Biohistórias

Eucalipto

A biodiversidade ao longo do ciclo de produção do eucaliptal

Longe vai a noção de que as florestas de produção são “desertos verde”. Durante os cerca de doze anos que dura cada ciclo de produção de uma plantação de eucalipto, seguindo práticas de gestão adequadas, muitas são as transformações visíveis, tanto no desenvolvimento de sobcoberto, como na fauna e flora que por lá ocorrem. Vamos conhecer como os vários ciclos de produção de um eucaliptal influenciam a biodiversidade que escondem.

Segundo dados do 6.º Inventário Florestal do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, 36% da ocupação do solo em Portugal continental é florestal, resultado de múltiplas campanhas de florestação de várias espécies (sobretudo de pinheiro-bravo, mas também de sobreiro, azinheira e eucalipto) ocorridas no século passado – no final do século XIX, a área florestal portuguesa ocupava apenas 7% do nosso território. Da área florestal que temos hoje, as espécies que mais abundam são autóctones, de entre as quais carvalhos, onde se inclui o sobreiro e a azinheira (34%), seguindo-se os pinheiros (30%) e depois os eucaliptos (26%). O tema do impacte das florestas de produção na biodiversidade do país, especialmente das plantações de eucalipto, tem vindo a ser debatido e estudado desde há várias décadas e sabe-se hoje que manter a complexidade da paisagem é uma das estratégias para garantir a essencial conservação da biodiversidade.

Nas áreas de plantação, a produção e valores como a biodiversidade devem coexistir, podendo esta simultaneidade trazer inclusivamente benefícios à produtividade e à manutenção destas florestas, como por exemplo, ser uma preciosa ajuda no controlo de pragas. Ciente disto, a política europeia tem criado convenções e acordos para garantir a implementação e manutenção das boas práticas florestais, tais como o Programme for the Endorsement of Forest Certification (PEFC) e o Forest Stewardship Council® (FSC®)[1], certificações atribuídas por entidades independentes e adotadas voluntariamente pelas empresas, comprometendo-se estas com a gestão responsável das florestas, respeitando critérios exigentes em termos ambientais, sociais e económicos.

Para garantir uma produção sustentável durante os curtos ciclos de produção de espécies como o Eucalyptus globulus, salvaguardando a biodiversidade e a resiliência da plantação, gerir responsavelmente a floresta é um trabalho contínuo e que requer a presença no terreno. Dependendo do regime de exploração e da presença ou não de sobcoberto, existem características que se refletem na diversidade e complexidade florística e faunística e nas espécies observadas em dada plantação de eucalipto – na The Navigator Company, aguarda-se 12 anos até ao primeiro corte e depois é feita uma exploração em talhadia, em que são reaproveitados os rebentos das árvores, com um ciclo de 12 anos e de até três rotações.

Ainda segundo o 6.º Inventário Florestal do ICNF, a área do nosso território ocupada pela floresta está a aumentar gradualmente – 8,3% entre 2005 e 2015. Em Portugal, a maioria das plantações de eucalipto foram estabelecidas em terrenos abandonados, incultos ou antes ocupados por povoamentos florestais (de pinheiro-bravo ou de eucalipto). Em nenhum destes casos terá ocorrido perda significativa de biodiversidade, pois as formações vegetais anteriores não eram caracterizadas por uma grande diversidade da vegetação espontânea.

As mudanças no eucaliptal

São várias as atividades florestais compreendidas no ciclo de produção de um eucaliptal, com a duração média de dez a doze anos. Durante cada uma dessas etapas, o eucaliptal apresenta diferentes configurações, mas sempre uma paisagem heterogénea que se modifica em simultâneo à medida que o crescimento do eucalipto avança. Se, naturalmente, no início das operações, a paisagem é desprovida de árvores, com a presença de alguns arbustos dispersos, na última fase, ao aproximar-se a fase de corte do povoamento, assemelha-se mais à imagem que temos de uma floresta.

Das principais diferenças entre floresta plantada e floresta nativa contam-se, então, a maior densidade do arvoredo das florestas naturais, composta por múltiplos extratos – várias espécies em vários ciclos de produção – o que atrai e serve de habitat a vários animais, e uma maior extensão de solo coberto por vegetação espontânea. No caso das florestas de produção, esta densidade arbórea não é praticável por várias razões: pela maior vulnerabilidade aos incêndios, devido à continuidade de combustível horizontal e vertical, pela competição, e pela dificuldade que traz às operações florestais. A estrutura variada afeta ainda a ocorrência de fauna: para as espécies predadas, menos vegetação e densidade arbórea significa maior exposição aos perigos, optando estas por outros habitats para viver.

Além destas distinções, estudos demonstram que há também disparidades na quantidade de nutrientes que se encontra à disposição nas plantações de eucaliptal, o que se pode alterar com a adição de alguma vegetação, que irá impedir a escorrência da água e manter no solo mais nutrientes.

[1] A Navigator Forest Portugal tem a sua gestão florestal certificada, em Portugal Continental, pelo FSC (FSC®–C010852) e pelo PEFC (PEFC/13-23-001).

A flora no eucaliptal

Seguindo a máxima de que para agir é preciso compreender a paisagem, vários estudos, tanto nacionais quanto internacionais, têm ajudado a clarificar que tipo de biodiversidade se esconde nas florestas de produção, nomeadamente eucaliptais, ajudando a perceber como se pode compatibilizar valores de conservação sólidos e a produção e quais as medidas a colocar em prática.

Sabendo que a floresta plantada tem com objetivo a produção, é errado pensar que o seu único propósito se encerra nele: mais do que nunca, as empresas compreendem o papel valioso que desempenham na conservação da biodiversidade, considerando a gestão florestal sustentável um dos maiores trunfos para a produção sustentável e ambientalmente responsável.

Exemplo disto mesmo são os bosquetes ou árvores longevas e cavernosas, como o sobreiro, que são intencionalmente mantidas no interior dos povoamentos de eucalipto. A salvaguarda dos valores naturais da floresta está assegurada nos eucaliptais geridos de forma sustentável, que coexistem lado a lado com zonas de interesse para a conservação, como bosques ripícolas, manchas de vegetação autóctone, matos mediterrâneos (por exemplo, medronhais) e bosques naturais, como os compostos por carvalhos, azinheiras e sobreiros.

Tal como acontece com a fauna, também a flora presente no eucaliptal sofre alterações durante o ciclo de produção do eucaliptal. Nas plantações recentes em que o sol incide diretamente no solo ocorrem tojos (Ulex europaeus) ou urzes (Calluna vulgaris), espécies pioneiras importantes, nesta fase, estabilizando e protegendo o solo da erosão e as árvores jovens de ventos e geadas – e que tinham anteriormente sido removidas, aquando da preparação do terrena para plantação. Esta vegetação aumenta a riqueza orgânica na superfície do solo, essencial para a retenção de nutrientes, reduzindo a sua perda por lixiviação(isto é, que os nutrientes sejam arrastados pelas águas superficiais), diminuindo a quantidade que percola no solo.

Estas espécies são substituídas por outras, mais tolerantes à sombra, assim que as copas das árvores se adensam. O eucalipto permite igualmente a criação de condições para a sucessão ecológica de outras espécies florestais nativas, como o sobreiro e algumas espécies de carvalhos, que ocorrem dentro dos eucaliptais, caso as práticas de gestão florestal as favoreçam, bem como outras, arbustivas ou subarbustivas, espécies perenes com raízes mais profundas, obtendo-se um solo visivelmente menos coberto por vegetação, mas nem por isso menos rico. Esta vegetação, que pode ser mantida entrelinhas entre abates, contribui grandemente para o número de espécies vegetais presentes no eucaliptal. Um estudo feito na região de Óbidos e descrito no livro “O Eucaliptal em Portugal”, desenvolvido pelo Instituto Superior de Agronomia, avança que esta vegetação, ao ser mantida “num contexto de sustentabilidade e de biodiversidade das plantações florestais instaladas”, traria uma diversidade biológica e médio prazo, servindo de zonas atrativas para espécies até então não compatíveis com o eucaliptal.

Tudo se resume, então, ao planeamento da paisagem e à gestão colocada em prática, observando-se resultados positivos quando a conservação da biodiversidade surge como prioritária na política das empresas na conservação dos valores naturais, tal como acontece na The Navigator Company.

A fauna no eucaliptal

A floresta plantada de forma uniforme convidará um leque não tão variado de espécies a nela viver: durante a maturação do eucaliptal, o tipo de habitat que constitui está, também ele, em evolução, impactando que espécies de fauna e flora passam a ocorrer nesse espaço. Contudo, mesmo no início do ciclo, representam um importante papel de interligação entre áreas de floresta natural e ainda como habitats complementares, utilizados por espécies que não ocorrem apenas em habitats abertos. Funcionam ainda como um tampão entre áreas agrícolas e florestas naturais.

