Biohistórias

Conservação

Navigator e Floradata inventariam Sudoeste Alentejano e serra de Monchique

Em pareceria com a The Navigator Company, a Floradata levou a cabo em abril de 2023 uma inventariação no Sudoeste Alentejano e na serra de Monchique. Com o objetivo de confirmar os dados previamente recolhidos, mas também atentas à possível ocorrência de novas espécies faunísticas e florísticas que possam estar ameaçadas, a partir das conclusões desta inventariação nascerão novas medidas concretas para a sua preservação.

Inventariar os valores naturais que ocorrem nas propriedades geridas pela The Navigator Company, sobretudo as englobadas em áreas classificadas (como a Rede Natura 2000) ou áreas protegidas e de conservação, significa recolher dados atualizados acerca do património natural da empresa. “A nossa amostragem é praticamente uma fotografia de um local num determinado momento”, explica-nos Duarte Mendes, biólogo da Floradata e especialista em fauna presente nesta ação de inventariação.

Depois de serem identificadas as espécies de fauna, flora e também os habitats encontrados, as informações entram para a base de dados da Navigator e constituem um instrumento fundamental para avaliar o estado de conservação da biodiversidade na área estipulada, naquele período de tempo. Foi isto mesmo que foi feito nesta mais recente inventariação no Sudoeste Alentejano e na serra de Monchique.

Este trabalho de campo centrou-se na “caracterização e cartografia dos tipos de habitat naturais presentes, mas também nas diversas espécies de flora e fauna que podemos encontrar”, explica o diretor científico da Floradata, Paulo Alves, ao Biodiversidade.com.pt. Nem a época do ano é escolhida ao acaso: com conhecimento da área a inventariar, há que otimizar a visita e escolher a “altura ideal, quando a biodiversidade será máxima e teremos mais oportunidades de encontrar várias espécies”, elucida.

As alterações às medidas de preservação e conservação que daqui poderão advir podem não ser restritivas, exemplifica ainda: “Às vezes não vale a pena condicionar a passagem de pessoas, restringir o pastoreio, pois até pode ser benéfica. É importante lembrar-nos que uma espécie protegida pode conviver com as pessoas”.

As metodologias do processo de inventariação

Para inventariar fauna e flora são utilizadas diferentes metodologias com uma primeira fase em comum – a da preparação –, consultando-se fichas e cartografia, preparando-se o GPS e mapas e prevendo pelos habitats presentes e pelas características da área que espécies poderão ali ocorrer. São também estipulados transetos, isto é, secções de faixas de terreno em que se registam e contabilizam as espécies que ocorrem.

No terreno, cada grupo requer uma metodologia de identificação diferente:

Aves
Além da observação direta das aves, são criados pontos de escuta e, com a ajuda de binóculos, são identificadas as espécies. Por vezes, ao observar outras espécies, surgem aves ainda não identificadas que vão sendo acrescentadas à listagem.

Répteis e anfíbios
No grupo da herpetofauna (répteis e anfíbios), a identificação é feita por prospeção ativa, isto é, procurando-os nos seus locais de abrigo tradicionais, como debaixo de troncos ou, para identificar anfíbios, perto das linhas de água, onde se reproduzem.

Mamíferos
Em cada transeto procuram-se indícios da presença destes animais, que podem ser pegadas, tocas ou dejetos. Este é o grupo mais difícil de inventariar pela mobilidade das espécies.

Flora
Já para inventar espécies vegetais estar no terreno é imprescindível. Usa-se também a fotografia como meio de documentação e são também feitos inventários fitossociológicos que permitem compreender uma comunidade vegetal ou um habitat. Captar a diversidade, aponta Paulo Alves, é o maior desafio, neste grupo: “na altura da primavera, esta zona tem centenas de espécies num só local e é preciso encontrar as mais raras e também listar as mais vulgares”.

Habitats
Os habitats da diretiva Habitat fazem parte de uma lista de biótopos selecionados pela União Europeia e que faz parte do Anexo 1. Biótopos, como explica Paulo Alves, são “locais com uma vegetação ou geologia particular homogénea: um rio de determinada dimensão que nunca seque é um biótopo; uma floresta ribeirinha também é um habitat no seu sentido mais lato”. Identificar habitats requer, por isso, considerar todos os elementos da área analisada. “Desde os ameais ripícolas, junto ao rio, aos salgueirais que nos acompanham, às florestas de sobreiro, os carvalhais (carvalho-cerquinho e carvalho-de-monchique), que são um dos habitats mais raros neste momento, aos medronhais, caraterísticos da serra de Monchique e que fazem parte até da própria economia com os diversos produtos obtidos a partir do medronho”, todos eles são habitats.

