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Conservação

Apoiar a sobrevivência do carvalho-de-monchique em Portugal

Conhecer a fundo uma das espécies de árvores mais rara da flora portuguesa para conseguir propagá-la, ampliando a sua presença e diversidade, é a ambição de um projeto dirigido à preservação da floresta relíquia do sudoeste português e elegeu entre as prioridades resgatar o carvalho-de-monchique. O desafio é complexo, mas urgente, pois esta espécie autóctone está “Criticamente em perigo” de extinção em Portugal.

Os poucos exemplares que restam em Portugal encontram-se maioritariamente nas serras litorais do Baixo Alentejo e do ocidente algarvio. É nesta região que vai, por isso, arrancar um novo trabalho técnico-científico que elegeu como missão ajudar a salvar o carvalho-de-monchique (Quercus canariensis) da extinção.

A oportunidade de recuperar o carvalho-de-monchique nasceu no seio de um projeto mais amplo, de “Melhoramento genético, produção e conservação de materiais florestais de reprodução”, que tem por objetivo aumentar a resiliência da floresta portuguesa aos efeitos das alterações climáticas.  O PRR – Programa de Recuperação e Resiliência apoiou a ideia, que se concretiza entre finais de 2022 e 2055, sob a coordenação conjunta do RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel, e do INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária.

Dirigida a cerca de uma dezena de espécies, a linha de atuação “Conservação genética e recuperação de populações em espécies autóctones ameaçadas” tem no carvalho-de-monchique uma das mais emblemáticas e desafiantes, considerada “Criticamente em perigo” pela Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental devido ao “declínio continuado do tamanho da população nacional”.

Uma população pequena e em declínio sugere a existência de baixa diversidade genética, o que condiciona a resiliência e sobrevivência do carvalho-de-monchique (e dos habitats onde ele ainda subsiste) a pressões diversas, incluindo as que se agudizam com as alterações climáticas. Da mesma forma, limita a sua capacidade de reprodução.

Este desafio torna-se ainda mais difícil de ultrapassar porque o carvalho-de-monchique cruza-se (hibrida) frequentemente com outras espécies de carvalhos melhor adaptadas ecologicamente, nomeadamente o carvalho-português (Q. faginea), gerando descendentes com características morfológicas que as tornam difíceis de distinguir das espécies progenitoras e uma ainda maior incerteza na hora de recolher sementes (bolotas) viáveis para a reprodução de indivíduos de Quercus canariensis o mais “puros” possível.

Em paralelo à existência de poucos carvalhos-de-monchique, o facto de terem sido afetados por anos consecutivos de seca limita a viabilidade de bolotas, condicionando, logo à partida, a regeneração natural e a manutenção da espécie in situ e a multiplicação em viveiro (ex situ).

Um triângulo virtuoso para resgatar o carvalho-de-monchique

Ultrapassar estas condicionantes requer três ângulos de trabalho essenciais: um triângulo virtuoso que ajudará a passar da intenção à prática, antes que seja tarde de mais para recuperar o carvalho-de-monchique:

1. Caracterizar a espécie, a sua distribuição e diversidade genética

Identificar os exemplares de carvalho-de-monchique e caracterizar os ecossistemas onde têm conseguido subsistir são os primeiros passos para dar resposta aos múltiplos desafios que se colocam à espécie.

O trabalho começa, por isso, com a realização de visitas de campo e a obtenção de imagens por deteção remota (drone, LiDAR, satélite) que serão classificadas com recurso a tecnologias inovadoras de machine learning para caracterizar e mapear as áreas de ocorrência da espécie. Este trabalho vai permitir avaliar a estrutura destas florestas sob os pontos de vista fisionómico e funcional, avaliando os fatores e condições ambientais particulares, que promovem a sua existência e permanência no território.

Adicionalmente, será feita a caracterização molecular de árvores selecionadas, com recurso a ferramentas de genómica. Pretende-se, assim, identificar exemplares característicos da espécie, analisar o potencial grau de hibridação com o carvalho-português e caracterizar a diversidade das subpopulações portuguesas desta espécie.

Este trabalho está atribuído a uma equipa de investigadores já dedicados a aprofundar o conhecimento sobre os Quercus portugueses, do BIOPOLIS-CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) e do Jardim Botânico da Universidade do Porto, que apoiará a transferência do conhecimento gerado para a equipa responsável pela fase seguinte do processo.

2. Reproduzir e multiplicar material vegetal

Os carvalhos-de-monchique identificados pelo seu elevado interesse para a conservação vão ser alvo de um estudo aprofundado sobre a sua capacidade de reprodução e multiplicação. Com o envolvimento de uma equipa técnica com larga experiência em propagação de materiais vegetais, será estudada a melhor estratégia de germinação de sementes (bolotas) e realizados ensaios de propagação vegetativa (novos rebentos a partir de pés – propágulos – da planta-mãe), assim como de reprodução por cultura de tecidos in vitro.

