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Velhos castanheiros são refúgio para a biodiversidade

Em finais de outubro, os ouriços já começaram a cair dos castanheiros (Castanea sativa), revelando as muito ansiadas castanhas. É assim nas terras de montanha em Portugal, em especial no centro e norte, onde os velhos castanheiros dão abrigo a dezenas de espécies, entre as quais plantas raras, aves de rapina e apreciados cogumelos.

O castanheiro terá conseguido sobreviver durante o último período glacial (glaciação de Würm), em alguns “refúgios” na Europa central e mediterrânica. As sementes dos castanheiros que resistiram ao frio e neves deste longínquo período terão, lentamente, reforçado a presença da espécie Castanea sativa, mas foi pelo cultivo que ela se tornou comum e valorizada em grande parte da Europa.

A primeira evidência escrita sobre a cultura do castanheiro remonta ao século III a.C., na obra “Historia plantarum”, de Teofrasto, e pensa-se que o cultivo sistemático na Europa se deve aos Romanos, principalmente pelo valor que já então era atribuído às castanhas.

As matas e florestas onde os castanheiros predominam em Portugal, mesmo aquelas povoadas pelos chamados castanheiros bravos, terão sido, assim, introduzidas ou influenciadas pela ação humana, não sendo conhecidos em Portugal continental bosques naturais com castanheiro. No entanto, a sua presença é tão antiga, que é considerado uma espécie nativa.

Atualmente, há mais de 20 variedades de castanheiros (Longal, Judia, Martaínha são alguns exemplos) plantadas para colheita de castanhas, mas subsistem também as matas onde a madeira é o principal objetivo da cultura (varas para cestaria, por exemplo). Consoante a plantação tenha por objetivo a recolha de fruto ou madeira, estes coletivos são chamados, respetivamente, de soutos e castinçais.

Múltiplos habitats nos troncos dos castanheiros

O valor dos soutos antigos e dos castinçais abandonados é destacado pelo Plano Sectorial da Rede Natura 2000, não pela castanha ou o castanho (nome tradicionalmente dado à madeira), mas pela sua importância ecológica enquanto refúgio de biodiversidade.

A antiguidade desempenha, neste caso, um papel central, já que as árvores envelhecidas e mesmo as mortas são “lar” e refúgio para um vasto conjunto de seres vivos – fauna, flora, fungos e outros organismos – que dificilmente encontram habitat em árvores e florestas mais jovens. Neste sentido, as “Florestas de Castanea sativa” foram estabelecidas como um habitat Natura 2000 – Habitat 9260.

Refira-se que os castanheiros são grandes árvores, de grande longevidade: chegam a viver mais de mil anos e podem elevar-se até aos 30 a 35 metros de altura, com um diâmetro de tronco que pode atingir até 12 metros.

À semelhança de alguns carvalhos, os castanheiros têm tendência para perder o cerne: a parte interior do tronco apodrece à medida que as árvores envelhecem, formando zonas ocas. Criam-se, assim, grandes cavidades, fendas, zonas de madeira em decomposição e outras irregularidades naturais que servem de abrigo a muitas espécies, reforçando a importância dos velhos castanheiros como habitat e micro-habitat.

As grandes copas e estes troncos envelhecidos e ocos servem de refúgio e local de nidificação a várias aves, incluindo rapinas e pica-paus, e atraem múltiplos insetos, como os da família Elateridae, que se distinguem pelo sonoro “clique” que produzem, ou os da família Syrphidae, importantes polinizadores também conhecidos como moscas-das-flores.

Na sombra destes velhos castanheiros vivem também plantas pouco vistas, como a anémona-dos-bosques (Anemone trifolia subsp. albida), um endemismo galaico-português, a eryngium duriaei, também exclusiva da Península Ibérica, ou o “Vulnerável” martagão (Lilium martagon).

No solo, junto aos troncos, crescem cogumelos, alguns dos quais estabelecem com as raízes dos castanheiros relações mutuamente benéficas (micorrizas), como é o caso do venenoso Hypholoma fasciculare e dos comestíveis amanita-real (Amanita caesarea), amanita vinosa (Amanita rubescens), ou cantarelo (Cantbarellus cibarius).

Sabia que…

  • O castanheiro europeu pertence ao género Castanea e à família das Fagáceas, a mesma dos carvalhos (Quercus spp.) e das faias (Fagus spp.), e é a única espécie de castanheiro de origem europeia. O género agrupa mais de uma dezena de espécies, cinco das quais de origem asiática e sete norte-americana.
  • As castanhas foram um alimento base na alimentação desde a pré-história e um antecessor da batata no território que hoje é Portugal. Na Idade Média, além de assegurarem a subsistência de muitas famílias, também alimentavam os porcos e serviam como pagamento (foro ou renda) ao rei de Portugal, como descreve o livro “Por terras de Entre-Douro-e-Minho com as inquirições de D. Afonso III”.
  • O Dia de São Martinho foi instituído em homenagem a um soldado e religioso que viveu no início do século IV. Conta a lenda que terá partilhado a sua capa com um pobre para o proteger da chuva, num dia que logo se tornou solarengo, o que estará também associado ao bom tempo do “Verão de São Martinho”. Esta terá sido uma celebração tradicional do Dia de Todos os Santos (1 de novembro) que acabou por se celebrar a 11, depois de se adotar o calendário gregoriano, que retirou 10 dias ao mês de outubro de 1582 (passou-se de dia 4 para 15) atrasando numa dezena de dias as festividades de São Martinho.

Como protegemos os castanheiros?

Existem pequenas manchas de castanheiros em três áreas florestais sob gestão da The Navigator Company que correspondem às características do Habitat protegido 9260, em Trás-os-Montes e na Malcata.

Nestas áreas, é apoiada a regeneração natural da espécie e promovido o estado de conservação geral do habitat onde se encontram. Em paralelo, é monitorizada a saúde destas árvores, uma tarefa relevante quando sabemos que o castanheiro tem sido afetado por um conjunto de pragas e doenças bastante penalizadoras, como é o caso do cancro do castanheiro, da doença das galhas e da doença da tinta, não existindo ainda para esta última qualquer meio eficiente de combate biológico.

Na Quinta de São Francisco também foram plantados alguns castanheiros, que crescem lado-a-lado com os “familiares” carvalhos. Estes exemplares são acompanhados por alguns outros, que nasceram naturalmente a partir de castanhas enterradas por gaios (Garrulus glandarius). Em ambos os casos, as plantas são preservadas e beneficiam das medidas de gestão base deste espaço de conservação.

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