Com o avançar de alguns estudos dedicados ao tema em Portugal continental, realizados pela Universidade de Aveiro e pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, verifica-se que os eucaliptais são usados pelos vertebrados (por exemplo, veados, javalis, lebres, pequenos mamíferos, entre outros), e podem ter um papel na conservação sobretudo quando são mantidos espaços naturais no interior ou nas zonas limítrofes das plantações – por exemplo, a raposa (Vulpes vulpes) utiliza os eucaliptais, sobretudo na sua fase madura, quando este mais se assemelha estruturalmente à floresta natural. São também um habitat para espécies com interesse cinegético. Ainda não são claros que mecanismos permitem às populações destes animais nativos utilizarem estes locais.

Um outro conjunto de estudos abrangendo a Península Ibérica analisou a biodiversidade presente em florestas de eucalipto jovens e comparou a sua riqueza com a das florestas naturais. Os resultados não deixam margem para dúvidas: embora, na globalidade, se encontrem menos espécies, observando-se -91% de líquenes em plantações jovens, observa-se também um acréscimo de 21% de formigas. Outros estudos apontam para um impacte negativo ou neutro das plantações de Eucaliptus globulus na biodiversidade, quando comparadas com os ecossistemas nativos.

Devido ao crescimento aprumado dos eucaliptos e à ausência de suporte adequado à construção de ninhos, as plantações de eucalipto são pouco usadas por aves de rapina para nidificação. No entanto, a águia-de-bonelli (Aquila fasciata), espécie com estatuto “Vulnerável” (VU), pode utilizar grandes eucaliptos para a nidificação, tendo já sido pontualmente encontrados alguns locais de nidificação de outras aves de rapina em eucaliptos de produção ou na vizinhança, como é o caso do açor (Accipiter gentilis) e da águia-de-asa-redonda (Buteo buteo). Para proteger estas espécies no período da reprodução e evitar atividades impactantes no terreno são definidas zonas de tampão à volta dos ninhos, definidas caso a caso. A sua presença é possibilitada também pelo maior número de roedores em eucaliptal, como atesta um estudo efetuado pela Companhia das Lezírias. É uma conclusão importante, já que estes servem de alimento a várias outras espécies.

Outro exemplo do efeito do planeamento das operações florestais, a criação de áreas de proteção em torno de cursos de água, corredores ecológicos e habitats naturais é uma ferramenta fundamental que ajuda a mitigar eventuais impactes negativos na conservação da biodiversidade. Para espécies como a lontra (Lutra lutra), por exemplo, preservar as galerias ribeirinhas através de faixas de proteção de até 30 metros, onde não são feitas plantações de eucalipto, bem como levados a cabo outras ações incompatíveis.

Assim que surge uma maior densidade de vegetação e outras espécies de árvores, outros organismos são atraídos, tais como répteis e anfíbios, aves e mamíferos, artrópodes e fungos. A sua casca é abrigo de muitos insetos.

Nos ecossistemas ribeirinhos, está bem documentado que a plantação de eucaliptos nas galerias ripícolas tem efeitos negativos, com impacte sobre o funcionamento destes ecossistemas, alterando a quantidade, qualidade, sazonalidade e taxa de decomposição dos detritos e reduzindo a diversidade das comunidades de invertebrados. No entanto, as medidas de gestão florestal como a constituição de buffers de proteção a estes cursos de água onde não se promove a plantação produtiva evita este impacte negativo.

O impacto da gestão florestal responsável

Como vem sendo aqui demonstrado, a biodiversidade nas florestas de plantação é um tema que continuará a suscitar o interesse de biólogos, ecólogos e de produtores florestais, permitindo que se estude e conheça cada vez melhor a diversidade que estas áreas albergam. Se é certo que nem todas as respostas sobre este tema são conhecidas, é igualmente seguro dizer que as plantações de eucaliptal não são meros “desertos verdes” no mapa de Portugal.

Uma gestão florestal responsável procura ter um impacte neutro ou positivo na conservação da biodiversidade, pressupondo a condução dos povoamentos de forma compatível com a conservação dos valores naturais. Para isto, concorrem medidas como:

  • A criação de buffers de proteção dos cursos de água;
  • O respeito pelas fases críticas dos ciclos de vida das espécies;
  • A garantia da diversidade da idade dos talhões com um corte faseado;
  • A manutenção de zonas de vegetação natural com interesse para a conservação dentro de nas zonas limítrofes dos eucaliptais;
  • O restauro ecológico.

Todas estas medidas, combinadas com estratégias de prevenção de incêndios florestais, contribuem para um mesmo objetivo: evitar ou mitigar os potenciais efeitos negativos das plantações na biodiversidade e serviços dos ecossistemas, podendo até, como nos projetos de restauro ecológico, impactar positivamente.

O Biodiversidade.com.pt continuará a apresentar as muitas espécies faunísticas e florísticas que escolhem as florestas da The Navigator Company para viver, nidificar, reproduzir-se e alimentar-se.

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