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Anfíbios

Sapo-parteiro-ibérico: o eco do outono

Alguma vez parou por instantes, numa noite chuvosa de outono, para ouvir um som semelhante a um pequeno pífaro? Então, é provável que tenha ouviu o sapo-parteiro-ibérico, um pequeno anfíbio cujo canto anuncia chuva, vida e um dos comportamentos parentais mais curiosos do reino animal.

Certamente, o anterior poderá ter alimentado a sua convicção em fadas ou duendes mágicos, mas, cabe-nos a nós dizer-lhe que veio de um ser ainda mais extraordinário: o sapo-parteiro-ibérico (Alytes cisternasii). Este pequeno anfíbio é um excelente cantor que deixa as suas melodias ao vento anunciando as chuvas de outono.

De corpo arredondado e aspeto robusto, o sapo-parteiro-ibérico raramente ultrapassa os 5 centímetros de comprimento. A sua pele rugosa em tons de castanho, cinzento ou verde-azeitona, salpicada de verrugas e manchas alaranjadas, funciona como armadura natural contra predadores como as cobras-de-água, aves e pequenos mamíferos, como a lontra, a doninha ou o ouriço-cacheiro, presentes no seu habitat, permitindo-lhe camuflar-se entre folhas húmidas e solo pedregoso.

Pequeno, e de hábitos noturnos e discretos, o sapo-parteiro-ibérico não é facilmente avistado durante o dia, preferindo esconder-se em buracos, sob pedras ou troncos. É quando a noite cai que sai dos seus refúgios em busca de insetos, aranhas e outros pequenos invertebrados, desempenhando um papel essencial no controlo de pragas e na saúde dos ecossistemas mediterrânicos onde vive.

O eco do outono

Porém, há noites especiais. É sobretudo no outono, entre meados de outubro e novembro, que o sapo-parteiro-ibérico revela o seu canto – um assobio curto, suave e ritmado que ecoa nas noites húmidas e mornas, quando as primeiras chuvas despertam os machos para a época reprodutiva.

Este som pode ser confundido com o do seu parente próximo, o sapo-parteiro-comum (Alytes obstetricans), mas há uma diferença importante: enquanto que a espécie ibérica se reproduz durante o outono, a comum prefere esperar pelas noites frescas de primavera, reproduzindo-se entre finais de fevereiro e meados de julho.

Como se pode adivinhar, o nome deste anfíbio deriva da particularidade de ocorrer apenas na Península Ibérica. Espécie típica do ambiente mediterrânico, o sapo-parteiro-ibérico prefere solos secos, encostas abertas e florestas de sobreiro e azinheira, desde que exista água temporária próxima.

Em Portugal, é possível encontrá-lo em quase todas as regiões a Sul do Tejo e também no Interior Centro e Norte, com um núcleo importante nas terras mais quentes de Trás-os-Montes. Já o seu parente próximo, o sapo-parteiro-comum, ocorre sobretudo a norte do rio Tejo e nas regiões serranas mais frescas, como a Serra da Estrela e o Gerês, preferindo zonas montanhosas e húmidas.

O pai que carrega os ovos às costas

Entre os anfíbios europeus, os sapos-parteiros são conhecidos por um comportamento reprodutivo único. Depois do acasalamento, a fêmea deposita um cordão de ovos que o macho envolve cuidadosamente nas patas traseiras e que, durante cerca de três a quatro semanas, transporta consigo, mantendo-os húmidos e protegidos da dessecação e de predadores até ao momento da eclosão.

Quando os girinos estão prontos a eclodir, o macho desloca-se até uma poça temporária ou charco de chuva, onde os liberta para completarem o desenvolvimento. Esta estratégia – transportar os ovos até à água no momento exato – é uma notável adaptação ao clima mediterrânico característica do sapo-parteiro-ibérico, onde as massas de água podem ser escassas e de curta duração.

Habitat e conservação

Dentro do ambiente mediterrânico, a espécie habita zonas de montado, clareiras de florestas de carvalho, campos agrícolas e encostas pedregosas, geralmente entre os 100 e os 600m de altitude, onde procura poças e cursos de água temporários com vegetação pouco densa, que lhe servem de refúgio e local de reprodução.

Embora seja uma espécie ainda comum em muitas regiões do sul de Portugal e Espanha, enfrenta ameaças crescentes como a perda de habitat, drenagem destas zonas húmidas, trânsito rodoviário e doenças emergentes como a quitridiomicose, causada pelo fungo Batrachochytrium dendrobatidis.

Segundo a Lista Vermelha da IUCN, o Alytes cisternasii está classificado como “Pouco Preocupante (LC)”, mas as populações locais podem sofrer declínios devido à fragmentação do habitat e à contaminação das águas superficiais.

Sabia que…

  • O nome “sapo-parteiro” vem do comportamento paternal dos machos, que transportam os ovos até à eclosão, como se “ajudassem no parto”.
  • A sua reprodução exclusivamente outonal é uma das adaptações mais notáveis entre os anfíbios europeus.
  • Cada macho pode carregar até 60 ovos de uma só vez, em dois cordões enrolados nas patas traseiras, durante várias semanas.
  • O canto melodioso, semelhante a um pequeno pífaro, pode ser ouvido a mais de 100 metros de distância, sendo mais suave e grave do que o do seu parente, o sapo-parteiro-comum.
  • A presença de sapos-parteiros é considerada indicadora de ecossistemas saudáveis, já que são sensíveis à poluição e à degradação da água.
  • Sapo-parteiro-ibérico

    Alytes cisternasii

  • Reino

    Animalia

  • Ordem

    Anura

  • Filo

    Chordata

  • Classe

    Amphibia

  • Família

    Alytidae

  • Género

    Alytes

  • Habitat

    prados e florestas abertas de carvalho com cursos de água nas proximidades, preferencialmente em terrenos siliciosos e solos arenosos, com vegetação pouco densa.

  • Distribuição

    Endémico da Península Ibérica; em Portugal, comum a sul do rio Tejo e no interior até Trás-os-Montes

  • Estado de conservação

    Pouco preocupante (IUCN)

  • Comprimento

    Até 5 cm

Como protegemos a espécie?

A conservação do sapo-parteiro-ibérico passa por preservar e recuperar o seu habitat, especialmente os ecossistemas mediterrânicos onde vive. São definidas zonas com interesse para a conservação que são geridas de forma a manter ou melhorar os habitats que proporcionam condições de alimentação, refúgio e reprodução, podendo funcionar como corredores ecológicos para facilitar a dispersão natural das espécies e o intercâmbio genético entre populações.

A conservação e recuperação de pequenas massas de água e cursos de água, mantendo quanto possível a sua dinâmica natural  a manutenção de tanques agrícolas tradicionais, a redução do uso de fitofarmaceuticos e condicionamento do seu uso junto às massas de água e a são medidas essenciais para o sucesso reprodutivo da espécie, uma vez que os girinos necessitam de águas pouco poluídas.

Mais do que contribuir para o sucesso de uma espécie fascinante da nossa biodiversidade, conservar o sapo-parteiro-ibérico é proteger um fragmento vivo do património natural mediterrânico!

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