Já depois da inventariação, há que rever a cartografia e a descrição das espécies, nomeadamente os nomes comuns, o seu tipo de habitat e a proteção legal que garante a sua conservação.

Outros objetivos da inventariação na serra de Monchique

Outro dos propósitos desta inventariação é a possível constituição de Áreas de Alto Valor de Conservação dentro das propriedades Navigator. Estas áreas são críticas para a conservação, pela importância dos valores que encerram, sendo alvo de medidas específicos para conservar flora e habitats, mas também fauna (por exemplo, locais de nidificação de águia-de-bonelli). “Estamos a falar de áreas muito importantes, como os carvalhais de carvalho-de-monchique, uma espécie vulnerável e muito rara, ou os bosques de amieiro, como a adelfeira”, explica Paulo Alves.

E ainda sobre o carvalho, a especialista na área de conservação da The Navigator Company presente no terreno, Inês Fontes, adiciona que, naquela área, “a nossa espécie mais protegida é exatamente o carvalho-de-monchique, que só existe aqui e que tem vindo a ser bastante estudada pela nossa equipa. No futuro gostaríamos de ter mais dados para perceber se está a progredir no bom sentido”.

Além desta expetativa, uma outra: a de poder listar a variedade da biodiversidade que existe nas proximidades de áreas de produção florestal, melhorando as medidas de gestão em vigor. Duarte Mendes refere que “o que é surpreendente é que estas áreas de recuperação que a Navigator promove têm tido uma diversidade muito interessante associada a elas, bastante mais rica do que aquela que normalmente associaríamos a uma área de produção florestal”. O biólogo espera encontrar na serra de Monchique a “águia-de-bonelli, uma rapina bastante rara que está classificada “Em Perigo” em Portugal, e que sabemos que existe nesta zona” e outras como a lontra e anfíbios como a rã-de-focinho-pontiagudo.

Esta inventariação permite ainda perceber que algumas espécies que se julgavam novas e raras em Portugal não o são – veja-se o exemplo da espécie do género Carex que, nas várias inventariações em propriedades Navigator, se revelou mais comum do que se julgava, “especialmente nos caminhos com alguma humidade”, um claro sinal de que, por haver poucos especialistas, não tinha sido devidamente estudada, aponta Paulo Alves.

Para Inês Fontes, é “sempre gratificante encontrar novas espécies e novos habitats que ainda não tenhamos nos nossos dados e depois conseguir transpor os resultados para medidas de gestão”. Neste posterior plano de gestão serão consideradas medidas de preservação específicas para essa propriedade, com as espécies de fauna e flora identificadas em mente.

Inventariar para gerir eficazmente

Para conhecer profundamente a floresta, inventariar e monitorizá-la é essencial para uma gestão eficaz do terreno. Das conclusões de cada inventariação são extraídas informações que darão lugar aos ajustes necessários, em campo, ao planeamento e execução de atividades que resultem, no mínimo, na manutenção dos valores da biodiversidade e serviços dos ecossistemas existentes no património (ou no net loss). Além de estes dados permitirem uma comparação sistematizada, são ainda fonte de informação útil em várias frentes, não só na compatibilização com as operações florestais, mas também no processo de requalificação ou restauro para obtenção de um ganho líquido (ou net positive gain).

Mas a inventariação moderna não se baseia apenas na observação presencial e conta agora com outros meios. Falamos, por exemplo, em drones com satélites munidos de sensores LiDAR (Light Detection and Ranging) – como o utilizado no mapeamento e georreferenciação da Quinta de São Francisco – que caracterizam com precisão a área florestal, fornecendo dados como a altura, o diâmetro e o volume da vegetação, originando um modelo 3D do terreno com uma precisão até agora não alcançada por outros meios. Neste caso, como em tantos outros, informação é poder, permitindo uma gestão eficaz e adaptada às características faunísticas e florísticas das florestas.

Temas: