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Pólen, vento, alergias e biodiversidade: qual a relação?

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Espirros, lágrimas, nariz congestionado, dor de cabeça… Estas são algumas das reações alérgicas mais comuns ao pólen. Apesar do incómodo que causa, ele é essencial à biodiversidade e sem os milhares de partículas que, em especial, na primavera, são transportadas pelo vento, a continuidade de uma boa parte das espécies de flora estaria em risco.

12% das plantas com flor e parte significativa das árvores, nomeadamente das coníferas (árvores que produzem pinhas), reproduzem-se à “boleia” do vento. Desde pequenas plantas silvestres, como a artemísia-comum (erva-de-são-joão) e a invasora ambrósia, a árvores de maior porte, incluindo oliveiras, ciprestes e pinheiros, são muitas as espécies de flora cujo pólen necessita do vento para se dispersar.

Estas são as chamadas plantas anemófilas (ou espécies de reprodução anemófila): “ánemos” para vento e “filia” para amor ou afinidade, termos que se juntam para designar as plantas cuja reprodução implica afinidade pelo efeito de dispersão causado pelo vento. E o vento pode transportar o seu pólen a grande distância, promovendo maior diversidade genética e de ecossistemas.

Mas o que é, afinal, o pólen? Cada minúsculo grão é, na realidade, a estrutura (microgametófito) que produz as células reprodutivas masculinas (os gametas masculinos) das plantas. Para que haja reprodução, o pólen tem de conseguir alcançar as estruturas femininas, cuja configuração está bem-adaptada para acolher estes minúsculos grãos.

Para serem bem-sucedidas na sua propagação, as plantas anemófilas produzem milhões de partículas de pólen microscópicas. A sua dimensão ronda os 10-50 micrómetros (sendo um micrómetro a milésima parte do milímetro), mas pode ser menor, como acontece no género Myositis (2,5 micrómetros), ou maior, como no género Zea (125 micrómetros). Por serem tão pequenas, secas e leves, estas partículas conseguem ficar suspensas na atmosfera, até aos três mil metros de altitude, e viajar ao sabor do vento durante centenas de quilómetros. Apenas uma ínfima parte alcança as estruturas femininas das plantas.

Quando o pólen se encontra no ar acaba por entrar em contacto com o nosso sistema respiratório e é assim que se desencadeiam as reações e sintomas alérgicos. Eles acontecem com maior intensidade na primavera por ser esta a estação em que a maioria das plantas produz pólen, embora diferentes espécies o originem em variadas épocas do ano.

A maior concentração de partículas e os dias de primavera mais quentes e secos aumentam a quantidade de pólen que se mantém no ar (a chuva e humidade fazem-nos assentar), o que pode causar rinite alérgica, conjuntivite alérgica, eczema, urticária e crises de asma. Estas são reações que reconhecemos nos seres humanos, mas algumas são também comuns a outras espécies domésticas, como gatos e cães.

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Sabia que…

  • Ao contrário do que muitas pessoas pensam, não são as penugens dos dentes-de-leão (Taraxacum officinale) ou os farrapos de algodão dos choupos (Populus spp.) os principais responsáveis pelos “atchins” primaveris, pois estas estruturas são grandes demais para entrar no nosso sistema respiratório. As partículas de pólen responsáveis pelas reações alérgicas são invisíveis ao nosso olhar.
  • As gramíneas (Poaceae) são uma das famílias de angiospérmicas (plantas com flores e cujas sementes estão envoltas e protegidas por frutos) que têm maior sucesso reprodutivo pela ação do vento e são também das que mais alergias causam. Estima-se que existam mais de 10 mil espécies de gramíneas no mundo (cerca de 270 em Portugal) e conseguem viver praticamente em todos os tipos de habitat. Mais de 50% das calorias que consumimos provêm de gramíneas, em especial das cultivadas, onde se inclui a cevada, o trigo, a aveia, o arroz, o milho, a cana-de-açúcar ou o bambu, assim como plantas que usamos em chás, como a erva-príncipe. Algumas são também uma importante fonte de nutrientes para vários herbívoros.
  • Como não precisam de atrair animais polinizadores para conseguir fazer a polinização, a evolução das flores nestas espécies anemófilas favoreceu as que não desperdiçam energia em estéticas elaboradas. Na maioria, as flores são pequenas, pouco coloridas, desprovidas de perfume e não produzem néctar, nem têm pétalas. Nas estruturas femininas, o estigma (secção superior do estilete, que é a parte feminina das flores) é destacado e amplo para melhor acolher as partículas que vão depois germinar e fertilizar o óvulo. De resto, este pólen é normalmente de menor dimensão, produzido em maior quantidade e é menos nutritivo (menos apetecível para os insetos polinizadores).
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Diferentes formas de Polinização

 

Estas partículas que causam alergias são tipicamente mais pequenas do que os grãos transportados pelos polinizadores. À polinização feita pelas abelhas e outros animais – como borboletas, escaravelhos, moscas, pássaros, morcegos e até formigas – chama-se zoófila ou entomófila.

Esta é a forma mais comum de promover a continuidade das espécies de flora, assim como a sua diversidade genética. Para ajudar ao sucesso do transporte, além das diferenças de dimensão, este pólen possui estruturas adesivas ou espinhosas, que lhe permitem aderir aos pelos dos insetos.

Adicionalmente, há espécies cujo pólen flutua na superfície da água, deslocando-se até encontrar outra planta. Esta forma de polinização, chamada polinização hidrófila de superfície, é mais rara. Está reservada a algumas plantas aquáticas e estima-se que aconteça em apenas 2% dos casos. Mais raros ainda são os casos em que os pólenes “navegam” submersos.

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