As áreas protegidas no mundo são importantes para travar a perda de biodiversidade, mas para a conservar é necessário olhar também para as áreas alteradas pela ação humana e perceber como reduzir os impactos das nossas atividades na vida das outras espécies. Foi este o ponto de partida do projeto científico WildForests, centrado na presença de mamíferos em florestas plantadas com eucalipto.
A perda de biodiversidade a nível global veio despertar a consciência para a necessidade de proteger a diversidade biológica para além das áreas protegidas ou intocadas, incluindo em áreas plantadas e semeadas, que têm por objetivo a colheita. Mas saber como agir nestas áreas plantadas implica conhecer as espécies que ali habitam, como se alimentam ou quando nidificam e identificar quais as melhores práticas no terreno para conciliar a colheita com a sua presença e conservação.
Estas foram algumas das questões que estiveram na génese do WildForests, um projeto científico que envolve equipas de Portugal (Universidades de Aveiro e Lisboa), Brasil e Austrália, apostadas em compreender quais os padrões e as dinâmicas das populações de mamíferos em florestas plantadas de eucalipto, e em determinar quais as melhores opções de gestão florestal para conciliar biodiversidade e produtividade.
O projeto arrancou em 2019 e os trabalhos iniciais decorreram durante dois anos, em oito áreas de estudo no Centro de Portugal com diferentes características de relevo – planas e montanhosas, onde existem eucaliptais com diferentes idades, assim como zonas de vegetação nativa. Com o apoio de 25 câmaras ocultas para identificação de mamíferos de médio e grande porte e de armadilhas (Sherman) inofensivas para pequenos mamíferos, foi observada cerca de dezena e meia de espécies.
Corços, veados, gamos, raposas, javalis, texugos, genetas, fuinhas, sacarrabos, lebres, coelhos-bravos, ouriços-caixeiros, musaranho-de-dentes-brancos, rato-do-campo e rato-das-hortas foram alguns dos mamíferos presentes e, embora a maioria destas espécies seja mais prevalente nas zonas de vegetação natural e seminatural, todas foram identificadas nas florestas de eucalipto.
Alguns estudos anteriores, efetuados noutros países, tinham já indicado a existência de mamíferos em plantações florestais (capivara, no Brasil, por exemplo) e apontado para que as espécies presentes eram na maioria terrestres e de pequeno tamanho, generalistas na forma como se alimentam e mais resilientes à perturbação, conta Miguel Rosalino, um dos líderes do projeto WildForests, que é também professor, investigador e biólogo da vida selvagem, com vasta experiência em ecologia e conservação de mamíferos. “Detetámos várias espécies nestes eucaliptais, o que indica que, também aqui em Portugal, estas áreas não são desertos verdes”, refere durante um seminário sobre a presença de mamíferos em florestas plantadas.
Ao aprofundar as dinâmicas de alguns destes mamíferos, observou-se, por exemplo, que os cervídeos (corços e veados) se encontram mais ativos nas plantações ao nascer e ao pôr-do-sol; e que as raposas têm maior presença nas fases mais avançadas do ciclo de produção do eucalipto (eucaliptos mais velhos e altos). O porquê destes padrões continua a ser estudado, mas as hipóteses são de que a ausência de atividade humana de manhã e ao final do dia favoreça a presença dos cervídeos e de que a maior heterogeneidade de um eucaliptal maduro o torne mais semelhante a uma floresta natural.
“Pequenos ajustes na forma como a paisagem é gerida serão, provavelmente, suficientes para que as espécies mais resilientes e generalistas consigam utilizar estes ambientes e para que as florestas plantadas possam ter um papel complementar na manutenção e perpetuação deste património natural”, refere Miguel Rosalino, que partilha algumas das estratégias a adotar.