A curto e médio prazo, esta informação irá apoiar a germinação e propagação do carvalho-de-monchique nos Viveiros Aliança, onde decorrem estas etapas do trabalho. Se possível, será também criado um parque de plantas-mãe que assegure a continuidade da propagação.

Adicionalmente, os dados recolhidos ajudarão a estabelecer protocolos para o alargamento (em quantidade e alternativas) dos materiais de reprodução que poderão apoiar o crescimento da população deste carvalho em mais larga escala, e que integrarão, no futuro, um catálogo adaptado à implementação da espécie no sudoeste alentejano e algarvio.

3. Instalar bosquetes para aumentar diversidade e disponibilidade de sementes

Um dos fatores preponderantes para a preservação e permanência do carvalho-de-monchique no seu território natural é a recuperação das suas florestas. Pelas particularidades ecológicas e biogeográficas do sudoeste português, este tipo de floresta muita antiga pode-se preservar e enriquecer com outras espécies (e elementos florísticos) de elevado valor, muitas delas consideradas como relíquias, como a faia-das-ilhas (Myrica faya) e a adelfeira (Rhododendron ponticum) por exemplo.

Trata-se, pois, de recuperar as espécies que compõem o habitat florestal natural desta região, onde se incluem outros carvalhos, como o sobreiro (Quercus suber), o carrasco-arbóreo (Quercus pseudococcifera), o carvalho-português (Quercus faginea), e a carvalhiça (Quercus lusitanica), mas também espécies que podem promover um ambiente pré-florestal, como o medronheiro (Arbutus unedo), o loureiro (Laurus nobilis) e o aderno (Phyllirea latifolia).

Uma vez que estas florestas contactam com florestas ripícolas, será dada também atenção a espécies florestais destes ambientes, como o amieiro-português (Alnus lusitanica) o amieiro-negro (Frangula alnus subsp. baetica) e até espécies ameaçadas destes ambientes, como a Campanula primulifolia.

Odemira e Monchique serão as zonas do país onde se instalarão estes materiais de reprodução. “Serão instalados em propriedades florestais geridas pela Navigator em Odemira e Monchique, tanto para reforço dos habitats com alto valor para a conservação onde o carvalho-de-monchique está presente, como para futura produção de semente com maior diversidade genética, que possa apoiar outras iniciativas de reflorestação e recuperação de habitats”, revela Nuno Rico, responsável pela Conservação da Biodiversidade da The Navigator Company e por levar a cabo esta missão de restaurar as florestas relíquia do sudoeste.

Florestas mais resilientes e bem-adaptadas

O projeto global, no qual se integra esta missão de recuperar o carvalho-de-monchique, vai replicar boa parte destes procedimentos a outras espécies florestais de elevado valor económico e ecológico, para assim melhorar a saúde, resistência e produtividade das florestas plantadas e a das florestas naturais com maior interesse para a biodiversidade, a conservação de habitats protegidos e a recuperação de ecossistemas degradados.

Várias das espécies visadas têm uma presença reduzida em Portugal, como é o caso da rara adelfeira (Rhododendron ponticum), e mesmo com cuidados adequados tem sido difícil apoiar a sua reprodução e ampliação na natureza. Outras, embora mais comuns, como o medronheiro (Arbutus unedo) e vários carvalhos autóctones, têm muita procura, nomeadamente em projetos de regeneração de ecossistemas degradados, mas faltam materiais de reprodução para iniciativas de reflorestação e conservação.

Os efeitos das alterações climáticas colocam novos desafios a estas espécies e aos seus habitats, pelo que é mandatório o avanço nas medidas de proteção e gestão, recorrendo aos mais avançados conhecimentos e ferramentas, incluindo tecnologias de análise espacial e de genética de conservação. Estas ferramentas são ainda incipientes em Portugal, mas mostram-se indispensáveis para apoiar a melhor tomada de decisão quando estão em causa riscos de extinção e perdas de habitat. Assim, torna-se prioritária a concentração de esforços na conservação e na criação de ecossistemas mais resilientes e mais capazes de se adaptarem aos cenários de alterações climáticas.

Estas são convicções partilhadas por mais de uma dezena de entidades, que unem esforços, durante três anos, para aumentar em Portugal a disponibilidade de materiais de reprodução e plantas mais bem-adaptadas, resistentes e tolerantes às pressões acrescidas das alterações climáticas.

O projeto integrado no âmbito do PRR Agenda Transform denominado P1.1. Melhoramento genético e materiais florestais de reprodução, um consórcio liderado pelo RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel e o INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, as entidades mais envolvidas nesta tarefa são as empresas a Navigator Forest Portugal, os Viveiros Aliança e o Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior, que contam com a consultoria do BIOPOLIS-CIBIO e o Jardim Botânico da Universidade do Porto. Ainda neste projeto estão integradas outras entidades como a Altri, a ESAC – Escola Superior Agrária de Coimbra e o ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

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