Biohistórias

Natureza

Luis Ferreira: fotografar a natureza é um ‘jogo da caça’

Natureza, outdoor, aventura, viagem. O multifacetado Luis Ferreira desdobra-se em géneros fotográficos, mas como confessa ao Biodiversidade.com.pt é a captação de imagens de animais que lhe faz brilhar os olhos. Para ele, as fotos são, também, uma forma de educar e sensibilizar para a preservação.

Desde cedo que Luis Ferreira obedece ao apelo da natureza, fotografando-a das mais variadas formas, mas é a paixão pelos animais e pela sua conservação que o impulsionam em aventuras por Portugal. As espécies ameaçadas, difíceis de captar, são o tema que mais o atrai. “Se estiver fechado numa tenda-abrigo horas a fio, a aguardar por uma espécie muito rara e muito difícil de retratar, esse jogo atrai-me; um ‘jogo da caça’, sem fazer mal ao animal”.

Para Luis Ferreira, fotografar espécies como a abetarda (Otis tarda), “Em Perigo” (EN) em Portugal; a cabra-montês (Capra pyrenaica), “Criticamente em Perigo” (CR); o caimão (Porphyrio porphyrio), uma espécie “Vulnerável” (VU); ou o peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus) e o grifo (Gyps fulvus), espécies “Quase Ameaçadas” (NT), é especialmente relevante. “Para mim, é importante o facto de as mostrar, de tornar visíveis alguns dos seus comportamentos e conseguir sensibilizar as pessoas, nomeadamente as crianças, que, acredito, possam fazer uma maior diferença”, explica.

E é por esta razão que também se dedica ao projeto Educar a Preservar, um complemento ao seu trabalho fotográfico e videográfico, em que visita escolas e partilha com as crianças factos e curiosidades sobre as várias espécies, sempre de forma didática. O projeto já abrangeu mais de 400 crianças e o objetivo é continuar a consciencialização junto dos mais pequenos, instigando a sua curiosidade e sentido cívico.

Luís Ferreira partilha com as crianças, e com quem segue o seu trabalho, muitos dos “encontros especiais” que tem testemunhado. O encontro com a águia-de-bonelli (Aquila fasciata) foi um deles. É um “animal muito inteligente” que, apesar da camuflagem cuidadosa, se apercebe de que existe uma presença atípica na zona e que é, por esta razão, uma espécie difícil de fotografar. Outro dos seus encontros, com uma centena de abutres num “festim gigante de alimentação”, foi “único e marcante”.

Com a cagarra (Calonectris borealis), espécie “Vulnerável” no continente e “Pouco Preocupante” (LC) nos arquipélagos dos Açores e da Madeira, o encontro repetido é indicador de uma relação muito especial. O seu “amor gigante” por estas aves marinhas levou-o por três vezes ao subarquipélago das Selvagens, 280 quilómetros a sul do arquipélago da Madeira. Destas visitas, e após um ano passado em pedidos de autorização, nasceu o livro Ilhas Selvagens. É com entusiasmo que fala no “privilégio de poder lá estar”, naquelas ilhas classificadas como Área Importante para as Aves e Biodiversidade (IBA) pela organização ambiental BirdLife International.

Luis Ferreira: fotografar a natureza é um ‘jogo da caça’

Quatro etapas e muitas doses de paciência e dedicação

 

Cada foto que vemos no extenso portefólio de Luís Ferreira esconde um minucioso trabalho em várias etapas. Além dos que podem chegar a ser vários dias de trabalho de campo, há esperas que poderão – ou não – resultar nos tão apetecidos frutos, neste caso, em fotos capazes de transmitir os elementos únicos de cada animal.

  • A primeira fase é a da obtenção de autorizações. Porque fotografa espécies ameaçadas, é necessário obter autorizações para captar imagens nestas zonas com interesse para a conservação. Como explica ao Biodiversidade.com.pt, “até a autorização ser dada podem passar muitos meses, uma semana ou posso ser autorizado no próprio dia, dependendo das entidades ou dos locais em questão.”
  • Depois das burocracias ultrapassadas, a fase da captação é usualmente composta por “vários dias seguidos de trabalho”. O fotógrafo faz-se à estrada de madrugada, certificando-se de que chega ao destino ainda antes do nascer do sol. “Os meus dias começam facilmente às duas, três ou quatro da manhã”, explica, “para fazer a viagem e chegar ainda de noite.” Para que os animais não deem pela sua presença, é fundamental camuflar-se, vestindo um fato-folha e improvisando uma tenda oculta. Sobre esta instalação dissimulada no terreno, Luis Ferreira recorda o último projeto, em que fotografou grous (Grus grus) no Alentejo. Uma trincheira de uma antiga capela, feita para impedir o gado de entrar, foi o abrigo perfeito e permitiu que os animais se aproximassem. “Foi incrível”, comenta.
  • Segue-se a fase da edição, à qual nem todas as imagens chegam. Para fotografar um animal não basta apontar a objetiva e clicar: captar a sua verdadeira essência é uma preocupação de Luis Ferreira, porque “há imagens que não mostram o animal como ele é” e é preciso “selecionar e trabalhar as imagens da melhor forma, para sensibilizar e mostrar o animal e os seus comportamentos naturais”.
  • Por fim, surge a divulgação. A National Geographic é uma das revistas que tem vindo a publicar o trabalho de Luís Ferreira, mas até esta fase pode implicar paciência. Um trabalho pode sair “no próprio mês, ou passados vários. Já me aconteceu publicar dois anos depois e até vender trabalho com mais de dez”. E brinca: “Os dias de trabalho, às vezes, tornam-se anos”.
Luis Ferreira: fotografar a natureza é um ‘jogo da caça’

Uma paixão antiga que Luis Ferreira mantém acesa

 

Um tio-avô, amante de viagens, encorajou-o a agarrar numa câmara e tirar a sua primeira fotografia, em que imortalizou um pôr-do-sol. Tinha 14 anos. Hoje com 40, relembra como, logo aos 16 anos, comprou a sua primeira câmara para documentar uma viagem à Eslováquia, integrada num intercâmbio cultural. Ao verem a sua câmara, os membros do grupo com quem viajava decidiram que a fotografia ficaria a seu cargo – no total, oito rolos com 36 exposições cada.

Fotografar muito tem grande importância na preparação de um bom fotógrafo de natureza, mas outras especializações tiveram igual relevância na carreira de Luis Ferreira e vieram enriquecer o seu trabalho. A sua formação em design industrial foi uma delas: levou-o a aprofundar a história da arte e da estética, e a ter noções sobre pintura clássica. Também a curiosidade em conhecer o trabalho dos seus pares desempenha o seu papel, revela.

26 anos depois do seu primeiro pôr do sol, perante a pergunta “se há alguma foto ainda não captada?”, os olhos brilham novamente. O próximo plano é especializar-se em imagem subaquática. Como se descrevesse uma tela ainda por pintar, Luis Ferreira explica: “para que o meu projeto com as cagarras das Ilhas Selvagens fique completo, preciso de uma imagem de uma ‘bola de peixe’, com golfinhos e com as cagarras a mergulhar para alcançar os peixes”.

Imagens gentilmente cedidas por Luis Ferreira.

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