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Boas e menos boas notícias no Livro Vermelho dos Mamíferos

No último trimestre de 2022 será possível conhecer melhor o estado de conservação e o estatuto de ameaça de perto de oito dezenas de mamíferos terrestres e marinhos naturalmente presentes no nosso território, graças ao novo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental.

O novo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental deverá estar pronto e impresso já no outono de 2022. Quem o adianta é Nuno Negrões, coordenador-executivo da equipa dedicada aos carnívoros e ungulados terrestres.

Este Livro Vermelho dos Mamíferos procura reavaliar os estatutos de ameaça determinados pelo seu predecessor, em 2005, que tinha registado 104 espécies e avaliado 74. O objetivo foi agora recompilar informação da ocorrência destes mamíferos através de novas amostragens (trabalho que decorreu entre 2019 e 2021), para perceber como evoluíram as suas populações – se estão estáveis, se regrediram ou aumentaram – e também para tentar colmatar lacunas relativamente a espécies sobre as quais falta informação.

“Conhecer mais sobre espécies que careciam de dados é essencial para poderem ser avaliadas, como é o caso da marta (Martes martes), do toirão (Mustela putorius) e do arminho (Mustela erminea)”, refere Nuno Negrões, explicando que, no Livro anterior, estes e vários outros mamíferos ficaram sem estatuto de ameaça atribuído por falta de dados. E sem esta informação não existe forma de determinar as melhores práticas de atuação para proteger estas espécies e os seus habitats.

Os dados atualizados do novo Livro Vermelho dos Mamíferos serão, por isso, uma importante base de apoio, inclusive para os privados que, como a The Navigator Company, recorrem a esta informação para traçar prioridades e otimizar a gestão da conservação da biodiversidade nas áreas florestais que gerem.

O objetivo do novo Livro Vermelho dos Mamíferos passa também por compreender como evoluíram as populações das diferentes espécies, inclusive das classificadas como ameaçadas.

O gato-bravo (Felis silvestris), juntamente com o lince-ibérico (Lynx pardinus) e o lobo-ibérico (Canis lupus) são, por isso, exemplos de espécies que mereceram atenção especial. “Mas enquanto estes dois últimos têm projetos próprios, outras espécies não os têm e pouco se conhece sobre elas”.

Os dados recolhidos estão a permitir a avaliação de algumas das espécies menos conhecidas, como a marta e o toirão, mas há casos em que não se antecipam boas notícias, pois eles apontam para uma evolução desfavorável das populações. O gato-bravo e o toirão, adianta o investigador, são duas das espécies em que se observa regressão e em que são necessários esforços adicionais, tanto de conhecimento como de conservação.

Algumas destas espécies não são fáceis de observar, pois vivem em habitats muito específicos, e há fatores de ameaça desconhecidos, nomeadamente fatores mais silenciosos, como o efeito de doenças ou, por exemplo, no gato-bravo, o efeito da hibridação com o gato doméstico.

Entre os carnívoros terrestres observados, vários outros devem manter-se como “Pouco Preocupantes”, como é o caso da raposa (Vulpes vulpes), doninha (Mustela nivalis), fuinha (Martes foina), texugo (Meles meles), geneta (Genettta genetta) e sacarrabos (Herpestes ichneumon).

Relativamente aos ungulados terrestres (mamíferos silvestres com cascos), a cabra-montês (Capra pyrenaica) é a mais crítica, mas a evoluir de forma mais favorável: “a sua presença continua circunscrita à área protegida do Parque Nacional Peneda Gerês, mas observa-se um aumento do seu efetivo populacional desde que foi reintroduzida do lado espanhol”, esclarece Nuno Negrões. De resto, corços (Capreolus capreolus), veados (Cervus elaphus) e javalis (Sus scrofa) não suscitam grande preocupação.

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Sabia que

  • A fotoarmadilhagem é a forma mais adequada para captar imagens de carnívoros e ungulados terrestres e foi esta a técnica usada pela equipa de Nuno Negrões. As câmaras usadas, que captam fotografia e vídeo, são ativadas por um sensor que “dispara” ao detetar movimento e calor. Normalmente colocados em troncos de árvores, estes dispositivos permitem registar os animais sem os perturbar e conseguem obter imagens noturnas, o que se torna mais importante ao sabermos que, das 15 espécies de carnívoros terrestres identificados na natureza em Portugal, apenas o sacarrabos tem hábitos diurnos – todos os outros têm hábitos noturnos e crepusculares.
  • O urso-pardo (Ursus arctus) é uma espécie integrada no novo Livro Vermelho dos Mamíferos. Considerado extinto no nosso território, voltou a ser avistado no Parque Natural de Montesinho, concelho de Bragança. O ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas já confirmou a sua presença e pensa-se que terá vindo de uma subpopulação ocidental da Cordilheira Cantábrica, no norte de Espanha.
  • Outra espécie pouco observada e conhecida em Portugal é o arminho. A maioria dos portugueses nunca se terá deparado com um, o que não é de estranhar visto que a sua área de distribuição natural abrange apenas uma pequena faixa no norte de Portugal. O arminho vive, em especial, em habitats de montanha, com clima mais fresco e húmido, e está presente sobretudo no norte do planeta. A nível global, está classificado como “Pouco Preocupante”. Em Portugal, por falta de dados, manter-se-á sem estatuto de ameaça no novo Livro Vermelho dos Mamíferos.
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Um projeto colaborativo e “escrito” a muitas mãos

 

Liderado pela FCiências.ID/Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o novo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental tem como parceiro o ICNF e conta com o envolvimento de equipas de várias instituições académicas, como é o caso do CESAM – Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, Universidade de Aveiro, onde Nuno Negrões desenvolve a sua atividade de investigador. (A foto acima é exemplo do trabalho colaborativo, com elementos da equipa dos carnívoros e ungulados terrestres e do ICNF).

O trabalho envolveu também muitos outros contributos, tanto de investigadores que integram projetos científicos e de conservação, como de voluntários que quiseram apoiar o trabalho de campo e até mesmo de empresas que, na sua atividade, monitorizam mamíferos no âmbito da gestão de valores naturais e biodiversidade.

Para o coordenador executivo dos carnívoros e ungulados terrestres do novo Livro Vermelho dos Mamíferos, este importante trabalho colaborativo fez-se desde o primeiro momento com o propósito de “conseguir preencher ao máximo o mapa dos mamíferos portugueses”.

“Como o objetivo foi fazer a reavaliação do estatuto de ameaça e estado de conservação das espécies, demos prioridade às Áreas Protegidas e aos Sítios da Rede Natura, e nestas zonas foi muito importante o trabalho do ICNF, que adquiriu câmaras, formou pessoas e desenvolveu um grande esforço de amostragem intensiva” conta Nuno Negrões.

“Deste o primeiro momento, procurámos também entender quais as áreas que já estavam cobertas por outros projetos e entidades, que também fazem fotoarmadilhagem e tinham dados que podiam partilhar, como o projeto o WildForests ou o Censo nacional do lobo-ibérico, por exemplo”. Com esta partilha de dados e muitos técnicos e voluntários no terreno, foi possível cobrir maior área do território.

Ao todo, mais de 200 pessoas terão contribuído para o novo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental cujos trabalhos, em julho de 2022, se encontram na reta final, com as equipas de investigação a fazerem a análise e atribuição das categorias de ameaça, de acordo com os critérios estabelecidos globalmente pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN na sigla inglesa).

Enquanto não chega o novo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, é possível espreitar o site do projeto: https://livrovermelhodosmamiferos.pt/

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