, comecemos pelo início: ele existe mesmo, como o conhecemos? E, se sim, de onde surge? Não estamos, naturalmente, a falar dos mesmos líquidos que bebem os humanos, mas falamos também de fermentação alcoólica, a base de bebidas como o vinho, a cerveja ou o hidromel. A fermentação alcoólica é um processo biológico que ocorre da decomposição de açúcares (glicose, frutose, sacarose) que, na ausência de oxigénio, são transformados em energia celular, produzindo-se etanol e dióxido de carbono. Este processo ocorre no metabolismo das plantas angiospérmicas, as plantas que dão flor – experiências sugerem que leveduras do género Saccharomyces cerevisiae (que significa, literalmente, fungo do açúcar) têm sido das principais criadoras de etanol dos últimos 100 milhões de anos, a partir do momento em que as plantas começaram a dar frutas ricas em açúcares. Por estar envolvido no fabrico do vinho, cerveja e na levedação do pão tem uma grande importância económica.
Alguns apreciadores de álcool na natureza
Uma das espécies que mais aprecia esta mistura natural, a mosca-da-fruta (Drosophila melanogaster) utiliza-a na reprodução, mas também na proteção contra os parasitas. Embora adaptada ao consumo de fruta fermentada, que pode conter entre 4 a 15% de etanol, por vezes até a espécie mostra sinais de alguns excessos. Num estudo de 2019, publicado pelo Journal of Molecular Biology, o comportamento desta espécie e os efeitos do etanol foram analisados ao detalhe, observando-se uma perda de coordenação e de orientação. Até o seu comportamento se altera, com uns espécimes a comportar-se ora de forma mais solitária, ora mais despudorada – as fêmeas não olharam a requisitos na hora de escolher os machos para procriar, após a ingestão de etanol. A substância serve ainda de escudo protetor: as fêmeas depositam as larvas em ambiente alcoólico como prevenção contra ataques de vespas parasitas, defender ainda de infeções, avança um estudo publicado pela revista Science.
Das moscas-da-fruta para outros animais que preferem as leveduras presentes no néctar das flores para a defesa das tocas. Os escaravelhos (Xylosandrus germanus) usam o álcool para proteger as tocas construídas em árvores dos bolores naturais.
Os nossos antepassados também têm uma apetência especial por fruta que contém álcool. O macaco-aranha-de-geoffroy (Ateles geoffroyi), que ocorre apenas na América Central e do Sul, foi observado por pesquisadores, numa ilha do Panamá, a ingerir frutas fermentadas. Como partilhado na revista Royal Society Open Science, concluíram que este é um hábito trazido de há milhões de anos e que pode explicar que a nossa espécie continue a apreciar bebidas alcoólicas. É a chamada “hipótese do macaco bêbedo”, avançada pelo biólogo Robert Dudley, da Universidade da Califórnia (EUA), também publicada em livro.
Mas há mais: ao recolher uma amostra de urina destes macacos-aranha, descobriu-se que a espécie ingere o etanol para obter um benefício biológico, a produção de energia, ou seja, a obtenção de mais calorias do que as que conseguiriam obter através de frutas não fermentadas – cada grama de etanol fornece aproximadamente 7,1 quilocalorias, um valor muito semelhante ao da gordura, em que cada grama fornece 9 quilocalorias. Ainda assim, o biólogo afirma não acreditar que o efeito do álcool nos macacos-aranha seja semelhante ao sentido pelos humanos devido a diferenças ao nível gástrico, o que já tinha sido postulado num outro estudo de 2020, que avança que algumas destas espécies conseguem decompor o etanol com maior rapidez graças a uma enzima (álcool desidrogenase), não correndo o risco de ficar intoxicados. Esta metabolização do metanol nos humanos é feita a um ritmo mais lento, o que indica uma adaptação dos nossos antepassados à ocorrência natural de etanol, ainda que as concentrações estílicas das bebidas destiladas produzidas pelo Homem sejam bem maiores.